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A execução, pública e à luz do dia, do homem que foi a mais alta autoridade policial do Estado de São Paulo escancara o avanço do narcotráfico nas terras brasileiras.

Mais que isso, mostra a inércia, o alheamento, a quase cumplicidade das autoridades federais para com o que se passa sob a batuta das organizações criminosas que se agigantam.

À frente delas está o executor deste assassinato, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que é hoje uma poderosa multinacional do crime, atuante em vários continentes.

O ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes foi morto a tiros de fuzil na Praia Grande, no litoral paulista, no dia 15 do mês passado. Vale lembrar outra execução cinematográfica pelo mesmo PCC: a do delator Vinicius Grizbach na saída do aeroporto de Guarulhos, em novembro do ano passado. E não esquecer que ambos eram condenados pelo tribunal do crime, justamente por combatê-lo.

A uma gravidade, soma-se outra: a recente Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, mostra o avanço econômico dessa organização criminosa em atividades aparentemente legais para lavagem de dinheiro, como combustíveis e hotelaria. Esses acontecimentos tiveram uma cobertura da “grande imprensa” bem menor do que pede a seriedade da situação.

Quero comentar aqui duas manifestações sobre o assassinato do ex-delegado, que vieram de autoridades ligadas à segurança. Uma abalizada, responsável, fundada e alertadora. Outra, para não dizer muito, ridícula, quase infantil.

1

Lincoln Kajiya receia narcoestado

O promotor paulista e membro do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) Lincoln Gakiya é, provavelmente, a autoridade pública que mais entende de PCC.

Lincoln Gakiya estuda a organização criminosa e a combate desde o ano 2000. É jurado de morte pela facção e os últimos acontecimentos mostram que não pode se descuidar.

O promotor comentou o assassinato do delegado, numa entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”: “Isso é a falência do Estado. O Brasil caminha a passos largos para se tornar um narcoestado, se nada for feito. Não quero ser um profeta do apocalipse, mas não dá para ser muito otimista”.

Um exame frio e sincero dos fatos mostra que Lincoln Gakiya tem razão.

Lincoln Gakiya: promotor está marcado pelo PCC | Foto: Reprodução

Apesar dos muitos alertas, de uma segurança pública que nos coloca nos últimos e mais vergonhosos lugares em todo o mundo, comparável à dos países em guerra, não se vê no governo federal, desde Fernando Henrique Cardoso, uma efetiva política de segurança.

Ano após ano, as estatísticas mostram números assustadores de assassinatos. Mas a política do governo federal não muda, a tolerância dos três poderes com o crime continua, o apoio a uma repressão sem complacência inexiste.

O combate ao crime organizado, hoje, só existe por parte de algumas polícias estaduais mais enérgicas, apoiadas e motivadas.

Lincoln Gakiya alertou, por algumas vezes, o delegado Ruy Ferraz do perigo que corria, mas este acabou se descuidando, e o descuido custou caro. A propósito: se o governo federal resolvesse combater a sério o crime organizado, não haveria ministro da Segurança melhor que Gakiya (com carta branca para agir).

2

A inadequação de Lewandowski

A outra declaração, esta espantosamente descabida, veio de quem mais ponderado deveria ser nesta situação, pois é o responsável pelo setor de segurança no governo federal — o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.

Disse o ministro: “No passado recente houve uma política de disseminação dessas armas (de uso restrito, como os fuzis usados na execução). Então essas armas estão nas mãos de pessoas honestas…, mas, muitas vezes, na maior parte das vezes, essas armas caem nas mãos do crime organizado”.

Ricardo Lewandowski: ministro da Justiça | Foto: Divulgação

O ministro, em resumo, culpa o governo Bolsonaro pelo crime e afirma que os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) deixam que a maior parte de suas armas seja desviada para o crime.

Três infelicidades preenchem essa declaração:

A — Culpar Bolsonaro, que para o petismo é o responsável por tudo de mau que acontece desde os tempos bíblicos, quando inspirou o fascista Caim a matar o progressista Abel.

B — Culpar a disseminação de armas pelo crime, o que não se sustenta pelo mais simples dos motivos: armas são objetos inanimados que só são usadas para o crime se houver, isto sim, disseminação de criminosos que as usem.

C — Culpar os CACs e afirmar que a maioria de suas armas é desviada para o crime, o que beira a infantilidade.

Os CACs sempre foram muito fiscalizados e um recadastramento feito de 2023 mostra que o extravio de suas armas fica muito abaixo de 1% (o que não quer dizer que foram para o crime), e não acima de 50% como quer o ministro.

É indesculpável o ministro ignorar que o grosso das armas do tráfico é oriundo do contrabando paraguaio. Desconhecer, por exemplo, a recente Operação Kosovo, da polícia paraguaia, que desmascarou a empresa International Auto Suply (IAS), de Assunção, que havia — apenas ela — importado legalmente mais de 40.000 armas da Europa, raspado sua numeração e as vendido de contrabando para o narcotráfico. O que outras empresas continuam fazendo, sem que o governo busque a cooperação do governo paraguaio para coibir.

A experiência mostra que Segurança Pública não é tarefa para amadores, pois exige experiência, conhecimento, qualidades de liderança em momentos críticos e outras coisas.

Lewandowski poderia ser ministro da Justiça, juiz de carreira que foi. Mas desconhece por completo o setor de segurança pública, em que nunca teve qualquer tipo de atuação.

O ministro encontrou um quadro grave na criminalidade nacional, e esse quadro se agravou em sua gestão, com o narcotráfico crescendo a olhos vistos.

Provas dessa inadequação à função são as agruras porque passa o ministro:

1

A fuga de dois delinquentes perigosos do presídio de segurança máxima de Mossoró no ano passado, algo inusitado, deixou o ministério completamente perdido.

2

A presença de uma chefe do narcotráfico (Luciane Barbosa) transitando livremente no ministério e até tendo passagens pagas com verba pública durante a administração Flavio Dino, beirou o hilário e nunca teve explicação. Lewandowski manteve os chefes que “confraternizaram” com a Dama do Tráfico.

3

A presença no dia a dia do ministério de figuras ligadas ao especulador George Soros e suas ONGs amestradas, defensoras de tudo o que atenta contra a segurança (desencarceramento, liberação de drogas, desarmamento civil etc.), orientando o ministro no sentido que lhes interessa.

4

A proposição de uma PEC da segurança que procura enfeixar o setor nas mãos do governo federal e diminuir as polícias estaduais, as únicas que estão tendo sucesso contra o narcotráfico, é algo muito ideológico e comprovadamente ineficaz, que só promete mais do mesmo, isto é, fracasso no combater o crime organizado.

5

Cancelamento do visto de entrada do ministro nos EUA, algo bastante constrangedor. Os motivos seriam, embora não revelados, a atuação política da Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça e a recusa em considerar PCC e Comando Vermelho organizações terroristas, um excesso de pruridos do ministério para com uma organização que promove assassinatos em praça pública, o que não deixa de ser terrorismo.

6

O anúncio do filho do ministro como advogado de uma empresa ligada ao narcotráfico é muito desgastante e mostra o descuido com um tema por demais delicado.

Neste particular quero enfatizar que o filho do ministro deve ter, honestamente, prestado seus serviços julgando defender empresa idônea. Mas, dado a relação familiar, o próprio ministro deveria ter sido vigilante para que nenhum envolvimento de seu filho pudesse, nem de longe, vir a ser suspeito no futuro, e deveria tê-lo alertado para só se aproximar de pessoas ou empresas absoluta e comprovadamente honestas.

Deixar-se levar pelas aparências redunda nesses contratempos. É coisa de quem não é do ramo, e se esquece que à mulher de Cesar não basta ser honesta. Em suma: o seriíssimo problema brasileiro da segurança exige muito mais conhecimento e competência do que o mostrado até agora.