Uma troca: hiperinflação ou hipertributacão?
08 novembro 2025 às 21h00

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Um leitor e amigo, Roberto Konder Bornhausen — ex-presidente do Unibanco e da Febraban —, enviou uma ponderação relevante sobre artigo anterior, observando que a inflação, antes do Plano Real, funcionava como um “imposto indireto” que não aparecia nas estatísticas de arrecadação. Sua observação não só procede, como reforça o diagnóstico central: o Plano Real não reduziu o tamanho do Estado brasileiro, que lembra não ter sido o objetivo do Plano. Apenas pretendia a forma de financiá-lo.
Antes de 1994, o governo compunha suas contas com duas fontes principais: (1) impostos diretos e (2) imposto inflacionário, obtido pela desvalorização contínua da moeda. O Plano Real eliminou o segundo mecanismo — mérito histórico inquestionável — mas compensou essa perda ampliando a carga tributária direta. O gasto público permaneceu estruturalmente intacto.
A lição elementar de Milton Friedman ajuda a iluminar esse ponto: “o governo não custa o que arrecada, mas o que gasta.” O Brasil, ao estabilizar preços, não estabilizou o Estado. Continuamos a financiar o mesmo custo, só que agora por meios mais explícitos e economicamente mais onerosos para o setor produtivo.
O resultado é conhecido. A carga tributária brasileira avançou para patamares próximos de 33% do PIB, enquanto o gasto público manteve trajetória ascendente. A consequência macroeconômica foi a compressão crônica do investimento e da produtividade. O país estabilizou a moeda, mas não conseguiu crescer.
Os dados do FMI ilustram o retrocesso. Em 1980, a renda per capita brasileira era de cerca de US$ 2.400 correntes (US$ 10.600 em PPC). Em 2024, alcança aproximadamente US$ 10.400 correntes, porém apenas US$ 16.200 em PPC. Em termos nominais houve avanço; em poder de compra — o indicador relevante para medir bem-estar — trata-se de um crescimento pífio para mais de quatro décadas. Nesse período, o cidadão brasileiro se afastou dos países desenvolvidos, em vez de se aproximar deles.
Os efeitos veem se acentuando, pois desde 2013 a tendência está piorando, como mostra o estudo do FMI, citado no meu artigo Brasil Rico, Brasileiro Pobre: “Naquele ano, o PIB per capita em PPC era de US$ 19.169; em 2024, chegou a apenas US$ 19.594 — quase estagnação em mais de uma década, período em que outros países cresceram, abriram mercados e atraíram capital”.
A comparação internacional reforça o contraste. Países que enfrentaram crises fiscais por meio da redução do gasto e reforma do Estado — como Canadá nos anos 1990 ou Suécia após 1993 — retomaram o crescimento. A Argentina atual tenta trilhar caminho semelhante: primeiro equilibrar o orçamento, depois reconstruir a expectativa de crescimento. Ainda é cedo para conclusões, e o exemplo deve ser citado com cautela, mas o contraste filosófico é nítido: equilibrar cortando gastos, e não elevando tributos.
O Plano Real merece respeito histórico pelo que entregou: estabilidade monetária. Mas não merece um Nobel de Economia. Ao estabilizar o instrumento (a moeda) sem reformar a causa estrutural (o Estado), produziu paz nominal e estagnação real. A vitória foi parcial — e o preço, alto.
O Brasil pagou a hiperinflação. Hoje paga a hipertributação.
