Não está na Bíblia, mas se estivesse, ninguém duvidaria. Trata-se de uma narrativa irônica da criação do mundo. Conta-se que, ao distribuir equitativamente os bens entre as regiões da Terra, Deus – sempre justo – decidiu permitir o contraditório. E, para isso, ninguém melhor do que Satanás.

Convocado, o diabo aceitou na hora, impondo apenas uma regra: para cada dádiva generosa oferecida pelo Criador, ele apresentaria uma contraproposta destrutiva. Venceria o jogo aquele que conseguisse propor algo impossível de ser superado pelo adversário.

Deus começou:
— Darei aos países árabes o petróleo.
Satanás rebateu:
— Então eu lhes dou o deserto.

Deus seguiu:
— Aos ingleses darei civilidade.
O capeta sorriu:
— E eu compenso com a pior culinária do mundo.

E assim o duelo prosseguiu por horas.

Cansado, Deus resolveu encerrar com um xeque-mate:
— Ao Brasil eu darei o mais rico subsolo, um território vasto, fértil e acessível; um clima ameno, livre de furacões, terremotos e tsunamis. E, acima de tudo, um povo cordial, alegre e sociável.

Satanás se inflamou:
— Como pode um Deus justo dar tanto a um só país? Por que aos outros faltam água, sobram revoluções, calamidades — e ao Brasil, nada disso?

O Criador caiu na gargalhada. Estava certo de que o diabo não teria uma maldade capaz de superar tamanha generosidade. Sentiu-se triunfante: só um Deus verdadeiramente brasileiro pensaria assim.

Mas Satanás não se intimidou.
— Agora, sim, meu xeque-mate: darei ao Brasil o pior que pode acontecer a um povo.

E mostrou ao Criador o quadro dos políticos que propunha para governar o país.

O riso divino cessou.
— Assim não. Nunca imaginei proposta tão cruel. Você venceu. Tudo o que eu dei aos brasileiros é pouco diante dessa infelicidade! Isso, sim, é o inferno em vida!
E assim Satanás foi consagrado o patrono dos nossos políticos.

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