O recente episódio do chanceler alemão comparando pejorativamente Belém do Pará com a Alemanha causou um alvoroço, um mal-estar nacional.

Ninguém pode obrigar um estranho a ter sentimentos de aprovação ao nosso rincão e nem à nossa cultura. Isto seria uma violência à natureza humana.

Como também não podemos impedir, ainda que com uma censura informal, que as opiniões contrárias às nossas sejam vocalizadas. Mesmo sendo inoportunas como foram.

Certamente, o ministro alemão foi indelicado com os seus anfitriões. Poderia, por diplomacia, ter reservado a sua crítica a seus círculos íntimos.

A reação das autoridades brasileiras, com o mesmo direito à liberdade de expressão, perdeu uma oportunidade de reagir diplomaticamente, ao invés de passar o recibo de uma grosseria com outra.

A indignação não contribui para defender a imagem de uma nação que se apresenta como civilizada. Ao contrário, a fuga da racionalidade põe a descoberto um primitivo bairrismo.

O bairrismo — esse apego forte, às vezes irracional, ao lugar onde nascemos ou vivemos — é um fenômeno profundamente humano. Fazemos do lugar onde nascemos um espelho de quem somos

O ser humano precisa de um ponto de referência para construir sua identidade. O bairro, a cidade ou a terra natal oferecem, na cultura comum, memórias afetivas um sentimento de “nós”, que reforça a noção de pertencimento.

Criticar o lugar que amamos soa como crítica pessoal, uma ofensa. É um ataque que usualmente é rebatido com a emoção, pois é visto como uma ameaça ao lugar que nos deu segurança ao longo da vida.

O bairrismo é, em parte, essa antiga lógica tribal projetada sobre espaços modernos. O local vira símbolo de um paraíso emocional — que queremos proteger.

A devoção aos valores de um bairro, cidade ou região raramente nasce de um juízo racional sobre se são bons ou ruins.

Na verdade, nasce de:

  • hábito;
  • tradição;
  • desejo de pertencimento;
  • medo da dissolução da própria identidade.

A pessoa sente que, se criticar os valores do lugar, estará perdendo parte de si mesma.

Por isso, o sentimento pode ser tão forte quanto fé religiosa: ele toca na essência simbólica do indivíduo.

O infeliz comentário do chanceler alemão, em vez de ser aceito como uma opinião entre tantas, é visto como ofensa pessoal.

Se aceita com racionalidade, a fala do chanceler provocaria uma análise crítica e as mazelas, que sempre existem, mereceriam correções para serem melhor avaliadas em outras oportunidades. Com emoção, reforça um falso patriotismo.

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