Amor à ordem ou medo do caos?
15 novembro 2025 às 21h00

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A sociedade humana, vale a pena lembrar, nem sempre foi subordinada a um governo. A história, a antropologia e a arqueologia explicam, em linhas gerais, como a humanidade passou da vida selvagem para uma convivência civilizada.
A instituição do governo passou a ser desejada quando os excedentes de produção, que, gerando riqueza, fizeram surgir a propriedade privada e os grandes aglomerados humanos. Até então, os grupos reunidos por etnias desconheciam a propriedade privada e as classes sociais. As lideranças eram temporárias, sem Estado e sem leis escritas.
Com a revolução agrícola e a domesticação de animais, e com maior produção e fixação à terra, surgem os estoques e, portanto, a acumulação de capital. A população explode, porque mais comida significa mais gente.
As sementes da “civilização”
Podemos destacar três correntes de pensamento que definem a condição de vida civilizada:
1
Para Hobbes (século XVII) o estado de natureza é um estado de guerra de todos contra todos, onde vigora a lei do mais forte. O ser humano, movido por desejo e rivalidade, acaba produzindo violência contínua. Para escapar desse caos, os homens cedem sua liberdade e criam um soberano forte (o Estado), que imponha ordem.
2
Para John Locke (século XVII), o governo é um guardião da propriedade e dos direitos naturais. Todo indivíduo tem direito natural à vida, à liberdade e à propriedade, mas, sem leis e sem juiz comum, esses direitos podem ser violados. O governo nasce do consentimento dos governados para proteger a propriedade, arbitrar conflitos e garantir justiça imparcial.
3
Para Jean-Jacques Rousseau (século XVIII), o governo surge para corrigir desigualdades criadas pela civilização. Os conflitos surgem com a propriedade privada, que gera desigualdade, ciúme e conflito. A sociedade cria o governo para reorganizar a convivência em bases justas, buscando a vontade geral e o bem comum.
Conclusão geral
Embora discordem nas causas, os três concordam que o governo nasce porque a vida em sociedade gera conflitos que o indivíduo sozinho não consegue resolver. Assim, a transição do “selvagem” para o “civilizado” é movida por uma necessidade objetiva: garantir convivência estável, protegida e cooperativa.
Portanto, aceita a condição básica da legitimidade de um governo, ela depende da convivência pacífica entre os cidadãos, com a garantia dos direitos fundamentais: a vida, a liberdade e a propriedade privada.
Quando uma sociedade, como a brasileira, não tem no governo a garantia à vida — pois enfrenta o maior índice de crimes fatais do mundo —; da liberdade — pois a vida foi sufocada por uma burocracia que confisca a livre iniciativa —; e da propriedade privada — sujeita a uma proverbial insegurança jurídica, com confiscos, invasões e desapropriações —, está na hora de questionar a legitimidade do governo.
Governo, para que te quero?
Se não temos as condições de uma sociedade civilizada, se regredimos às da vida selvagem, com o narcotráfico infiltrado nas entranhas do país — uma verdadeira anarquia —, o governo não se justifica.
Nenhuma sociedade se submeteu a um governo por amor à ordem, mas por medo do caos. E é por causa do atual caos que o governo que temos não se justifica.
