Esquema de pagamentos de pacotes de envios de mensagens por empresários revelado pela Folha de S.Paulo já preocupava especialistas antes das eleições, menos o TSE

Mesmo com todos os alertas, só agora a Justiça Eleitoral percebeu o tamanho do problema que envolve o WhatsApp no combate às informações falsas e distorcidas | Foto: Pixabay

A reportagem que foi manchete da edição de quinta-feira (18/10) do jornal Folha de S.Paulo – “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp” -, apurada e escrita pela repórter Patrícia Campos Mello, revelou um suposto esquema de financiamento por pessoas jurídicas à campanha do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e a possibilidade do cometimento do crime de abuso do poder econômico na campanha, o que pode configurar caixa dois e levar até à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão (PRTB). Mas, além disso, trouxe indícios de uma prática que já era alertada como maior preocupação da disputa eleitoral por especialistas consultados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde dezembro de 2017.

Entre os empresários suspeitos de participar do esquema estaria, segundo a reportagem da Folha, Luciano Hang, da rede de lojas de departamento Havan, a mesma que o ex-candidato a presidente Cabo Daciolo (Patriota), meses antes da disputa, fez uma parada em Anápolis e orou em vídeo no estacionamento para repreender o que ele chama de “imagem do imperialismo norte-americano” em solo brasileiro: réplica da Estátua da Liberdade, instalada na entrada da Havan. Hang respondeu à publicação e disse que vai processar a Folha.

O mesmo empresário já havia sido advertido pela Justiça do Trabalho após realizar momento de apoio a Bolsonaro na reta final do primeiro turno e obrigar os funcionários a vestir camisetas de apoio ao candidato do PSL com transmissão ao vivo pelas redes sociais. Apesar de ser uma demonstração forte de coação de empregados pelo empregador, vamos voltar ao assunto que tomou o debate eleitoral, tanto para os que confiaram no conteúdo da reportagem como os que adotaram o discurso de que a Folha só produz fake news.

Em fevereiro, o Jornal Opção trouxe na reportagem “Brasil discute o que fazer para não virar próxima vítima das fake news” a revelação do quão primária ainda era a discussão no TSE sobre a disseminação rápida e descontrolada de informações falsas e distorcidas nas redes sociais. Pesquisadores, especialistas em tecnologia da informação, advogados e jornalistas mostravam o quanto o Brasil deveria estar atento há mais tempo ao tema, que poderia ter grande influência e atuação nas eleições de outubro.

Mentiras divulgadas em período eleitoral sempre existiram na história do mundo, inclusive nas disputas presidenciais brasileiras. O próprio PT, que agora propõe ação contra o PSL e o candidato Jair Bolsonaro ao pedir a cassação da candidatura da chapa do presidenciável, também já se beneficiou de ataques contra candidatos. A campanha difamatória realizada contra Marina Silva (naquele pleito estava no PSB) em 2014 pode ter contribuído para levar ao segundo turno o tucano Aécio Neves, considerado pelos petistas com um adversário mais fácil a ser batido nas urnas.

Mas esta eleição mostra que, de forma muito mais rápida e quantitativamente maior do que a utilização – ainda sob investigação – questionável de redes sociais como o Facebook na campanha eleitoral de 2016 nos Estados Unidos, a ameaça de influência das informações falsas, distorcidas e retiradas do contexto ganhou proporções inimagináveis com as listas de transmissão usadas para envio de mensagens anônimas e sem comprovação nos grupos de WhatsApp.

Vítima das fake news
“O fluxo de informações anônimo, não confiável e de baixa qua­lidade à esquerda e à direita que circula na internet já é maior e até mais poderoso do que o fluxo de conteúdo de veículos de comunicação tradicionais. Saber disso é fundamental”, disse o jornalista Leonardo Sakamoto ao Jornal Opção em fevereiro. Sakamoto foi vítima de ameaças virtuais e ataques na rua por notícias falsas atribuídas a ele.

Outra jornalista que alertava para o risco do uso sem possibilidade de controle do WhatsApp na campanha de outubro é Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa, que atua na checagem de fatos. “Nós debatemos muito sobre o Twitter, Facebook e Google, quando na verdade o maior problema nas eleições deste ano no Brasil será o WhatsApp”, declarou em entrevista ao Jornal Opção em junho. Tardáguila apontava que a greve dos caminhoneiros – ou locaute das transportadoras – mostrou a força invisível das informações falsas que circulam livremente no aplicativo de mensagens.

A fundadora da agência explicava o tamanho do problema ao Jornal Opção em junho: “Temos, na redação da Lupa, algumas ferramentas pelas quais conseguimos monitorar o que está se destacando em termos de popularidade no Twitter, no Facebook e no Google. São ferramentas que conseguem monitorar a velocidade do avanço de uma mentira. No WhatsApp não existe essa possibilidade. Não temos como monitorar a proliferação de uma informação falsa, de um áudio falso ou de qualquer conteúdo que circula pelo WhatsApp. Isso é um problema enorme!”.

Tanto Tardáguila quanto Sakamoto disseram ao Opção que a Justiça Eleitoral não sabia muito bem o que estava fazendo, com ações ainda muito básicas. E o resultado da falta de acompanhamento do TSE veio na última semana, no meio do segundo turno das eleições, quando decidiram, muito tardiamente, obrigar que conteúdos comprovadamente falsos usados pela campanha de Bolsonaro contra o adversário Fernando Haddad (PT) fossem retirados do ar.

Justamente os que tratavam do dito “kit gay”, que na verdade se chamava programa Escola Sem Homofobia. Muita gente continua acreditando que o livro mostrado por Bolsonaro no Jornal Nacional, “Aparelho Sexual e Cia”, se trata de parte do material suspenso pelo governo federal à época, mas que nunca fez parte da proposta. O Jornal Opção verificou, no dia 31 de agosto, as 11 mentiras ditas por Bolsonaro sobre “kit gay” e homofobia durante sua entrevista como candidato a presidente ao Jornal Nacional. Mesmo assim, parte dos eleitores do candidato do PSL acusou o Jornal Opção de inventar mentiras contra o presidenciável.

Mas e a Justiça Eleitoral?
TSE, Polícia Federal (PF) e Procuradoria-Geral da República (PGR) resolveram, agora, investigar o uso profissional e pago da distribuição e propagação de mensagens falsas de forma instrumentalizada tanto por PT quanto pelo PSL, não só as supostamente praticadas por empresários pró-Bolsonaro, como pediam as ações proposta pelo PT e PDT à Justiça Eleitoral. Como aconteceu com a denúncia ao TSE de estelionato eleitoral feita por tucanos contra a chapa Dilma-Temer em 2014, a tendência é que os ministros não ajam de forma atropelada e o caso demore a ser avaliado.

Quando o TSE resolveu julgar a acusação de estelionato eleitoral cometido pela chapa PT e PMDB nas eleições de 2014, Dilma Rousseff (PT) já havia sido cassada pelo Congresso, Michel Temer (PMDB) assumido o cargo de presidente da República e o PSDB, seu aliado no processo de impeachment, desistido de defender a ação contra a coligação adversária nas urnas. Como o ministro Jorge Mussi, do TSE, deu cinco dias – prazo que se encerra na quarta-feira (24) – para Jair Bolsonaro se manifestar sobre a acusação de caixa dois de campanha por meio de doação privada não declarada no caso do WhatsApp, a ação deve se arrastar até o final do ano em um cenário de tramitação bastante otimista.

No ritmo do caso da chapa Dilma-Temer, teremos o veredito das ações contra Bolsonaro, e que a Justiça Eleitoral incluiu também a chapa do PT nas investigações, apenas no final de 2018. Até lá, possivelmente – mantida a ampla vantagem de Bolsonaro sobre Haddad na votação do próximo domingo (28) – o candidato do PSL estará prestes a completar um ano de mandato como presidente eleito. De fato todos sabemos que o tempo da Justiça é diferente daquele percebido pelas mudanças nos padrões e comportamentos da sociedade. E que mais uma vez daria voz para um discurso de vingança eleitoral, mas que se baseia, como em 2014, em uma suspeita muito bem embasada.

Tanto que os desdobramentos da operação Lava Jato contra esquemas de corrupção que envolviam figuras importantes do PT e PSDB, além de outros partidos, criaram na população um sentimento de mudança e retirada dos mesmos políticos nas urnas – por mais que o resultado se mostrasse um campo aberto para o conservadorismo militar e religioso. Mas então qual a solução para as informações falsas, distorcidas e usadas fora de seu contexto original no WhatsApp e nas redes sociais?

Eu volto a ficar com os entendimentos e Cristina Tardáguila e Leonardo Sakamoto, que são compartilhados por muitos especialistas no assunto, de que a melhoria da qualidade da educação ofertada no Brasil é o caminho para fugir das armadilhas das informações falsas, popularmente conhecidas como fake news. Não com proposta de ensino fundamental a distância ou doutrinação com a falsa ideia de desideologizar a educação pública brasileira abrindo espaço para conhecimentos revanchistas de viúvas da ditadura militar de 1964.

Seja o próximo presidente Bolsonaro ou, por um milagre, Haddad, é preciso emancipar as pessoas para que elas tenham condições de sozinhas identificar um conteúdo duvidoso de uma informação verdadeira, onde e como checar aquela mensagem e pensar duas vezes antes de compartilhar o conteúdo simplesmente porque assim atenderemos nossa ânsia por vencer um debate pautado em autoverdades, como bem define Eliane Brum.

“É indispensável que se faça um processo de educação da população. A população precisa saber que o áudio que você recebeu da sua tia não necessariamente é verdade”, disse Tardáguila em junho. Por mais que você discorde de Sakamoto, há um trecho da entrevista concedida ao Jornal Opção que pontua bem a radicalização eleitoral baseada em falsas verdades defendidas com amor e ódio por muita gente na rua e na internet: “A gente não vai conseguir resolver a questão da circulação de notícias falsas, da desinformação, do ódio, da violência e intolerância através de mais ódio, mais violência e mais intolerância. As pessoas vão ter que ceder”.