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O general da reserva Mário Fernandes ocupava o cargo de “número 2” da Secretaria-Geral da Presidência durante o governo Bolsonaro. Réu no Supremo Tribunal Federal (STF), o militar é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos principais articuladores do suposto plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, uma das figuras mais odiadas pelos bolsonaristas atualmente (quiçá, até mais do que o próprio Lula).

É preciso ser honesto: a revelação do plano para assassinar as principais autoridades do Executivo e do Judiciário do país não foi exatamente uma surpresa. O “Plano Punhal Verde e Amarelo”, documento que detalhava a trama para matar Lula, Alckmin e Moraes, descoberto nas investigações da Polícia Federal (PF), parece ser a materialização da paranoia bolsonarista em torno da ideia de reverter o resultado das urnas e, segundo seus apoiadores, “salvar o país do comunismo”.

O general Fernandes, citado acima, admitiu ser o autor do plano. Em seu interrogatório da última quinta-feira, 24 de julho, quando falou pela primeira vez desde que foi preso, em novembro de 2024, o militar confessou ter arquitetado a trama. No entanto, as palavras usadas por ele para descrever um plano de assassinato chamaram atenção: “Esse arquivo digital, que retrata um pensamento meu que foi digitalizado, é um estudo de situação”, disse. Fernandes afirmou ainda que se tratava de “uma análise de riscos” e completou: “Esse pensamento digitalizado não foi compartilhado com ninguém”.

Aqui vai um detalhe relevante, caro leitor: o “Punhal Verde e Amarelo” foi impresso dentro do Palácio do Planalto, à época comandado por Jair Bolsonaro. O documento previa, após os assassinatos, a criação de um “gabinete de crise” em dezembro de 2022, com o objetivo final de manter Bolsonaro no poder. Segundo a denúncia da PGR, o então presidente não só tinha conhecimento do plano, como liderava sua execução.

Em relatório, a PF afirma: “Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram, de forma inequívoca, que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio direto e efetivo dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito.”

Tudo o que veio à tona nas intensas investigações policiais, como já mencionado, não surpreende. Afinal, era esse o caminho que vinha se desenhando desde os acampamentos de extremistas em frente aos quartéis, passando pelas falas constantes de Bolsonaro afirmando que “se não houvesse eleições limpas”, o resultado não seria aceito, além de episódios como a convocação de embaixadores para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. Um cheque em branco com a mensagem: “Tentarei dar um golpe. E quando o fizer, não interfiram”.

O que realmente choca é a capacidade dos réus de relativizar e tentar atenuar o peso de seus supostos crimes. Segundo a PGR, um grupo formado por integrantes do governo federal e das Forças Armadas planejava matar o presidente eleito e tomar o poder à força. Mas, na confissão de um general que admitiu ter participado da conspiração, tudo não passou de um “pensamento digitalizado”.

Talvez essa lógica ajude a entender a obsessão do bolsonarismo com a ideia da anistia, uma pauta que, hoje, está praticamente morta e enterrada. No discurso de seus líderes, a Justiça estaria condenando “senhorinhas e vendedores de pipoca” pelos ataques de 8 de janeiro, ignorando o fato de que milhares de golpistas, muitos deles oriundos dos acampamentos em frente aos quartéis, invadiram e depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes com um objetivo claro: extinguir o Estado Democrático de Direito.

A tentativa de derrubar o sistema democrático e de instaurar um regime autoritário no Brasil, que incluiu desde planos de assassinato de autoridades até ataques às sedes dos Poderes constituídos, não pode ser relativizada, e muito menos esquecida. Deve, sim, ser combatida com rigor, dentro das formas da lei. Quando atentados à democracia são tratados como meros ‘pensamentos digitalizados’, o risco não está apenas no crime, mas na tentativa de normalizá-lo.