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Existe uma anedota que permeia o imaginário popular brasileiro e que, de forma cíclica, ajuda a explicar a visão que o povo tem sobre seus representantes na política. Conta-se, com deboche, que quanto mais próximas ficam as eleições, mais os pasteleiros de feira ganham dinheiro.

Isso porque é no período da pré-campanha e da campanha eleitoral propriamente dita que a maioria dos interessados em concorrer a um mandato costuma sair do conforto de seus escritórios e gabinetes e intensificar o corpo a corpo com a população, seus possíveis eleitores.

As feiras livres, com a efervescência tradicional de pessoas indo e vindo, conversando e se esbarrando, são alguns dos locais preferidos dos postulantes. É lá que eles parecem cumprir uma regra secreta, mas que nenhum político ou aspirante ousa quebrar: a foto “espontânea” comendo um pastel.

Na tentativa de serem vistos como figuras humildes e do povo, políticos da linha tradicional e conservadora despem seus ternos caros e feitos sob medida para ir para o “meio do povão” tirar fotos, abraçar eleitores e até forçar um certo solecismo. E é aí que nasce a piada.

Dentro da bolha de apoiadores, o candidato é festejado como uma figura altamente popular. Fora dela, é satirizado como alguém que se espreme em um personagem para ser bem visto pela população, o “Zé Povão”. Diga-se de passagem: a questão não é a tentativa de estabelecer uma ligação com a massa, mas agir como se pertencesse a ela e fosse figura presente em seu cotidiano.

Nesta semana, circularam na internet imagens do ex-governador Marconi Perillo, do PSDB, em uma situação semelhante à “degustação do pastel de feira”. Ele aparece curtindo a noite de Goiânia na Rua 8, ao lado da vereadora e colega de partido Aava Santiago. O evento em questão seria uma comemoração do aniversário da parlamentar e parece ter animado o ex-governador.

Foi visto um Perillo descontraído, conversando, rindo e até ensaiando uma batucada na mesa de plástico. Mas a presença do tucano ali não passou despercebida aos olhos – e às críticas – dos mais atentos.

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Enquanto Aava tem um histórico de “bater ponto” em qualquer roda de samba ou de conversa pelos bares da capital (a vereadora é figura tão conhecida do Bar da Glória que há quem aposte, rindo, que ela é “sócia” do lugar), tendo sido, inclusive, a responsável pelo fechamento da Rua do Lazer para carros aos fins de semana, seu correligionário Marconi Perillo é exatamente o oposto. E isso, destaca-se, não é uma crítica nem um elogio, mas o apontamento de uma característica.

Conhecido de longa data dos goianos, Marconi Perillo foi governador do estado por impressionantes quatro mandatos. Carregava a fama de não perder eleições. Mas, claro, nada dura para sempre. O desgaste de seu partido, as acusações de envolvimento em esquemas de corrupção e os desentendimentos com aliados fizeram ruir seu status incólume.

Após sofrer derrotas acachapantes nas últimas duas eleições para o Senado em Goiás – em uma delas, chegou a ser preso pela Polícia Federal dias depois de perder o pleito, no âmbito da operação Cash Delivery, o tucano ampliou ainda mais seu distanciamento da população goiana ao adotar São Paulo como sua nova casa e priorizar os assuntos pertinentes àquele estado. Aliás, perguntar não ofende: por que um pré-candidato ao governo de Goiás ainda figura como conselheiro do Jockey Club paulista?

A questão é que, após anos de isolamento político e distanciamento dos goianos, Marconi agora tenta uma reaproximação da maneira mais atrapalhada possível. Indo de surpresa a eventos “aleatórios” e fora de sua agenda habitual de pré-campanha, como na Marcha para Jesus em Anápolis, e tentando se encaixar em ambientes e eleitorados com os quais nunca teve afinidade alguma, como uma roda de samba na Rua 8.

O nobre eleitor consegue imaginar, em anos passados, que Marconi, com seu terno de caimento perfeito, o cabelo impecavelmente penteado, suas críticas ferrenhas ao PT e à esquerda e seus elogios ocasionais a Bolsonaro (a quem chegou a se comparar como perseguido), seria visto batucando em um reduto progressista do lazer?

A cena mostra que, a bem da verdade, Perillo está desesperado para recuperar o eleitorado perdido, mira em todos eles. O tucano parece desorientado, sem saber que tipo de diálogo adotar e com quem. E aqui vale dizer: não se trata de ser candidato de um eleitor só, mas de ter coerência a ponto de adotar um perfil e ser fiel a ele.

Enquanto isso, o ex-governador continuará a degustar pastéis – e aqui nem estou falando da iguaria que praticamente todo goiano ama.