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A mineira Petra Costa é hoje considerada uma das cineastas mais proeminentes do Brasil. Seu documentário Democracia em Vertigem, que coloca uma lupa sobre a ascensão e queda do PT e mostra como a extrema-direita se beneficiou do desgaste da esquerda, chegou a ser indicado ao Oscar. Neste ano, Petra lançou um novo trabalho, novamente analisando as origens e causas dos fenômenos que fazem com que a política brasileira pareça nunca encontrar estabilidade.

Intitulado Apocalipse nos Trópicos, o filme examina o poder e o impacto da religião, e de seus representantes, sobre a política. Um dos entrevistados é o pastor Silas Malafaia, figura-chave para a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro e um dos seus maiores, senão o maior, cabos eleitorais no meio evangélico.

É justamente Malafaia o mais novo alvo das investigações da Polícia Federal, que a cada passo ganham maior abrangência contra um esquema que teria sido concebido para derrubar o regime democrático brasileiro. Os envolvidos na trama golpista, que só não se concretizou pela resistência de parte das Forças Armadas, foram identificados em praticamente todos os espaços de poder: no Palácio do Planalto, no Congresso, nas Forças Armadas e, agora, possivelmente até dentro das igrejas.

Malafaia foi interpelado por agentes da PF na última quarta-feira, 20, ao desembarcar no Brasil, vindo de Portugal. Ele foi alvo de mandado de busca e apreensão autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e teve o celular apreendido, dentro do inquérito que apura crime de coação no curso do processo sobre a tentativa de golpe. Além disso, ficou proibido de deixar o Brasil e de manter contato com outros investigados.

A operação provocou imediata revolta no meio evangélico bolsonarista. Diversas lideranças religiosas, políticos e influenciadores se manifestaram nas redes sociais acusando o STF, em especial o ministro Alexandre de Moraes, de perseguir a direita e cercear a liberdade de expressão.

O próprio Malafaia reagiu com fúria. Após depor, chamou Moraes de “criminoso” e disse denunciá-lo há quatro anos em dezenas de vídeos. “Ele estabelece o crime de opinião no Estado democrático de direito. Onde é que você é proibido de conversar com alguém? Que país é esse, que democracia é essa?”, questionou.

A indignação dos bolsonaristas tem explicação: a PF não apenas alcançou um dos líderes evangélicos mais conhecidos do Brasil, como também abalou, pela primeira vez, o cerne do palanque que projetou Bolsonaro no meio religioso e que pode ter sido decisivo para elegê-lo presidente sete anos atrás.

No início de 2018, poucos dias antes do primeiro turno, pesquisa Datafolha mostrava que 48% dos evangélicos declaravam voto em Bolsonaro, contra apenas 29% em Fernando Haddad. Ao vencer a corrida presidencial, o então candidato abriu seu discurso repleto de referências bíblicas e expressões pentecostais.

O trabalho de lideranças religiosas alinhadas ao bolsonarismo, tendo em Malafaia o “profeta da direita evangélica”, foi constante e incansável. Muitas igrejas ecoaram o lema “Deus, pátria e família”, transformando Bolsonaro em representante do evangelho na política, ainda que seu comportamento e discursos frequentemente contrariassem a essência da mensagem cristã.

Sem entrar no mérito de quem pode ou não ser considerado cristão, o fato é que, sem Malafaia e sua influência, Bolsonaro dificilmente teria chegado ao Planalto. Agora, o mesmo altar que o projetou começa a ruir diante de uma investigação que atinge todos os envolvidos na trama golpista.

Com Malafaia investigado, a Justiça brasileira sinaliza que não haverá “santuário” ou subterfúgio para suspeitos de crime. Arrastado para o olho do furacão, as preces de Silas Malafaia devem ser para que nada se comprove contra ele. Caso contrário, o apocalipse será antecipado.