O “Posto Ipiranga” fez carreira na iniciativa privada e era um dos super-homens de Jair Bolsonaro para seu governo. Na administração pública, virou um fiasco

Meme sobre Paulo Guedes usa capa-ícone de disco da banda Nirvana para fazer alusão ao valor atual do dólar em reais | Foto: Reprodução

Na década de 80, Carlos Henrique Kaiser desfilou seu talento pelos gramados do Brasil e do exterior. Teve passagens por Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo e também times do futebol francês, mexicano e de outros países. Foi elevado a craque da bola por jornais nacionais e internacionais e colegas famosos de profissão.

O detalhe: Kaiser nunca jogou uma partida oficial. Inventou todas as desculpas possíveis para não jogar, desde lesões não detectadas pela tecnologia da época até atestados médicos – falsos, claro – com confirmação de “foco dentário”, conseguidos junto a um dentista amigo. Foi companhia de clube e de noitada (não necessariamente para ambos os casos) de nomes como Renato Gaúcho, Romário, Edmundo, Ricardo Rocha e até o “Capita” Carlos Alberto Torres. E todos são unânimes em afirmar: apesar de gente boa, Carlos Kaiser foi o maior malandro do futebol e passou a perna em todos os clubes que o contrataram.

O relato talvez seja curiosidade interessante, embora inútil, para muitos, mas o que isso está fazendo em uma coluna de política? É que o Brasil de Bolsonaro tem produzido alguns nomes com essa mesma capacidade de se mostrarem com uma grande propaganda sem não apresentarem nunca nada de útil para o que foram chamados a fazer.

Nesse sentido, não tem nome mais evidente do que o de Paulo Guedes. É bom lembrar em que circunstância ganhou a alcunha de “Posto Ipiranga”, por parte do próprio Jair Bolsonaro (sem partido, ainda) durante a campanha eleitoral de 2018. Para recordar: o candidato a presidente da República confessava não saber nada de economia – mais do que isso, às vezes, até mostrava não se interessar pelo tema. Ao receber o apoio de Paulo Guedes, esse problema foi solucionado: qualquer coisa mais complicada sobre economia na visão do presidente era “eu não sei, mas quem de entender de economia é o ministro, então pergunta isso para o Posto Ipiranga”.

O problema é que Paulo “Ipiranga” Guedes sabia muito de banco, de investimentos privados, mas, de administração pública, se mostrou tão competente quanto deve ser como frentista. Desde que assumiu a pasta da Economia, vem contando com a grande paciência, hoje quase esgotada, do Mercado, esse ser amorfo mas condutor de destinos, que paira sua sombra sobre o Brasil a partir dos investidores da Faria Lima.

Pois o Mercado não anda satisfeito com a dificuldade quase amadora em conduzir a pauta das reformas e privatizações, motivo pelo qual os liberais toleram (e tolerarão, se forem atendidos) os arroubos antidemocráticos e desumanos de Bolsonaro. De fato, pode-se dizer que os objetivos atingidos – poucos, diga-se a realidade – nessa seara desde o início do atual governo foram obtidos muito mais por conta da pauta da Casa ao lado na Praça dos Três Poderes. Um exemplo? A reforma da Previdência, na verdade já bastante encaminhada durante a gestão de Michel Temer, só saiu do papel e foi aprovada por iniciativa do então presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ).

Claro que é importante destacar o que pensa de Paulo Guedes o monstro Mercado, que influi nos rumos do País e concentra o PIB nacional. Mas tudo isso seria tolerável do ponto de vista político se o eleitorado estivesse satisfeito com os rumos da economia nacional. E, nisso, não ajuda o fato de um jornal popular e de grande circulação dar, em sua capa, a foto de pessoas catando ossos em um cubículo para levar um pouco de proteína para casa. O flagrante do carioca “Extra” chocou, mas não surpreendeu: sob a batuta do ministro liberal, o Brasil chegou recentemente à maior inflação do milênio; o dólar se apegou aos píncaros das cotações; os combustíveis dispararam, estando a Petrobrás olhando muito mais para seus acionistas do que para seu papel institucional; o gás de cozinha praticamente dobrou de preço em três anos; e, como sequela dessa política, muitas famílias passaram a ter de escolher o que levar para casa dos itens da cesta básica – quando dá para levar.

Desumanidade liberal
O “dar de ombros” para a alta do dólar, no ano passado, quando a moeda se aproximada de 5 reais, mostra o nível baixo de preocupação social. Na mesma fala, seu menosprezo a quem, segundo suas próprias palavras, chegou até a viajar para a Disney quando o País estava com a economia no auge, mostra um indigesto recorde de classes para uma figura republicana. O regozijo dele na reunião ministerial de triste memória, em abril de 2020, quando disse que já tinha conseguido colocar “a granada na mão do inimigo”, sendo esse alvo o servidor público, escancara seu descompromisso com o setor público, movido por trabalhadores de carreira.

Tudo isso só piora ao saber de sua resistência a um maior e mais duradouro auxílio emergencial era uma opinião levada em consideração tanto quanto sua parceria com o gabinete paralelo que queria adotar o kit Covid como tratamento precoce. Conforme foi relatado na CPI pela advogada Bruna Morato, havia um “pacto” da empresa Prevent Senior com o grupo do gabinete paralelo para tocar um “plano para que as pessoas saíssem às ruas sem medo”. Tudo com a anuência, segundo ela, do Ministério da Economia. Afinal, o País “parado” para cuidar da saúde de sua população era algo que interessava menos a Guedes do que os gráficos do PIB, de superávit da balança, de crescimento da receita.

No início do governo, boa parte da mídia, lavajatista e anti-PT, minimizou a incapacidade de Bolsonaro por ele ter em sua equipe dois superministros: Sérgio Moro, na Justiça, e Paulo Guedes, na Economia. Ambos foram minados pelo “incapaz” e se mostraram, eles sim, inaptos para lidar com a máquina pública. Moro foi-se do jeito que foi e Paulo Guedes, de estrela blasé que ameaçava largar tudo e ir embora, virou um engolidor de sapos escravo da mosca azul, para se manter no cargo.

E a gente chega ao fim do artigo sem ter falado da offshore de Paulo Guedes. Aquela empresa nas Ilhas Virgens Britânicas na qual ele, ainda não como ministro, e sua família depositaram US$ 9,5 milhões para fugir dos impostos nacionais. Até aí, tudo bem, porque não é crime ter dinheiro em paraíso fiscal se a Receita Federal for avisada: mas, ao assumir o posto de ministro, tudo ficou errado, por ética e por lei. Enquanto seu povo passa fome e sofre com a carestia pelo trinômio desemprego-inflação-câmbio, Guedes teve ganho de R$ 14 milhões com seu investimento offshore.

Na década de 60, disse um brasileiro – o embaixador Carlos Alves de Souza Filho, então na França – que o Brasil não era um país sério. E de fato continuou, em muitos aspectos, não sendo. Tudo piorou na era Bolsonaro. O Brasil não só não é sério como se tornou vexame mundial. Se fosse, Paulo Guedes estaria agora demitido, fosse qualquer governo. Mas o que esperar, quando o apelido do chefe de Estado é “Bozo”?