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Após 12 anos integrando o corpo de magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso decidiu pendurar as chuteiras. O ministro, que passou a presidência do STF para Edson Fachin no fim de setembro, deixou oficialmente a toga neste sábado, 18 de outubro, três dias após a publicação, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), do decreto presidencial que concedeu sua aposentadoria.

Indicado à Corte em 2013, Barroso participou de votações históricas e protagonizou momentos marcantes ao longo de sua trajetória no mais alto tribunal do país. Quem não se lembra de seu embate com o ministro Gilmar Mendes e da frase que viralizou nas redes, inspirando até memes? Me deixe de fora desse seu mau sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia.” Daria até uma ótima marchinha de carnaval, diga-se de passagem.

Agora, com a “sede vacante”, uma disputa feroz se desenrola nos bastidores do poder pela cadeira deixada por Barroso, e expõe uma realidade que há muito não se via com tanta intensidade: hoje, mais do que nunca, o Poder Executivo tornou-se refém do Legislativo.

Assim como sua aliada e atual presidente do Banco do Brics, Dilma Rousseff, indicou Barroso ao STF em 2013, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve agora cumprir sua prerrogativa constitucional de escolher o substituto do ministro aposentado. No entanto, embora a Constituição Federal estabeleça, em seu artigo 84, que “compete privativamente ao presidente da República” nomear os ministros do Supremo Tribunal Federal, na prática, a realidade é bem diferente.

A escolha de um ministro do Supremo funciona como uma verdadeira “prova de fogo” para qualquer presidente. Além da obrigação de indicar um nome com “reputação ilibada e notável saber jurídico”, cabe ao chefe do Executivo articular politicamente para garantir a aprovação de seu indicado na sabatina do Senado Federal – etapa essencial, já que é a Casa quem dá o aval definitivo à nomeação.

O favorito de Lula, no momento, é o atual ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias. Aliado histórico do presidente, Messias ficou amplamente conhecido como o “Bessias”, citado em uma conversa entre Lula e Dilma Rousseff grampeada no contexto da Operação Lava Jato e vazada (ilegalmente) pelo então juiz Sérgio Moro, hoje senador.

O chefe da AGU é visto como o nome mais provável para o Supremo, contando com o apoio de petistas e até de parte da ala evangélica do governo. No entanto, sua candidatura pode “nadar e morrer na praia”. Isso porque o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, já teria sinalizado a Lula que, caso Messias seja o escolhido, os senadores podem – pela primeira vez desde a redemocratização – rejeitar a indicação presidencial (algo que só aconteceu no ano de 1894).

Como já noticiado pelo Jornal Opção, tanto Alcolumbre quanto boa parte do Senado manifestaram apoio ao nome de Rodrigo Pacheco, ex-presidente da Casa, para a vaga no STF. Jurista de formação, Pacheco é cotado há tempos para o posto, mas perdeu espaço à medida que Messias ganhou favoritismo.

Disputas internas e quedas de braço entre os Poderes pela nomeação de ministros do Supremo não são novidade. Desta vez, porém, o Legislativo parece ter colocado a “faca no pescoço” de Lula, ameaçando impor um desgaste inédito caso o presidente não ceda à sua vontade.

E essa não é a primeira vez que situação semelhante se repete neste terceiro mandato de Lula. Enfrentando uma das piores composições do Congresso Nacional em décadas, o governo lida com um Legislativo que tem recorrido a chantagens explícitas e à paralisia deliberada de suas funções em nome de interesses fisiológicos – algo que, no fim das contas, recai sobre o povo brasileiro.

Um exemplo é o projeto de isenção do Imposto de Renda. Pauta de interesse nacional, sobretudo para o trabalhador, a proposta enviada pelo Palácio do Planalto, que isenta do IR quem ganha até R$ 5 mil, acabou travada no Congresso. Grupos oposicionistas boicotaram a votação, exigindo que fosse pautado o projeto de anistia aos condenados do 8 de janeiro – rejeitado por 64% dos brasileiros, segundo pesquisa PoderData.

A postura chantagista só arrefeceu após manifestações em todo o país contra outra proposta polêmica: a PEC que blindava parlamentares da Lei e previa votação prévia para autorizar investigações contra eles.

No caso da indicação ao STF, Lula se vê novamente entre a cruz e a espada: ou mantém sua prerrogativa constitucional e escolhe, de forma autônoma, seu favorito, correndo o risco de vê-lo massacrado e rejeitado no Senado, ou cede à pressão parlamentar, indicando Pacheco e pacificando o grande centrão, ainda que isso reforce sua condição de refém do Legislativo. Seja qual for a decisão, o ônus será grande.

E lembre-se: o petista ainda tem mais de um ano de mandato. Até lá, o preço do “resgate” a ser pago pelo Executivo ao Legislativo tende apenas a aumentar.