Nove anos de minha formação, da 3ª série do então 1º grau (hoje a 4ª série do ensino fundamental) ao 3º ano do 2º grau (hoje ensino médio), foram nas salas de aula do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Goiás (UFG) – hoje Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae). Escola pública, “gratuita” e de qualidade. “Gratuita” entre aspas, por significar “sem mensalidade, embora paga por meio do uso dos impostos de todos”.

Quando ingressei, por sorteio universal, era muito criança para entender o privilégio de que desfrutava; quando saí, ainda imaturo para perceber como aquilo que eu havia recebido durante meus anos de estudos era um tesouro que impactaria minha vida para sempre.

Assim como há muitas pedagogias respeitadas, ainda que de várias referências e vieses, há também muitos professores de estilos diferentes com quem nos deparamos durante a trajetória acadêmica e que nos constroem como seres humanos e cidadãos. Esta é uma grande riqueza de uma instituição pública e laica como a que frequentei: havia professores de todos os credos, inclusive nenhum; liberais e conservadores, tradicionais e progressistas, se complementando; novos e veteranos, uns começando sua trajetória e repassando toda sua energia, outros com décadas de magistério brindando aqueles garotos com seu conhecimento e experiência acumulados.

Toda pessoa que está lendo este texto já foi estudante um dia. Sabe que há, entre os mestres e mestras, os mais brilhantes, os mais dedicados, os mais inspiradores, os mais bravos. Mas também os mais limitados, de alguma forma. Assim é na educação de todo mundo.

Entretanto, havia algo muito importante, uma palavra que era a “chave de ouro” no Aplicação daqueles anos 80: investimento. A formação de excelência era uma prioridade tanto em termos de ensinar como de aplicar ao alunado teorias, métodos e pesquisas inovadoras – daí o porquê do nome do colégio.

Investimento significa, ao mesmo tempo, a) quantidade necessária de recursos financeiros e materiais dispendidos; e b) esforço de seus recursos humanos para elaborar uma grade curricular de ponta e desenvolvê-la da melhor forma possível.

Ou seja: não adianta ter profissionais da educação qualificadíssimos se não há estrutura para que seu desempenho se dê na totalidade; e não basta ter dinheiro se não há comprometimento dos quadros docente, discente e administrativo da unidade de ensino.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu acabar com o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), algo que foi o melhor que seu antecessor na Presidência, Jair Bolsonaro (PL), achou que poderia fazer pela educação. Para variar, uma ideia simplista e que foi mistificada por conta dos tempos político-ideológicos que vivemos.

Sem entrar em polêmicas – por enquanto –, é preciso dizer que o fim do projeto federal, não causa impacto nos colégios administrados pela Polícia Militar. Em Goiás, pelo contrário, o governador Ronaldo Caiado (UB) reafirmou que tudo continua como está até para as sete escolas cívico-militares do Estado, que desde janeiro estão no processo de transição para colégios dirigidos por PMs. De qualquer forma, no País, o total de mais de 200 unidades de ensino que aderiram por meio do Ministério da Educação (MEC) terá adequações para uma “transição cuidadosa das atividades que não comprometa o cotidiano das escolas e as conquistas de organização que foram mobilizadas pelo Programa”, conforme a própria pasta reforçou.

Mas é bom – ou ruim – que se acabe com tais escolas e colégios para o ensino fundamental e médio? Na verdade, é preciso antes diferenciá-las das unidades de educação militar desde o nível básico, os quais já existem há muito tempo – mais exatamente desde maio de 1889, ou seja, antes da Proclamação da República. Compondo o Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), hoje há 15 colégios militares, que oferecem o ensino fundamental a partir do 6º ano e ensino médio completo. Estão distribuídos em 13 Estados – nenhum em Goiás – e atendem a aproximadamente 15 mil alunos, com autonomia para montar estrutura pedagógica e currículos próprios, podendo contar com militares no quadro de professores. A maior parte dos estudantes são filhos de militares. São escolas buscam uma formação para a vida militar e civis interessados em ingressar nelas são submetidos a uma prova, que seleciona os de notas mais altas. A verba para eles vem do Ministério da Defesa, não do MEC.

Já as demais instituições foram criadas a partir dos anos 90. Cada qual tem seu contexto e sua justificativa, mas grande parte se deve a demandas políticas: prefeitos e governadores que, para se cacifar eleitoralmente, transformaram escolas comuns em um ambiente militarizado, principalmente por conta da falta de segurança que acometia estudantes, suas famílias e a população em geral. Em Goiás, as unidades pioneiras foram na capital, os colégios estaduais Hugo de Carvalho Ramos e Vasco dos Reis. Hoje são mais de 70 unidades em todo o Estado.

Lula, que tanto priorizou o ensino superior em seus mandatos anteriores, precisa usar o atual para sanar o crônico déficit de desempenho escolar

Cada Estado sabe de sua realidade, cada governador conhece suas necessidades, inclusive políticas. Por isso, praticamente todos vão manter, de alguma forma, as escolas cívico-militares de que o governo federal está abrindo mão. Porque realmente elas são bem aceitas pela população que as alcança.

De sua parte, o MEC está correto na decisão de descontinuar o programa. Não faz sentido, em um governo não militar, que militares sejam bancados pela União para monitorarem escolas de ensino fundamental e médio. A não ser que em seus currículos, além da patente, haja também um curso de pedagogia.

O ideal que o governo federal, seja pelo presidente, pelo MEC, pelo Ministério da Defesa, pela Casa Civil ou qualquer outra pasta deve buscar é investir maciçamente em educação. Mas investimento não apenas de quantidade monetária, mas também – e talvez principalmente – em qualidade profissional. No velho e laico Colégio de Aplicação era assim: uma ótima estrutura, com biblioteca própria e vasta, laboratórios, merenda à vontade, carteiras em ótimo estado, equipamentos audiovisuais e atividades extra. Para tomar conta disso, professores que davam o melhor de si no exercício da vocação.

Lula, que tanto priorizou o ensino superior em seus mandatos anteriores, precisa usar o atual para sanar o crônico déficit de desempenho escolar. Uma boa medida, para começo de conversa, sempre será aumentar o piso salarial e assim começar a atrair, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cada vez melhores candidatos para os cursos de licenciatura. Com professores bem providos financeiramente, seu rendimento melhora. Se isso melhora, avança também a performance de cada turma. Cada turma que se forma, melhor, é o aumento da chama que acende e alimenta também a ciência e a tecnologia.

Chamam isso de círculo virtuoso. Mas podem dar o nome de investimento, apenas.

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