A tentativa frustrada de fuga de Silvinei Vasques, diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na gestão Bolsonaro, não é um episódio isolado, nem um acidente de percurso: é um sintoma. Sintoma esse de um grupo político que trata o Estado democrático de Direito como um detalhe incômodo, algo a ser respeitado apenas enquanto lhe é conveniente. Quando a conta chega, a reação não é assumir responsabilidades, mas correr.

O ex-diretor da PRF, condenado a mais de 24 anos de prisão por crimes contra a democracia, e preso na madrugada desta sexta-feira, no Paraguai, não tentou apenas deixar o país. Rompeu tornozeleira eletrônica, cruzou fronteiras por via terrestre e ainda apresentou documento falso. Trata-se de uma sequência de atos que desmonta qualquer discurso de inocência, perseguição política ou exagero judicial. Quem foge dessa forma não age como vítima, mas como culpado em pânico.

O constrangimento institucional é claro como a luz do dia. Um homem que comandou uma das principais e mais respeitadas forças policiais do país age como um criminoso comum, improvisando uma rota de fuga internacional. A imagem é desastrosa não apenas para sua defesa pessoal, mas para a narrativa política que tenta vender esses condenados como mártires de uma suposta ditadura de toga.

O mais grave é que Silvinei não criou esse comportamento. Ele apenas se soma a uma lista crescente de bolsonaristas condenados ou investigados que escolheram o “exílio” improvisado como estratégia jurídica. Alexandre Ramagem, Carla Zambelli, Allan dos Santos são alguns outros. Os nomes se acumulam e revelam um padrão pertencente a uns que desacreditam decisões judiciais, se colocam acima da lei we fogem quando o discurso não é mais suficiente.

A reação do Supremo Tribunal Federal, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, vai no sentido oposto da leniência que muitos desses réus parecem esperar. A avaliação de medidas cautelares mais duras, inclusive prisão domiciliar para condenados que ainda aguardam recursos em liberdade, é uma resposta direta a essa escalada de fugas. O Judiciário parece ter percebido que a boa-fé simplesmente não existe nesse grupo.

É claro, há quem critique essas medidas como excessivas, e isso é compreensível. O argumento, no entanto, se dissolve, desaparece diante dos fatos. Quando indivíduos condenados rompem tornozeleiras, abandonam domicílio conhecido e atravessam fronteiras clandestinamente, o risco de fuga deixa de ser abstrato e se materializa. A Justiça, destaque-se, não pode agir como se estivesse diante de réus colaborativos quando a realidade prova o contrário.

O caso Silvinei também expõe outra questão um tanto quanto incômoda. Durante as eleições de 2022, então diretor da PRF, ele usou a máquina pública para interferir no direito ao voto, especialmente em regiões eleitorais onde o voto no adversário de Bolsonaro – Lula da Silva – se destacava. Agora, tenta usar brechas, fronteiras e documentos falsos para escapar da responsabilização.

O discurso de perseguição política, repetido à exaustão por esses indivíduos, não fica de pé ante uma análise minimamente honesta. Não há perseguição quando há condenações baseadas em provas, votos colegiados e amplo direito de defesa. O que existe, isso sim, é frustração de um projeto autoritário que fracassou e agora se recusa a aceitar suas consequências legais. Cada nova tentativa de fuga fortalece o argumento de que o Estado brasileiro demorou, mas aprendeu.

Silvinei Vasques não protagoniza só mais um vexame individual. Não: ele simboliza o colapso moral de uma elite política que se acostumou a flertar com o autoritarismo e agora descobre que fronteiras não são refúgio contra a lei. Quando a democracia decide se defender, não há passaporte falso que baste.