Bolsonaro entendeu mesmo o personagem Johnny Bravo?

11 agosto 2019 às 00h00

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Ao reforçar que se identifica com protagonista de desenho que durou 71 episódios entre 1997 e 2004, presidente se coloca em situação tão caricata quanto inacreditável

“Vamos parar com essa história, essa bobeira. A campanha acabou para a imprensa. Eu ganhei. A imprensa tem que entender que eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, porra. Ganhou, porra! Vamos entender isso. Vamos trabalhar juntos pelo Brasil. O trabalho de vocês é excelente. Desde que seja bem feito. É muito importante para o futuro do Brasil. Posso ir embora?” Quem se comparou ao protagonista de um desenho animado do final dos anos 1990 ao participar da inauguração da primeira etapa da Usina Solar Flutuante em Sobradinho, na Bahia, na segunda-feira, 5, foi o presidente da República.
A dúvida que fica é se ele compreendeu o que disse ou só declarou por falar, sem questionar o que disparava. Mas aí, na sexta-feira, 9, Bolsonaro dá a seguinte dica para ajudar a proteger a natureza: “É só você deixar de comer menos um pouquinho. Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também. Agora, o mundo, quando eu falei que cresce mais de 70 milhões por ano, precisa de uma política de planejamento familiar. Não é controle não, você vai botar na capa da Folha amanhã que eu tô dizendo que tem que ter controle de natalidade”.
Aqui o presidente deixa claro que a definição de que Bolsonaro é o Johnny Bravo se encaixa perfeitamente nas declarações que dá. Vale lembrar ao chefe do Executivo que segurar a vontade de defecar pode causar problemas de saúde. O que entra uma hora tem de sair, excelentíssimo senhor presidente da República. O método um tanto quanto questionável de salvar o meio ambiente da poluição das fezes pode gerar constipação intestinal, distensão do cólon, incontinência fecal, diverticulite e problemas de evacuação.
Ser o Johnny Bravo, para começo de conversa, é se sentir o maioral. E talvez ter sido eleito presidente da República tenha colocado Bolsonaro em um pedestal alto demais no ego do chefe do Executivo. Cada vez mais o homem do Palácio do Planalto escancara seu entendimento de que o nepotismo e a familiocracia não afontal moralmente ou legalmente a coisa pública. Ser um gestor eleito pelo voto da população é saber lidar com as obrigações e limites impostos pela legislação.
Outra característica que o protagonista do desenho demonstra com frequência é sua capacidade criar sua própria realidade. Bolsonaro também usa do mesmo artifício quando despeja conceitos fabricados no conspiracionismo como “ameaça comunista”, o excesso do apelo ao suposto risco que o Foro de São Paulo representaria para o País, a bandeira que jamais será vermelha ou a tentativa da construção do nós somos melhores do que eles, os vermelhos do PT. Se alguém se aproxima mais do que aos poucos aconteceu com a Venezuela em seus atos, esse alguém chama-se Jair Messias Bolsonaro, o Johnny Bravo.
Bolsonaro minimiza os indícios graves de corrupção que levantam suspeitas contra integrantes do primeiro escalão do seu governo. Para citar apenas dois casos e não entrar no repasse de salários dos servidores do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) ainda na Assembleia do Rio, fico aqui com a investigação de compra de candidatura femininas no PSL de Minas Gerais durante a gestão estadual do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e as confissões de caixa dois feitas por Onyx Lorenzoni, titular-chefe da Casa Civil.
Viva o idiota
No episódio “Viva o Idiota” (Hail to the Chump), da segunda temporada, o prefeito é acometido por uma infecção alimentar ao comer atum e desmaia. A legislação prevê que o substituto deve ser a pessoa mais burra da cidade caso todo o governo fique doente com atum. Ninguém tinha dúvida de que o mais idiota do município era Johnny Bravo. Ao assumir o cargo, o novo chefe do Executivo municipal trata como normal a institucionalização da cobrança de propina, manda destruir uma biblioteca recém-construída porque odeia livros e manda construir no lugar uma esfinge de Johnny Bravo feita com ouro na qual ele aparece como um faraó egípcio.
“No fundo sempre soube que era perfeito”, declara Johnny Bravo ao saber que se tornaria prefeito. E é corrigido por quem lhe dá a notícia de que ele não era perfeito: “Não. É prefeito”. Ao dizer que sua administração poderia ser resumida em duas palavras, “biquínis obrigatórios”, o personagem dá um exemplo que se assemelha muito à sugestão de Bolsonaro para que as pessoas passem a “fazer cocô dia sim, dia não”. Qualquer falta de lógica com uma realidade racional e aceitável não é mera semelhança ou coincidência. Trata-se de uma constatação.
E para Johnny Bravo, os idiotas são os outros, que ele manda para a prisão por força de uma lei assinada por ele assim que se torna prefeito. Bolsonaro fez isso com frequência no primeiro semestre ao publicar decretos e medidas provisórias, parte delas sem qualquer relevância, sintonia com a vontade da maioria da população ou respeito à legislação federal em vigor.
Outra medida adotada por Johnny Bravo prefeito foi nomear um conselho municipal unicamente para atender suas vontades: “gatas divinas”. Como o único interesse de Johnny Bravo em todos os episódios era se mostrar belo, maravilhoso, imbatível e conquistador, o protagonista aparece em diversas cenas em cantadas exageradas e abusivas contra mulheres. Já no caso de Bolsonaro, o presidente da República tentou, de maneira inconstitucional, extinguir vários conselhos consultivos do governo federal.
Como foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que agiu corretamente na defesa da garantia legal, Bolsonaro tem mudado a composição dos conselhos ligados a diferentes órgãos, agências e empresas estatais. Se não pode fazer as próprias vontades na marra, arruma-se outra forma de se atingir o objetivo, por mais que parece algo perceptível.
E o gestor egocêntrico prefere dar ouvidos apenas aos que o bajulam cegamente. Johnny Bravo, assim como Bolsonaro, não aceita críticas como algo natural de um ocupante de cargo público eletivo. O mesmo contribuinte que reclamava do aumento do preço do suborno na gestão de Johnny Bravo faz a seguinte pergunta ao novo prefeito: “Johnny, está me dizendo que substituiu todo o conselho municipal por gatas divinas?”. Depois de ouvir um “é” como resposta, o dono do restaurante que causou a infecção alimentar com atum no antigo prefeito se manifesta favoravelmente ao ato questionável de Bravo: “Fez muito bem, meu filho”.
Diferença
Talvez os dois se distanciem no momento seguinte do episódio do desenho. No momento em que vem à tona a mudança de todos os membros do conselho municipal por “gatas divinas” por Johnny Bravo, a população invade o gabinete do prefeito e o destitui do cargo com pouco tempo de mandato. Bolsonaro tem visto seu apoio cair desde os primeiros dias de governo. Desde então, intensificou a agressividade e o direcionamento do discurso para causas que renderam apoio durante a eleição e se aproximou de seu eleitorado mais fiel.
E assim, com declarações absurdas, muitas delas inaceitáveis – e que não podem ser naturalizadas com o discurso de que Bolsonaro é assim mesmo e fala besteiras -, o presidente mantém uma base que varia entre 25% e 30% de eleitores que não aceitam críticas a nada que o chefe do Executivo fale ou decida. O que ainda não se sabe é como estará essa base de defesa incondicional até o final de seu mandato. É claro que o rumo da economia influenciará na avaliação de sua gestão, mas Bolsonaro se difere de Johnny Bravo justamente no prestígio que ainda consegue manter com uma parcela considerável dos brasileiros, mas que já não são mais a maioria.
Para quem pensa quem as falas de Bolsonaro seguem qualquer outra lógica além da filosofia Johnny Bravo de vida, vale encerrar o texto com a continuação das declarações que aparecem no segundo parágrafo para verificar como a argumentação do presidente é falha e só compromete a uma pessoa: ele mesmo e sua capacidade de ser algo além de um Johnny Bravo. “Não é controle não, você vai botar na capa da Folha amanhã que eu tô dizendo que tem que ter controle de natalidade. Planejamento familiar. Você olha que as pessoas que têm mais cultura têm menos filhos.”
Vale lembrar que Bolsonaro tem cinco filhos. Logo, pela lógica do próprio autor da fala reproduzida acima, o presidente não faz parte do grupo de pessoas “que têm mais cultura”, já que o chefe do Executivo nacional é pai várias vezes. Ele até tenta corrigir, mas não deu muito certo. “Eu sou uma exceção à regra, tenho cinco, tá certo? Mas como regra é isso.” Como Bolsonaro mesmo diz: “A imprensa tem que entender que eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, porra. Ganhou, porra! Vamos entender isso”.