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Faltando seis meses para as eleições, as pesquisas indicam que o quadro pouco mudará – se não aparecer nada extraordinário

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Lula e Bolsonaro polarizam a eleição, o que impede qualquer viabilidade de um terceiro protagonista | Foto: Reprodução

“Volumes iguais, de gases diferentes, quando medidos à mesma temperatura e pressão, possuem o mesmo número de moléculas.”

O conceito do italiano Amedeo Avogadro revolucionou a química em 1811, estabelecendo o princípio das condições normais de temperatura e pressão (CNTP), em que, se a pressão é igual a 1 atm (atmosfera) e a temperatura é de 273 K (graus Kelvin, ou zero grau na escala Celsius), o volume ocupado por 1 mol de qualquer gás sempre será de 22,4 litros. Esse valor corresponde ao volume molar dos gases.

Isso serve de gatilho para qualquer um recordar os tempos de cursinho, mas o que faria tal introdução numa coluna de política?

É que, ao longo do tempo, a expressão “CNTP” passou a ser também uma espécie de metáfora, usada para casos em que, se tudo correr normalmente, sem nenhum atropelo, não haverá outra consequência que não o resultado já esperado de antemão.

Isso vale para qualquer área e a política não é exceção. Nas duas últimas eleições presidenciais, entretanto, não houve CNTP. Foram pleitos totalmente atípicos. Em 2014, a queda do avião de Eduardo Campos (PSB) matou um político promissor e tirou do cenário uma candidatura com bom potencial de crescimento como um caminho alternativo a PT e PSDB. Ao mesmo tempo, a comoção alavancou sua substituta, Marina Silva, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja ascensão meteórica nas pesquisas foi abatida em voo por estratégias de marketing negativo dos petistas que até hoje são difíceis de serem perdoadas.

Dilma Rousseff acabou reeleita em segundo turno numa disputa apertada, beirando à carnificina verbal, com Aécio Neves (PSDB), que nunca aceitou o resultado das urnas e cindiu de vez o país em dois blocos ideológicos. Como se veria nos anos seguintes, havia sido uma vitória de Pirro para o PT e, para o tucano, apenas a primeira derrota – viriam outras piores que o transformariam em um nanico moral da política.

Em 2018, as CNTP passaram ainda mais longe do pleito. A começar da prisão do então líder das pesquisas. Lula foi para a cadeia em abril daquele ano, mas mesmo assim liderou as intenções de voto enquanto seu nome esteve nas pesquisas. A última em que constou foi a de 7 de setembro de 2018, divulgada pela XP/Ipespe: o petista tinha 33% e Jair Bolsonaro, 20%.

Mas o fato novo que tornaria aquela eleição ainda mais insólita havia ocorrido na tarde do dia anterior. Durante caminhada em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro era carregado por apoiadores quando foi recebeu um golpe de faca de Adélio Bispo de Oliveira – depois de se recuperar, passaria o restante da campanha longe dos debates, amparado por atestados médicos.

A pesquisa, obviamente, ainda não repercutia as consequências do atentado no humor do eleitor, mas, em matéria do site Rede Brasil Atual daquele dia, o analista da XP investimentos Richard Back dizia que a facada poderia “aumentar a chance de Bolsonaro ir para o segundo turno”. “Ele estava perdendo votos e, de repente, vira vítima quase do tamanho de Lula.” Outro analista, o corretor Pablo Spyer, disse que “o deputado tinha 9 segundos de propaganda na TV” e passou a ter “24 horas em todos os veículos”. Bolsonaro foi eleito e o inusitado que quase virou tragédia teve papel fundamental para seu sucesso.

Chegamos agora a 2022, em pleno quarto ano de um governo atípico, sustentado por um culto personalista nunca visto na redemocratização e que se conduziu desde o primeiro dia a esmo em termos de projetos, buscou inimigos o tempo todo para segurar sua base radical, teve postura negacionista na pandemia, fracassou na tentativa de um autogolpe e se desvencilhou do impeachment aparelhando instituições e jogando o orçamento no colo das lideranças do Centrão. Ainda hoje, Bolsonaro aposta fichas na instabilidade das instituições, questionando as urnas eletrônicas e a isenção dos tribunais superiores.

Enquanto isso, o Brasil voltou a ter medo da inflação, vê a taxa de desemprego se manter acima de 11% e regride em índices internacionais nos quais era referência como os de vacinação de doenças. O crescimento econômico é uma miragem e milhões de brasileiros voltaram a viver em condições miseráveis.

Como há quatro anos, as pesquisas de intenção de voto, de novo, mostram Lula à frente de Bolsonaro. O presidente tem uma rejeição cujo patamar mínimo gira em torno de 50%, chegando a mais de 60% em alguns levantamentos. Ao mesmo tempo, seu piso de eleitores não parece que vá ser menor do que 25%. Ou seja, pelo menos 75% parecem já posicionados em relação a Bolsonaro: metade dos brasileiros não o quer de forma alguma à frente do destino do País por mais quatro anos e um quarto não abre mão de que ele continue a governar por mais um mandato.

Ainda que Lula tenha uma base bastante fiel de eleitores, a de Bolsonaro é proporcionalmente um pouco maior, embora não muito, segundo a pesquisa BTG/Pactual – bastante rica em conteúdo, diga-se – divulgada em março. Nela, no cenário de voto estimulado (com a apresentação da cartela com os nomes dos pré-candidatos), o petista tem 43% e o atual presidente, 29%. Dos eleitores do primeiro, 80% dizem que o voto já está definido e não vai mudar; do outro lado, os bolsonaristas irreversíveis são 83%. Ou seja, cruzando os dados da pesquisa estimulada com os votos “garantidos”, segundo o levantamento Lula não terá menos de 34% dos votos nem Bolsonaro ficará abaixo de 24%.

Voto útil
Mas talvez o dado mais interessante da pesquisa BTG/Pactual está nos próximos parágrafos: é em relação ao voto útil. O levantamento fez a pergunta “e quem é o candidato que você mais gostaria de ver derrotado na eleição de outubro para presidente?”, após a declaração de voto espontânea. Aqui, Bolsonaro ganha de goleada, mas num cenário negativo: 64% dos entrevistados gostariam de vê-lo derrotado, enquanto 24% querem o mesmo para Lula.

Isso se cruza com outra má notícia para Bolsonaro em outra questão, que pode interferir no destino das eleições ainda em primeiro turno. A pergunta formulada, nesse caso, é para quem escolheu diante do cenário estimulado: “você pensa em mudar sua opção de voto caso algum candidato que não seja sua primeira opção tenha mais chances de derrotar Jair Bolsonaro nas eleições de outubro, sim ou não?” (obviamente, a pergunta foi feita apenas a quem não votaria no próprio postulante). O resultado foi que 61%, sim, pensariam em mudar a opção de voto apenas para derrotar o mandatário. A mesma pergunta, excluindo os eleitores lulistas, deu 38% de possibilidade de mudança de voto para derrotar o petista.

Em resumo, três constatações: 1) diante do cenário polarizado, parece estar bem mais fácil os nomes da chamada terceira via perderem do que ganharem eleitores; 2) por mais que Bolsonaro tenha subido alguns pontos nas últimas pesquisas, o desejo da maioria entre os que não são seus eleitores é vê-lo fora do Palácio do Planalto. Esse pessoal poderia eventualmente trocar o voto atual para o nome que pudesse derrotar o atual presidente ainda no primeiro turno (o qual, tudo indica, seria Lula).

E a número 3) é a soma das evidencias dos cenários testados: Lula é o grande favorito e deve ganhar as eleições de outubro, justamente porque Bolsonaro, ao mesmo tempo que tem uma base eleitoral extremamente fidelizada – que impede o crescimento da terceira via –, também tem uma altíssima rejeição consolidada.

Os brasileiros vão votar daqui a seis meses. Não se pode dizer que não vá acontecer nada de extraordinário até o dia das urnas, ainda mais em um país governado por Jair Bolsonaro. Aliás, vindo de quem fez o que fez no último 7 de Setembro, não se pode dizer nada nem do pós-eleições. Mas, se prevalecer o cenário de CNTP, Lula já pode tirar o melhor terno do armário e a velha gravata verde e amarela da gaveta.