Do pouco que se sabe com segurança sobre o que virá, um ponto é que não há ninguém com espaço nem ideias para enfrentar Lula e Bolsonaro

Em 2018, o candidato Jair Bolsonaro – à época no PSL, hoje filiado ao PL – soube catalisar, como ninguém antes na história deste País, o sentimento antipolítica daquele momento estranho da sociedade brasileira. Depois de 13 anos de PT, partido o qual muitos (inclusive de esquerda) julgavam condenado a sumir depois do “trator” Lava Jato, o que se esperava, diante da polarização político-partidária em que o País se encontrava desde 1994, com petistas e tucanos sempre ocupando o poder e disputando o segundo turno das eleições, era que o PSDB fosse a bola da vez.

O fato é que Geraldo Alckmin, o candidato do partido e com a maior estrutura de campanha e tempo de TV e rádio, naufragou. Muito provavelmente, ele foi afetado pelo desserviço de seu antecessor na pretensão: o então correligionário Aécio Neves, líder da oposição desde a derrota dolorosa na eleição em 2014 – quando não reconheceu a vitória de Dilma Rousseff, exigiu recontagem de votos e abriu as portas para as elucubrações conspiracionistas sobre as urnas eletrônicas nos tempos atuais –, foi pego no contrapé com a voz em um áudio, capturado e vazado pelo empresário Joesley Batista, pedindo propina e falando em matar o primo. A proposta sobre propina foi real, a sugestão de homicídio talvez tivesse um quê de brincadeira sem noção, mas o fato é que o maior favorito da centro-direita para as eleições de 2018 causou uma decepção de tamanha monta em seu eleitorado que contaminou e aniquilou todas as possibilidades de uma candidatura tradicional e/ou moderada em seu campo.

Bolsonaro, então, já fazia campanha e tinha virado convidado habituée de programas como CQC e Superpop. Dali para se tornar o “Bolsomito” foi um passo. O que estancava a explosão de popularidade do deputado do baixo clero da Câmara era apenas o fato de Lula estar no páreo, o que foi “resolvido” – para o deputado – quando o nome do ex-presidente foi retirado definitivamente das listas de pesquisas de intenção de voto. Já era setembro e, também, tarde demais para reverter qualquer coisa, ainda mais depois da facada de Adélio Bispo.

Sem que ninguém pudesse imaginar, a terceira via, como solução viável, estava ali morrendo antes de ser proposta, naquele outubro de triunfo bolsonarista. Adepto do estilo “acuse-os do que você faz, chame-os do que você é” – um dito falso atribuído pela extrema-direita a Lênin –, a cada dia atacando para se defender, a ponto de sua gestão ter ganhado dos adversários o slogan “A culpa é sempre dos outros”, o presidente governou pouco e polemizou (para dizer uma palavra amena) o tempo todo.

Se antes de Bolsonaro, o Brasil estava rachado pelo antipetismo, com ele houve nova e mais grave fissura: o antibolsonarismo. Mais grave porque de ação e reação mais agressiva, porque claramente incentivada pelo próprio protagonista. Se antes dele existiam “coxinhas” de direita e “mortadelas” de esquerda, com o novo inquilino do Planalto desiludindo a parte de seu eleitorado menos radical por suas ações golpistas e negacionistas, criou-se uma terceira categoria, os “nem-nem”, que já rejeitavam de todo o coração a esquerda, mas passaram a sentir engulho semelhante em relação ao governo que haviam ajudado a eleger.

Autoritarismo calculado
O fato é que a radicalização em temas caros aos mais “conservadores”, principalmente dentro do território da chamada “guerra cultural”, lhe trouxe um apoio incondicional da outra parte de seus eleitores. Foi para eles, diga-se claramente, que Bolsonaro jogou o tempo todo, como se pôde ver na semana passada, ao enfrentar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar o deputado Daniel Silveira (PL-RJ), concedendo a graça presidencial – uma espécie de indulto individual – no dia seguinte à sessão da Corte.

Fez isso, como tantos outros atos autoritários, pensando na reeleição, mesmo sem ter jamais se comprometido com o ato de governar. Abrindo parênteses: convenhamos, não houve governo, o que houve foi campanha à reeleição durante quatro anos com a burocracia do Executivo, quando não prejudicada pelas escolhas desastradas para as pastas, teimando em seguir seu curso no piloto automático. Fechando parênteses.

A estratégia extremista funcionou, é impossível negar: Bolsonaro entra nos últimos nove meses deste governo em 2º lugar na corrida eleitoral, atrás – como em 2018 – do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas tendo gerado uma fidelização de 20% a 25% do total de votantes.

É bem menos do que o necessário para assegurar que vá ser reeleito, obviamente, mas já é o suficiente para inviabilizar a ascensão de um terceiro nome. Com a garantia do duelo final contra o petista, a aposta bolsonarista é, jogando para o segundo turno, trazer de volta para si aquele pessoal que continua querendo fugir dos “extremos” (como se houvesse dois), mas que, quatro anos atrás, fechou os olhos para a evidente falta de qualificação do capitão da reserva para o cargo. Afinal, contra a esquerda e o PT valia a pena “arriscar”.

A ideia da extrema-direita é contar com os votos dos que se foram, como se eles nunca tivessem, de fato, ido. Um exemplo básico: como ficaria a situação de um general como Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro e hoje é um dos militares mais críticos ao governo? Votaria em Lula? Muito provavelmente, não. Mas chegaria a apoiar a continuidade do que tanto critica como um “mal menor”? Pode ser que também não, mas é pensando que “o não eu já tenho” que o lado governista vai agir.

Ainda não se sabe se o “mito” conseguirá furar seu teto de votação – que, no momento, está bastante achatado pela rejeição de pelo menos um a cada dois brasileiros –, mas é fato que, para a terceira via, virou uma missão praticamente impossível derrubá-lo de seu patamar atual e viabilizar alguém para ocupar a posição. E, por incrível que pareça, esse é só um dos desafios da “turma do meio”.

Como se não bastasse a gigantesca dificuldade de romper a concentração de votos em Bolsonaro e Lula, não parece haver nenhum sentido de coletividade ou altivez no pessoal. Aliás, no PSDB não houve nem respeito ao resultado das prévias, com Eduardo Leite cinicamente querendo se impor, com a ajuda da direção nacional do partido, como o escolhido, que foi, bem ou mal, João Doria. No União Brasil, o ex-juiz Sergio Moro se faz de desentendido à espera de o pré-candidato “se-der-vou-de-vice” Luciano Bivar resolver desistir. E segue ele, fazendo campanha como se já fosse de fato candidato.

No MDB, a senadora Simone Tebet diz que será candidata a presidente ou não será nada. Se for referendada, provavelmente sofrerá o enredo clássico de seu partido com seus postulantes desde 1989, quando o nome era o do lendário Ulysses Guimarães: os emedebistas vão fingir que não têm candidato na sigla e vão traí-la com os líderes nas pesquisas.

Ciro Gomes, agora, fala em conversar com esse pessoal que o escanteou. Na verdade, ele nunca teve cara de terceira via, até porque seu programa, no papel, é muito mais de esquerda do que o do PT. Portanto, se fosse o nome escolhido, seria o pedetista o extremo que combateria os extremos?

Esta não será uma eleição normal, motivo pelo qual não faz muito sentido ficar analisando pleitos anteriores e fazendo comparações a partir disso. Até o momento, o pouco que dá para saber com segurança sobre o que virá é que não há espaço hoje para uma terceira via nem nada que indique que isso vá ocorrer em algum momento nos próximos seis meses, tanto pelo apelo dos líderes como pela falta de rumo e de propostas do bloco “nem-nem”. Aliás, quando há um postulante declaradamente antidemocrático de um lado, atentando contra as instituições a cada semana, o “nem-nem” nem deveria fazer sentido como argumento.