Substâncias produzidas pela bactéria Enterococcus faecium mostraram eficácia contra a Salmonella Heidelberg em frangos de corte. A eliminação do patógeno da salmonelose aviária sem antibióticos promete um manejo mais sustentável, prevenindo a resistência antimicrobiana. A descoberta é resultado de um estudo realizado na Unesp, em parceria com a canadense Universidade de Calgary, e foi publicada na revista Ciência Rural nesta sexta, 20.

Para investigar os efeitos do filtrado de E. faecium — uma mistura rica em compostos bioativos produzidos por essa bactéria — contra a Salmonella Heidelberg (associado a doenças e contaminação de ovos e carne tratado), os pesquisadores dividiram 32 frangos jovens em quatro grupos. Um deles recebeu o filtrado por via oral, uma vez ao dia, durante cinco dias antes do contato com a bactéria, enquanto outro grupo recebeu o mesmo tratamento após a infecção para observar uma possível ação terapêutica. Os demais grupos serviram como controle, permanecendo sem tratamento, para comparação dos resultados.

Entre as aves que receberam o filtrado antes da exposição à Salmonella, 62,5% apresentaram ausência ou baixos níveis da bactéria no intestino aos 21 dias, contra 37,5% das não tratadas. Essa diferença, porém, não foi estatisticamente significativa. No grupo tratado após a infecção, a quantidade da bactéria foi 174 vezes menor que no grupo controle. “Estudos apontam que bactérias ácido-lácticas, como a E. faecium, podem produzir peptídeos autoindutores, que podemos chamar de filtrado ou posbiótico”, explica Fernanda Barthelson, autora do estudo.

“Esse filtrado induz a comunicação bacteriana na microbiota intestinal, modulando-a no controle de patógenos”, acrescenta. Ela ainda ressalta que a E. faecium já está naturalmente presente nas aves, então o uso do filtrado não aumenta o risco de infecções. “Damos apenas um ‘start’ para estimular um processo de modulação, onde elas produzirão outras substâncias sinalizadoras com função específica, como a inibição da Salmonella”, diz.

De acordo com Barthelson, a compreensão de mecanismos como o investigado pelo estudo pode favorecer a produção avícola, contribuir para a saúde de humanos e, até mesmo, permitir a criação de mecanismos preventivos e tratamentos para outras espécies. “O conhecimento desse comportamento dessas bactérias é necessário para o desenvolvimento de produtos que permitam melhor desempenho das aves e reduzam a contaminação de produtos avícolas”, argumenta. “Acreditamos no potencial de inserção do posbiótico em outras áreas, além das cadeias comerciais, inclusive, na manutenção de uma microbiota saudável, por exemplo, em animais de companhia e humanos”, defende.

Os resultados da pesquisa também são importantes na prevenção da resistência antimicrobiana — apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das principais ameaças à saúde pública global. Esse fenômeno ocorre quando bactérias e outros microrganismos desenvolvem mecanismos que os tornam resistentes aos antibióticos e uma das principais estratégias para combatê-lo é a redução do uso desses medicamentos.

 “O controle das salmonelas se tornou mais desafiador devido à restrição do uso de antibióticos na indústria avícola”, explica a pesquisadora. “Nesse cenário, nosso estudo demonstrou os efeitos protetores da microbiota intestinal estimulada pelo filtrado no controle da S. Heidelberg, com potencial como abordagem não antibiótica para o manejo dessa importante doença”, afirma.

A equipe de autores pretende intensificar as investigações sobre a ação do filtrado. Segundo Barthelson e Adriano Okamoto, orientador do trabalho, os próximos passos devem incluir a identificação da molécula específica presente no filtrado que induz a modulação da microbiota e favorece o combate à bactéria. Ainda que os resultados sejam positivos, ela salienta que é necessário aprofundar os conhecimentos sobre o tema antes de utilizar o filtrado em larga escala. “O uso comercial deste filtrado ainda precisa de pesquisas para melhor elucidação e comprovação de sua eficácia no campo”, conclui Barthelson.
Fonte: Agência Bori