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Por: Arthur A. Bispo, Carlene Gomes, Isabella Fagundes Rosa Limão, Letícia Martins, Marcelo Lisita Junqueira, Renato Caparroz & Sayra Alves – Especial para o Jornal Opção

A observação de aves ou aviturismo é uma atividade recreativa que envolve ver, ouvir, identificar, registrar e admirar aves em seus habitats naturais. Esta atividade compõe um segmento do “Turismo de Natureza” voltado especificamente para a contemplação das aves, podendo compor também o “turismo científico” e o “turismo pedagógico”, segmentos educativos e que promovem a busca pelos conhecimentos ambientais e a  sensibilização para a conservação. A observação de aves como atividade tem o potencial para atuar como uma alternativa econômica sustentável capaz de gerar renda e valorizar áreas naturais e beneficiar as comunidades locais. Nos Estados Unidos, país que reconhecidamente se destaca na prática de observação de aves, o aviturismo gerou cerca de US$107,6 bilhões em 2022, envolvendo mais de 1,4 milhão de empregos e US$90,2 bilhões em renda trabalhista. O impacto econômico desta atividade atinge diversos setores envolvidos direta e indiretamente no turismo, como na venda de câmeras, binóculos e guias especializados, contratação de serviços de guiagem, hospedagem, alimentação e transporte. Além disso,  envolve comunidades locais que prestam serviços essenciais ou, ainda, produzem itens rentáveis, como artesanato contextualizado. Todo esse movimento na economia dos Estados Unidos ocorreu mesmo considerando que o país tem apenas 905 espécies de aves, cerca da metade do número de espécies registradas no Brasil.

Com quase 1970 espécies de aves registradas, sendo 293 exclusivas do país, o Brasil oferece um leque único de oportunidades para observadores de aves de diferentes perfis, desde iniciantes até especialistas. Atualmente, muitos destinos para o aviturismo são conhecidos do sul ao norte do nosso país. O Brasil possui cinco biomas principais e cada um deles apresenta uma composição de espécies que se tornam um potencial destino para turistas do mundo todo. Uma das características desse turismo é o entusiasmo do observador em colecionar seus registros das espécies, seja somente observando e/ou fotografando. Nesse ponto, um país tropical como o Brasil é um imenso banco de possibilidades, onde o observador poderá encontrar espécies endêmicas e raras, assim como um número alto de espécies comuns e de fácil visualização. Hoje no país possuímos algumas espécies emblemáticas para essa atividade, por serem raras e que por si só já se destacam como altamente atrativas para o aviturismo. Contudo, é importante destacar que esse turismo tem como característica a sua sustentabilidade, e com isso, uma consciência conservacionista de seus praticantes. Espécies que são raras e presentes em alguma categoria de ameaça de extinção fazem parte muitas vezes de programas de conservação, como a rolinha-do-planalto, da saíra-apunhalada, do soldadinho-do-araripe, e da arara-azul-grande, entre tantas outras. Projetos de conservação protegem essas espécies e com a promoção do aviturismo, a sensibilização das comunidades e o incentivo a produção de renda local podem ainda garantir a existência dessas e de toda a biodiversidade da região.

Nos últimos anos, o aviturismo tem experimentado um crescimento expressivo no Brasil. Impulsionado pelo aumento do interesse por atividades ao ar livre, a prática tem conquistado um público cada vez mais diverso, que vai de cientistas e fotógrafos da vida selvagem a turistas e famílias em busca de lazer na natureza. Alguns avanços têm sido fundamentais para a consolidação dessa prática, como equipamentos mais acessíveis, maior divulgação sobre a biodiversidade em redes sociais, e a criação de aplicativos para popularização da ciência e uso em ciência cidadã, como “Inaturalist”, “Merlin” e “Ebird”. Esse crescimento pode ser claramente relatado quando analisamos o número de observadores cadastrados na maior plataforma colaborativa para registro de aves no Brasil, o WikiAves. Considerando que em 2015 havia cerca de 26 mil observadores cadastrados na plataforma, o número subiu para mais de 53 mil em agosto de 2025, representando um aumento de cerca de 105% em uma década.

Projetos como o Araguaia Vivo (@araguaiavivo), apoiado pela FAPEG e executado pela TWRA (“Tropical Water Research Alliance”), o PPBio Araguaia (@ppbio.araguaia) da PUC Goiás financiado pelo CNPq e o Óia Passarinhar (@oia_passarinhar) desenvolvem ações de pesquisa e extensão que trazem pesquisadores de universidades para entender, analisar e promover o turismo de observação de aves. Dentre as estratégias adotadas por estes projetos, podemos destacar a realização de diagnóstico sobre a rede de turismo local, caracterização das espécies de aves, avaliando o seu potencial turístico, e o estabelecimento de ações para a promoção de um turismo de base comunitária, desde a proposição dos roteiros à formação dos atores locais.

Uma das regiões de atuação destes projetos é a região do rio Araguaia, que apresenta um grande potencial para o aviturismo, abrigando uma rica avifauna com espécies que só ocorrem na região (endêmicas), diversas espécies aquáticas, migratórias e diversas outras associadas aos ambientes abertos e as formações florestais. Essa região entrou no cenário mundial para observação de aves pela primeira vez por meio da parceria destes dois projetos com a Secretaria de Turismo do Estado de Goiás, a Goiás Turismo, fazendo parte de uma conjunto de produtos para a promoção do turismo de observação de vida silvestre no estado, como o “Bora pra Goiás”, “Bora Passarinhar”. Destes produtos, destacamos a “Rota do Araguaia” que destaca a importância desse rio para o estado de Goiás, e a “Rota Parque Nacional das Emas” que além do importante parque nacional que deu nome a esta rota, ela está presente na região das nascentes do rio.

Iniciativas do turismo de observação de vida silvestre no Estado de Goiás promovidas e apoiadas pela Goiás Turismo, como produtos como o “Bora pra Goiás”, “Bora Passarinhar”, a “Rota do Araguaia” e a “Rota Parque Nacional das Emas”

Por estar em uma zona de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, o rio Araguaia abriga uma mistura de espécies características desses dois biomas, otimizando a variedade de espécies que podem ser observadas em cada um dos locais visitados ao longo do rio. Segundo levantamento feito pela nossa equipe, com base em inventários de aves já realizados para a região, foram registradas 710 espécies de aves na bacia do rio Araguaia, com 103 espécies endêmicas da Floresta Amazônica e 15 espécies endêmicas do Cerrado. Nos dois últimos anos, realizamos expedições a campo visitando 18 municípios e conseguindo mapear a ocorrência e fotografar mais de 440 espécies de aves, e que estão presentes em 430 listas de registro de espécies de aves, as quais já foram disponibilizadas na plataforma de ciência cidadã, o ebird. Gerar listas de espécies e submeter fotos das aves em plataformas colaborativas é uma forma de socializar as informações obtidas pelos projetos e que gera divulgação das localidades e de suas espécies para o público de observadores, na premissa de mostrar a oferta para gerar a demanda. 


Nesta grande variedade de espécies, podemos destacar as típicas do Cerrado como o chororó-de-goiás (Cercomacra ferdinandi), o cardeal-do-araguaia (Paroaria baeri), o joão-do-araguaia (Synallaxis simoni) e o curutié-do-araguaia (Certhiaxis sp.).

Ainda é possível observar na região até oito espécies de aves que apresentam algum grau de ameaça de extinção e merecem atenção especial do ponto de vista da conservação, como o jacu-de-barriga-castanha (Penelope ochrogaster), o mutum-de-penacho (Crax fasciolata), a pomba-botafogo (Patagioenas subvinacea), a garça-da-mata (Agamia agami), o tucano-de-bico-preto (Ramphastos vitellinus), a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus), o chororó-do-araguaia (Cercomacra ferdinandi) e o pica-pau-da-taboca (Celeus obrieni). De acordo com o nosso Indicador de Atratividade Turística (IAT), dentre as espécies de aves mais atrativas para o aviturismo, destacam-se o jacu-de-barriga-castanha (Penelope ochrogaster) e o chororó-de-goiás (Cercomacra ferdinandi), por serem endêmicas do bioma Cerrado e classificadas como vulneráveis à extinção.

Caso tenha interesse, você pode consultar a lista completa de aves registradas no Araguaia que foi organizada pela nossa equipe pelo QRcode abaixo.

Contudo, o que chama mais atenção é que, apesar de toda essa rica diversidade de aves, a região do Araguaia ainda é muito pouco visitada pelos observadores de aves. Dos 55 municípios que são limítrofes ao rio Araguaia, 13 deles (24%) ainda não tem nenhuma lista de aves registrada na plataforma eBird.

Em relação a inserção dos municípios banhados pelo rio Araguaia nas políticas públicas nacionais voltadas ao desenvolvimento do turismo, apenas 62% deles possuem cadastro ativo no Mapa do Turismo Brasileiro, instrumento de referência do Ministério do Turismo para gestão e planejamento do setor. E ainda, 68% desses municípios são classificados na categoria de menor desempenho em relação ao desenvolvimento da economia do turismo, o que implica em limitações significativas na capacidade de atrair visitantes e gerar renda. Olhando de perto as estruturas municipais, observa-se que quase 30% dos municípios diretamente ligados ao rio Araguaia sequer possuem Secretaria de Turismo ou órgão equivalente, evidenciando a fragilidade na gestão pública e a ausência de planejamento estruturado para o turismo.

Além disso, o desenvolvimento do turismo na região ocorre em meio a um cenário marcado por forte heterogeneidade socioeconômica ao longo do rio. Nosso levantamento mostra que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medida que avalia o bem-estar de uma população, varia muito entre os municípios que margeiam o rio Araguaia. Enquanto alguns municípios se aproximam da média nacional, outros apresentam valores quase 30% abaixo desta média. A taxa de escolarização também reforça essas diferenças, pois em alguns municípios quase 12% dos jovens em idade escolar estão fora da escola, enquanto em outros essa proporção não chega a 1%. Se formos olhar o PIB per capita, a média da produção de bens e serviços por habitante, o cenário se mostra ainda mais contrastante, onde alguns municípios registram valores acima de R$135 mil, outros se aproximam de apenas R$10 mil, uma diferença proporcional de quase 13 vezes.

A heterogeneidade socioeconômica na região de influência do rio Araguaia pode ser observada pela taxa de escolarização (de 6 a 14 anos), do Índice de Desenvolvimento Humano médio – IDHm e pelo Produto Interno Bruto per capita – PIB dos municípios que fazem divisa com o rio. Fonte IBGE

Diante deste cenário, as equipe do programa “Araguaia Vivo” e “PPBio Araguaia” em parceria com o “Óia Passarinhar”, vem desenvolvendo diversas atividades na região focadas no turismo de natureza por meio da observação de aves, com o objetivo de promover a inclusão social, valorizar a diversidade cultural e conservar os recursos naturais de modo a beneficiar todos os municípios da região de forma igualitária e sustentável. Construir um modelo de turismo sustentável no Araguaia demanda políticas públicas integradas, participação comunitária e estratégias de médio e de longo prazo, para que os benefícios gerados não se concentrem em poucos municípios, mas alcancem toda a região.

A região do rio Araguaia reúne características que reforçam seu potencial para o desenvolvimento de um turismo sustentável, que requer a preservação de ambientes naturais preservados. Sua biodiversidade rica e emblemática amplia as oportunidades para o Turismo de Natureza e o Turismo de Base Comunitária, modalidades cada vez mais valorizadas por visitantes em busca de experiências autênticas em contato direto com a natureza. Esse cenário pode trazer benefícios significativos para a economia local, gerando renda ao longo do ano, diversificando as oportunidades de trabalho e fortalecendo a identidade cultural das comunidades. Além disso, pode contribuir para a conservação dos ecossistemas, já que, quando bem planejado, o turismo de natureza estimula a valorização dos recursos ambientais e culturais. No entanto, esse potencial exige atenção, pois o crescimento desordenado pode gerar conflitos sociais e territoriais. A presença de instituições de pesquisa e de organizações da sociedade civil, como o Oia Passarinhar, atuando em conjunto com as comunidades, pode auxiliar nesse processo de desenvolvimento, garantindo um ambiente participativo, minimizando desigualdades sociais e prevenindo impactos socioambientais negativos.

Caso queira mais informações sobre nossas ações na região, compartilhar experiências ou agendar uma reunião com nossa equipe, visite nossas redes sociais: @araguaiavivo, @oiapassarinhar, ou entre em contato pelo e-mail: oiapassarinhar@gmail.com

Confira quem são os autores do artigo

Arthur A. Bispo – Professor na Universidade Federal de Goiás, coordenador da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisador no “PPBio Araguaia” e coordenador do projeto “Óia passarinhar”.

Carlene Gomes – Bióloga pela Universidade Federal de Goiás e mestranda no PPG em Ecologia & Evolução, colaboradora da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e membro colaborador do Óia Passarinhar e do PPBio Araguaia.

Isabella Fagundes Rosa Limão – Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília, mestranda do PPG em Ciências Ambientais/UnB, bolsista da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e membro colaborador do projeto Óia passarinhar e do PPBio Araguaia. 

Letícia Martins – Licenciada em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal Goiano, Doutora em Ecologia e Evolução (UFG), bolsista FAPEG/TWRA da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e membro colaborador do projeto Óia passarinhar e do PPBio Araguaia.

Marcelo Lisita Junqueira – Graduado em Educação Física, condutor local filiado a Associação SERVITUR, Chapada dos Veadeiros/GO, bolsista da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e membro colaborador do projeto Óia passarinhar e do PPBio Araguaia.

Renato Caparroz – Professor na Universidade de Brasília, vice-coordenador da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisador no “PPBio Araguaia” e membro colaborador do projeto Óia passarinhar.

Sayra Alves – Graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Goiás, bolsista na modalidade Iniciação científica FAPEG/TWRA da Atividade “Fortalecimento das comunidades locais por meio do turismo ecológico” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e membro colaborador do projeto Óia passarinhar e do PPBio Araguaia.