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por Levi Carina Terribile, Lucas Jardim e Patrick Thomaz de Aquino Martins*
Especial para o Jornal Opção


A geodiversidade, representada pela variação do relevo, tipos de solo, recursos hídricos e rochas, sustenta a biodiversidade e proporciona diversos bens e serviços em favor do bem estar humano. O conhecimento da geodiversidade é indispensável para a proteção da Bacia do Araguaia. 

O que é geodiversidade?

A natureza é composta pela variação de características bióticas e abióticas. Apesar do longo estudo sobre a biodiversidade (características bióticas), a variação dos componentes abióticos, sua valoração e conservação tem sido pouco estudada. A Bacia do Rio Araguaia abrange uma grande variedade de características abióticas, como diferentes formas de relevo, tipos de solo e corpos d’água, que, em conjunto, formam o que chamamos de “Geodiversidade”. Podemos dizer que, da mesma forma que a biodiversidade representa toda variedade de formas vivas – diferentes tipos de animais, plantas e microorganismos, a geodiversidade representa a variedade de formas não-vivas: montanhas, vales, planícies, planaltos, rios, lagos, rochas e solos. A interação entre a biodiversidade e a geodiversidade formam os ecossistemas que sustentam a vida e fornecem serviços para o bem-estar humano. Entender a relação geodiversidade-biodiversidade é um dos temas de pesquisa do Programa Araguaia Vivo 2023. 


Qual é a relação entre a biodiversidade e a geodiversidade?

Toda variação de características abióticas da superfície terrestre e do subsolo são os elementos da geodiversidade. Esses elementos são classificados em componentes como geomorfologia, hidrologia, geologia e pedologia, os quais interagem e se retroalimentam com os elementos bióticos para produzirem e manterem as diferentes condições físicas onde a vida pode se desenvolver. Por exemplo, em regiões de relevo mais acidentado, a presença de montanhas, vales e variações de altitude ajudam a formar barreiras naturais, que separam populações de animais e plantas. Com o tempo, essa separação pode dar origem a novas espécies. Já em áreas menores, a inclinação do terreno, a direção em que ele está voltado e a posição em relação ao sol e ao vento criam microclimas – ou seja, condições específicas de temperatura, luz e umidade. Essas condições também estão diretamente ligadas ao intemperismo, que moldam as formas da superfície terrestre e promovem a formação de diferentes tipos de solos e condições de estabilidade do relevo. Isso permite que espécies diferentes ocupem espaços que, embora sejam próximos, possuem características ambientais bem distintas. 

A Bacia do Rio Araguaia possui uma alta variedade de ambientes aquáticos. Esses componentes hidrológicos da geodiversidade, como rios, lagos e nascentes, variam em profundidade, velocidade do fluxo e características físico-químicos, e isso influencia diretamente quais espécies conseguem viver ali. A forma como a água percorre o terreno ajuda a transportar sedimentos, formar solos e modificar a paisagem, mantendo os ambientes saudáveis e produtivos. Esses ambientes aquáticos também podem funcionar como barreiras naturais, isolando as populações, e assim contribuindo para a formação de novas espécies.  

Já os diferentes tipos de solo, suas características físicas e químicas, a presença de nutrientes e matéria orgânica afetam diretamente o crescimento das plantas e a diversidade de microorganismos do solo, que por sua vez sustentam uma variedade de espécies animais. De modo geral, podemos dizer que a geodiversidade forma o palco natural onde os atores -que são os organismos- atuam, fazendo com que esse sistema natural seja dinâmico e funcional ao longo do tempo. 

Por que é importante estudar a geodiversidade da Bacia do Araguaia?

Quando pensamos na Bacia do Araguaia, logo imaginamos os cursos d’água, lagoas e praias onde podemos passear com a família e amigos, seja para nadar, participar de torneios de pesca ou passear de barco, além de trabalharmos para nos sustentar financeiramente. Nenhuma dessas atividades existiria sem o rio Araguaia. O rio representa um dos componentes da geodiversidade da Bacia, e só de pensarmos como a vida das populações que vivem na Bacia dependem do rio já nos demonstra a importância de estudarmos a geodiversidade. Além disso, buscamos entender qual é a relação entre a biodiversidade e a geodiversidade da Bacia. Será que locais com maior variabilidade de solo, relevo, corpos d’água e rochas promovem e suportam uma maior riqueza de espécies? Essa abordagem complementa os esforços atuais dos pesquisadores que têm utilizado ferramentas modernas para caracterizar a biodiversidade da região. Se a relação geodiversidade-biodiversidade na Bacia existir e for forte, a geodiversidade poderia ser utilizada com um representante da biodiversidade, informando sobre os locais que podem abrigar maior riqueza de espécies, e que são, portanto, de grande interesse para a conservação. Essa abordagem é especialmente útil para aquelas regiões onde ainda existem grandes lacunas de conhecimento sobre a biodiversidade, como é o caso da Bacia do Rio Araguaia. O estudo da geodiversidade também é importante para entendermos como a combinação de formas de relevo, solo e distribuição de corpos d’água podem promover a variabilidade microclimática adequada para as espécies enquanto o macroclima regional está se alterando devido à mudança climática. Portanto, áreas geodiversas podem atuar como refúgios microclimáticos e corredores de dispersão para as espécies diante das ameaças da mudança climática.

Além de sua importância para a biodiversidade, a geodiversidade fornece diversos bens e serviços em benefício direto ao bem estar humano. As rochas e solos funcionam como filtros naturais, controlando as inundações e a qualidade e quantidade de água potável disponível. Combinações específicas de relevo, tipos de rocha e solos formam “plataformas” onde as atividades humanas se desenvolvem, como construções, expansão de centros urbanos e atividades agrícolas. Há também o valor estético associado à geodiversidade, pois a presença de áreas naturais, como praias de rios, cavernas e cachoeiras, são uma oportunidade para o desenvolvimento do turismo sustentável e da economia local. O conhecimento da geodiversidade é, portanto, uma etapa fundamental para o planejamento da preservação da Bacia do Araguaia, por meio do qual poderemos identificar quais áreas são mais adequadas para a agricultura, para o desenvolvimento urbano, para o turismo e para a proteção da biodiversidade. 

Mapeando a geodiversidade na Bacia do Araguaia

Para caracterizar a geodiversidade da Bacia do Araguaia utilizamos ferramentas computacionais de análise de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para extrair dados sobre o relevo, disponibilidade de água, tipos de solos e de rochas a partir de diversas fontes, como modelos digitais de elevação do terreno, bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do projeto MapBiomas. A partir dessas fontes, classificamos as diferentes formas de relevo (e.x., planícies, planaltos, encostas, vales e topos de morros), calculamos a densidade de áreas úmidas (nascentes, córregos, rios e lagos) e a riqueza de tipos de solos. A combinação dessas variáveis gera a medida de geodiversidade, que, por sua vez, é associada aos dados de biodiversidade para responder as perguntas dos cientistas. 

Os primeiros resultados que obtivemos no contexto do programa Araguaia Vivo 2030, executado pela TWRA (“Tropical Water Research Alliance”) financiado pela FAPEG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás) (@araguaiavivo) indicam que a maior geodiversidade da bacia encontra-se fora da grande planície alagada, a qual possui baixa diversidade geomorfológica devido ao relevo plano. No entanto, conforme mostram os mapas apresentados abaixo, a planície possui alta diversidade de corpos d’água, exemplificado pela quantidade de lagos presentes na ilha do Bananal.

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Uma imagem contendo Mapa

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Ao avaliarmos os dados de geodiversidade e a distribuição de mais de 14 mil espécies de plantas na Bacia, encontramos uma associação positiva entre a geodiversidade e a riqueza de plantas. Isso significa que, quanto mais variado é o ambiente sob o ponto de vista geomorfológico, maior é a diversidade de espécies vegetais que podem ocorrer nesses locais. Essa constatação é importante porque mostra que a geodiversidade pode ser usada como um indicador da biodiversidade, o que facilitaria, por exemplo, a identificação e monitoramento de áreas importantes para a biodiversidade a partir de ferramentas geotecnológicas (como o sensoriamento remoto, por exemplo). O estudo da relação entre a geodiversidade e a biodiversidade é concentrado nas regiões temperadas do mundo, mas, com esse trabalho, avançamos o conhecimento científico para essas relações também em regiões tropicais.

Levi Carina Terribile – Professora na Universidade Federal de Jataí (UFJ) e pesquisadora do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e “PPBio Araguaia”.
Lucas Jardim – Pós-Doutorando na Universidade Federal de Jataí (UFJ) e pesquisador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Patrick Thomaz de Aquino Martins – Professor na Universidade Estadual de Goiás (UEG) e pesquisador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.