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por: Giovanna de Oliveira, Thales Yann da Silva Orlando,
Juliana Simião-Ferreira, João Carlos Nabout
Especial para o Jornal Opção

As macrófitas aquáticas são plantas que vivem em ambientes aquáticos, cujas raízes oferecem diferentes habitats para peixes, anelídeos, nematoides, crustáceos, moluscos, insetos e aracnídeos. Entre esses organismos, os insetos aquáticos se destacam por utilizarem a estrutura das raízes e folhas como locais para reprodução, refúgio contra predadores e alimentação.

Você sabe quem são os insetos aquáticos? São aqueles que passam pelo menos uma fase do seu ciclo de vida no ambiente aquático. Nos bancos de macrófitas é possível encontrar insetos de diversos grupos taxonômicos, como efemerópteros (Ephemeroptera), libélulas e donzelinhas (Odonata), baratas d’água e outros percevejos aquáticos (Hemiptera), besouros aquáticos (Coleoptera) e mosquitos (Diptera), dentre outros.

Essa diversidade reflete a variedade de microhabitats proporcionada pelas plantas aquáticas, desde suas raízes submersas até folhas flutuantes, criando um mosaico que favorece a existência conjunta de diferentes espécies. Quando não há plantas aquáticas, os locais de abrigo e reprodução utilizados pelos insetos diminuem. Por outro lado, se há crescimento exagerado dessas plantas, podem ocorrer alterações na qualidade da água, prejudicando a diversidade de insetos.

Ciclo de Vida e Adaptações dos Insetos Aquáticos

Os insetos aquáticos passam por diferentes fases ao longo da vida. Os ovos se desenvolvem em larvas ou ninfas, alguns passam pela fase de pupa, como as borboletas ao formarem seus casulos e, finalmente, tornam-se adultos com asas. A maioria passa por uma metamorfose incompleta, com desenvolvimento gradual no qual as ninfas aquáticas assemelham-se aos adultos, mas não possuem órgãos reprodutivos ou asas desenvolvidas, como no caso das libélulas, esses são chamados “hemimetábolos”.

Ciclo de vida de uma libélula com destaque para as fases de ovo, ninfa e adulto, metamorfose incompleta (hemimetábolo)

Outros grupos de insetos, como mosquitos e besouros, são considerados “holometábolos” e passam por uma metamorfose completa com fases bem distintas: ovo, larva ou ninfa, pupa e adulto.

Ciclo de vida de um Culicidae, destacando as fases de ovo, larva ou ninfa, pupa e adulto, metamorfose completa (holometábolo)

Na fase adulta, muitos desses insetos vivem fora da água, porém mantendo-se próximos aos ecossistemas aquáticos. Outros permanecem no ambiente aquático graças a características especiais para respiração. É o caso dos besouros da família Hydrophilidae, que carregam uma bolsa de ar junto ao seu abdômen ao mergulhar, ou dos percevejos da família Gerridae, que obtêm oxigênio diretamente da atmosfera enquanto deslizam sobre a superfície da água.

As larvas de insetos aquáticos apresentam estratégias alimentares variadas que lhes permitem explorar os diferentes recursos disponíveis nos ecossistemas. Algumas espécies são filtradoras, alimentando-se de partículas suspensas na coluna d’água, enquanto outras são raspadoras, consumindo algas aderidas a substratos como pedras, troncos e folhas submersas. Há também larvas predadoras capazes de capturar e consumir outros invertebrados aquáticos ou até mesmo pequenos peixes e girinos. Os fragmentadores, por sua vez, alimentam-se de matéria vegetal em decomposição, como folhas e galhos que caem no ambiente aquático. Por fim, os coletores são aqueles que consomem matéria orgânica particulada no sedimento ou suspensas na água.

Coleta de Insetos Aquáticos Associados a Macrófitas nas Expedições Araguaia

Entre janeiro e fevereiro de 2024, no âmbito de projetos como o “Araguaia Vivo 2030” (@araguaiavivo), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e gerenciado pela Tropical Water Research Alliance (TWRA), e do PPBio Araguaia (@ppbio.araguaia), executado pela PUC-Goiás com apoio do CNPq, pesquisadores realizaram coletas de insetos associados a macrófitas em 52 lagoas conectadas ao rio Araguaia e a seus tributários, como Rio das Mortes, Rio do Peixe e Rio Vermelho.

Mapa dos locais de coleta de insetos aquáticos associados a bancos de macrófitas na expedição “Araguaia Vivo 2030” e do PPBio Araguaia

Em cada lago, foram amostrados bancos de macrófitas flutuantes, como Aguapé (Pontederia crassipes), Salvinia (Salvinia auriculata) e Alface d’água (Pistia stratiotes). Para isso, foram utilizados quadrantes padronizados que delimitavam a área de amostragem nos bancos de macrófitas. As raízes eram lavadas cuidadosamente, e os insetos associados ficavam retidos nas malhas das peneiras. O material retido foi armazenado em álcool e, em laboratório, os pesquisadores separaram os insetos de outros resíduos das plantas aquáticas. Em seguida, os organismos foram identificados com auxílio de microscópios do tipo lupa.

Coleta de insetos aquáticos associados a macrófitas nos lagos da bacia do Araguaia (A,B,C), seguida da triagem e identificação dos organismos em laboratório (D)

As expedições ampliaram muito o conhecimento sobre a diversidade aquática da região. O estudo registrou cerca de 4.000 indivíduos, distribuídos em 37 famílias de insetos aquáticos, fornecendo novos dados sobre biodiversidade e distribuição dos insetos associados às macrófitas (Figura 6). Os grupos mais abundantes encontrados no estudo foram:

Insetos da família Chironomidae

Estes insetos possuem larvas que vivem em sedimentos e vegetação aquática e são altamente tolerantes a diferentes condições ambientais. Elas respiram oxigênio dissolvido pela superfície corporal, graças a um gene de hemoglobina que se manifesta em situações de baixa concentração de oxigênio. Por isso, é comum apresentarem a cor vermelha em ambientes degradados. Na fase adulta, estes insetos emergem como mosquitos não picadores e vivem, geralmente, próximos aos corpos d’água.

Insetos da família Culicidae

As larvas são exclusivamente aquáticas, vivendo em lagos, rios e até em pequenos recipientes naturais ou artificiais. Respirando ar atmosférico através de um sifão caudal, podem atuar como filtradoras, raspadoras ou predadoras, servindo de alimento para peixes e outros insetos. Os adultos incluem mosquitos vetores de doenças como dengue, zika e malária, com grande importância médica. Por se reproduzirem rapidamente em ambientes com água parada, é essencial o cuidado com recipientes que possam acumular água, evitando a proliferação desses organismos e a transmissão de doenças.

Insetos da família Hydrophilidae

Os besouros hidrofilídeos vivem em ambientes lênticos (lagos e lagoas) e frequentemente estão associados à vegetação aquática. As larvas são majoritariamente predadoras, enquanto os adultos se alimentam de algas e matéria orgânica, podendo também predar pequenos invertebrados. Para respirar, armazenam bolhas de ar sob os élitros, sustentadas por pelos hidrofóbicos.

Representantes das famílias de insetos aquáticos mais abundantes amostradas na bacia do Araguaia: (a) Chironomidae, (b) Hydrophilidae e (c) Culicidae

O estudo dos insetos aquáticos associados às macrófitas na planície de inundação do Araguaia representa um avanço no conhecimento sobre a biodiversidade dessa região que ainda é pouco explorada sob essa perspectiva. A compreensão de como essas comunidades respondem a diferentes gradientes ambientais, como as características físico-químicas da água, a heterogeneidade de habitats e o uso do solo, é fundamental para avaliar os efeitos potenciais de alterações antrópicas sobre esses organismos. Assim, as pesquisas desenvolvidas na bacia do Araguaia são fundamentais para preencher lacunas sobre a biodiversidade regional e, além de ampliar o conhecimento científico, esses estudos contribuem para compreender processos estruturantes dos ecossistemas, fornecendo informações importantes para a conservação da região.

Confira quem são os autores do artigo

Giovanna de Oliveira – Mestranda em Recursos Naturais do Cerrado (RENAC) pela Universidade Estadual de Goiás e pesquisadora voluntária do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia.

Thales Yann da Silva Orlando- Bolsista do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia.

Juliana Simião-Ferreira – Professora na Universidade Estadual de Goiás e pesquisadora voluntária do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia

João Carlos Nabout – Professor na Universidade Estadual de Goiás, coordenador da Atividade de “biodiversidade aquática” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e pesquisador no PPBio Araguaia.