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Por: Carlos de Melo e Silva Neto, Indiara Nunes Mesquita Ferreira,
Lorena Lana Camelo Antunes, Rafael Barbosa Pinto e Mariana Pires de Campos Telles*
Especial para o Jornal Opção

Grande parte das pessoas que se deparam com uma vegetação com predominância de árvores altas e imponentes não a associam ao Cerrado. Ao contrário disso, quando se pensa no Cerrado é comum imaginar campos abertos, vegetação rasteira e árvores retorcidas. Este tipo de senso comum está vinculado à forma como geralmente o Cerrado é retratado em livros, fotografias e vídeos: vegetação baixa, árvores tortuosas, campos de gramíneas e pequenos arbustos. Mas essas características se referem apenas ao que conhecemos como cerrado sensu stricto, um tipo particular de fisionomia típica e largamente conhecido do bioma e que encontramos ao longo de toda a bacia do Araguaia. Mas sim, há florestas no Cerrado, e elas são fundamentais para o equilíbrio ecológico da região e, dada a sua importância e alcance hidrográfico, de todo o Brasil. No dia de hoje, 17 de julho, quando se comemora o “Dia de Proteção às Florestas no Brasil”, é importante entendermos essa diversidade de formações vegetais e florestais e sua importância para a conservação da biodiversidade no bioma Cerrado.

Os tipos de formações florestais do Cerrado

As chamadas formações florestais do Cerrado ocupam áreas específicas onde há maior disponibilidade de água, como às margens de rios, em encostas mais úmidas ou em solos mais profundos. Essas florestas diferem das formações savânicas típicas do bioma (como o campo sujo e o cerrado sensu stricto), e apresentam árvores mais altas, copas fechadas e pouca luz no sub-bosque. A imagem a seguir esquematiza as diferenças estruturais entre estas formações florestais do Cerrado, destacando a mata de galeria, a mata ciliar, o Cerradão e a mata seca.

Tipos de formações florestais presentes no cerrado e suas diferenças estruturais relacionadas (Fonte: Ribeiro e Walter 2008).

Mata de galeria

Acompanha o curso dos rios e córregos de pequeno porte, formando um dossel contínuo sobre o curso d’água, ou seja, verdadeiros túneis verdes. Devido à umidade constante, abriga espécies que também ocorrem na Mata Atlântica e na Amazônia. Árvores como o jenipapo (Genipa americana), com frutos usados na alimentação e na produção de corantes naturais, e a figueira-brava (Ficus spp.), cujos frutos são importantes para a fauna, são comuns nessas áreas. A mata de galeria também protege os cursos d’água contra o assoreamento e ajuda a manter a qualidade da água.

Mata ciliar

vegetação que acompanha margens de rios, córregos ou nascentes, formando uma faixa de proteção. Se difere da mata de galeria pela maior largura do curso d’água que acompanha e à estrutura da vegetação, não formando túneis verdes. Cumpre papel crucial na proteção dos recursos hídricos, evitando o assoreamento e mantendo a qualidade da água. Nela ocorrem espécies como o ipê-amarelo (Handroanthus spp.), símbolo do Cerrado e bastante valorizado pela beleza de sua florada e pela madeira nobre, a embaúba (Cecropia spp.), que serve de alimento para aves, peixes e mamíferos, e o ingá (Inga spp.), cuja polpa doce é consumida pela população e por animais silvestres.

Mata ciliar associada ao rio Araguaia | Foto: Acervo

Cerradão

Possui aspecto florestal com árvores de grande porte, até 15 metros de altura, mas o conjunto de espécies é formado por árvores que também habitam formações savânicas como o Pau-terra (Qualea spp.), os Jatobás (Hymenaea spp.), os muricis (Byrsonima spp.), dentre outras. Espécies úteis à população como o baru (Dipteryx alata) — produtor de castanhas nutritivas e valorizadas comercialmente — e o pequi (Caryocar brasiliense), amplamente utilizado na culinária goiana, são frequentes nesses ambientes. O cerradão é como uma zona de transição entre as áreas mais abertas e as florestas úmidas, e abriga grande diversidade de aves e mamíferos.

Vegetação de cerradão com espécies típicas do Cerrado | Foto: Acervo

Mata seca

é uma formação florestal estacional decidual do Cerrado, composta por árvores que perdem total ou parcialmente as folhas durante a estação seca. Ocorre em encostas, interflúvios e platôs, com solos bem drenados, geralmente mais férteis do que os das formações savânicas. Abriga espécies resistentes e valiosas, como o angico-vermelho (Anadenanthera colubrina), usado na medicina popular e na recuperação de áreas degradadas, e o jatobá (Hymenaea spp.), que fornece madeira de alta qualidade e frutos comestíveis. Essas matas são vitais para a manutenção da biodiversidade em áreas de clima mais rigoroso.

Visão geral da Mata seca | Foto: Acervo

A importância das formações florestais para o Cerrado

As formações florestais não somente enriquecem a paisagem do Cerrado, como também aumentam sua biodiversidade — são abrigo para inúmeras espécies de plantas, aves, mamíferos, répteis e insetos, algumas exclusivas desses ambientes.

É importante também mencionar que as formações florestais estão intimamente ligadas ao estoque de carbono e, consequentemente, à regulação do clima. Florestas em pé e saudáveis são grandes estoques de carbono, na qual imobilizam carbono na forma de biomassa vegetal, no folhiço e no solo, evitando que seja liberado na atmosfera. Ao mensurar a estrutura da floresta, conseguimos dimensionar esse estoque com precisão e destacar a sua relevância no serviço ecossistêmico. O carbono, na forma de ácidos orgânicos, em conjunto com outros macros e micronutrientes disponibilizados no solo também são associados a fertilidade, sendo decisivos para nutrição vegetal e inclusive contribuindo para a produção em áreas agricultáveis. Ou seja, a floresta em pé também beneficia a agricultura.

Apesar de sua importância, as formações florestais do Cerrado ainda são pouco conhecidas e frequentemente ameaçadas pelo avanço do desmatamento, da agricultura e da urbanização. Proteger essas áreas é essencial não só para a preservação da biodiversidade, mas também para garantir a estabilidade dos recursos hídricos e do clima regional. Conhecer o Cerrado em toda a sua complexidade — com suas florestas, campos e savanas — é o primeiro passo para valorizar esse bioma tão rico e ainda tão invisível para muitos brasileiros.

Biólogos botânicos têm estudado as florestas no Cerrado

O Programa “Araguaia Vivo 2030” (@araguaiavivo), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e executado pela TWRA (Tropical Water Research Alliance) e o PPBio Araguaia (@ppbio.araguaia), financiado pelo CNPq, têm como objetivo ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade da bacia do rio Araguaia, com ênfase nas formações vegetais associadas aos cursos d’água. O projeto busca compreender os padrões da vegetação que margeia nascentes e pequenos córregos, investigando como essas características influenciam a qualidade da água e do ambiente, impactando diretamente a fauna e os microrganismos locais. A degradação da vegetação ripária provoca desequilíbrios ecológicos nos corpos hídricos, gerando efeitos em cascata que podem comprometer a sobrevivência de diversas espécies. Nesse contexto, a qualidade ambiental refletida na vegetação é fundamental para a manutenção e aprimoramento dos serviços ecossistêmicos, que beneficiam tanto a biodiversidade quanto a sociedade. Entre esses serviços, destaca-se especialmente a regulação da quantidade e qualidade da água produzida pelos córregos.

A própria vegetação é um sítio relevante para diversidade de espécies vegetais que pode abrigar, sendo importante para a conservação das espécies, mas também pelos diversos usos e aplicações que cada espécie vegetal pode fornecer para comunidade ou seus potenciais usos que podem ser revelados por pesquisas futuras. Ao longo do rio Araguaia, uma característica particular da vegetação associada aos córregos é a abundância de palmeiras. É comum encontrar essas palmeiras associadas à presença de água e também em meio a outros tipos de vegetação. Essas plantas fazem parte e estão muito bem adaptadas ao ambiente úmido, além de serem consideradas de grande relevância para a comunidade local.

Anualmente, toneladas de folhas de babaçuzeiro (Attalea speciosa) são utilizadas para montagem dos acampamentos nas praias do rio Araguaia Da mesma palmeira, as castanhas são uma saborosa fonte alimentícia, porém ainda pouco aproveitadas do ponto de vista econômico, apesar de contribuir para a dieta de roedores e araras. Outras palmeiras, como: Buriti (Mauritia flexuosa), Bacuri (Attalea phalerata) eo Tucum (Astrocaryum spp.) são abundantes ao longo de todo o Araguaia, sendo grandes produtoras de frutos, fibras e palmito, que são aproveitados pela fauna e pela comunidade local.

Por fim, o Cerrado, conhecido também como a “savana brasileira”, é muito mais diverso do que o senso comum tende a apontar, fornecendo importantes serviços ambientais, culturais e econômicos. Por meio do investimento em pesquisas e investimento nas regiões pouco conhecidas do Cerrado, o mapeamento destas qualidades fornece à população um amplo conhecimento sobre este importante bioma, favorecendo iniciativas de preservação e conservação da biodiversidade e das águas brasileiras.

*Carlos de Melo e Silva Neto – TAE do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), Professor associado do PPG em Recursos Naturais do Cerrado (RENAC) da UEG e pesquisador em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG e do PPBio Araguaia (CNPq).

Indiara Nunes Mesquita Ferreira – pesquisadora em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG e do PPBio Araguaia (CNPq).

Lorena Lana Camelo Antunes – pesquisadora em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG e do PPBio Araguaia (CNPq).

Rafael Barbosa Pinto – Professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), e pesquisador em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG e do PPBio Araguaia (CNPq).

Mariana Pires de Campos Telles – Professora da PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenadora geral do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG e do PPBio Araguaia (CNPq);