Araguaia, PL da Devastação e o falso dilema entre conservação e desenvolvimento

26 julho 2025 às 21h00

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Por: José Alexandre Felizola Diniz Filho, João Carlos Nabout, Thannya Nascimento Soares, Levi Carina Terribile, Leandro Silveira, Ludgero Cardoso Galli Vieira, Anah Teresa de Almeida Jácomo, Luciane Martins de Araújo, José Antônio Tietzmann e Silva, Mario Lucio de Avelar, e Mariana Pires de Campos Telles*
Especial para o Jornal Opção
Tivemos, há alguns dias, a aprovação pelo Congresso Nacional, do PL 2.159/2021 – Lei Geral do Licenciamento Ambiental, popularmente apelidado de “PL da Devastação”, e que segue agora para sanção (ou não…) pela presidência da república. A aprovação do PL gerou muita indignação e discussões inflamadas na mídia e nas redes sociais, gerando um acirramento das discussões entre “ambientalismo” e “desenvolvimentismo”, como se essas duas concepções estivessem em campos “opostos” e fossem mutuamente exclusivas. Esse dilema e o debate em torno dele, entretanto, são falsos, ou talvez mais apropriadamente, não fazem mais nenhum sentido no início do século XXI, como já discutimos de forma mais detalhada aqui no Jornal Opção em uma ocasião anterior. De fato, os proponentes do projeto e seus apoiadores se vangloriam de que, depois de mais de 20 anos “engavetado”, o PL foi finalmente aprovado; mas esse é justamente o problema, já que esse falso dilema é oriundo de uma visão absolutamente ultrapassada tanto sobre a conservação da natureza e o movimento ambientalista, quanto sobre o desenvolvimento econômico e social. Na verdade, não é uma questão de “conservação ou desenvolvimento”, e nem mesmo de equilíbrio entre elas, no sentido de “conservação e desenvolvimento”, mas sim de “conservação PARA o desenvolvimento”. Mas vamos entender melhor o significado dessa visão.
Não há espaço aqui para discutir os detalhes do PL, quais os seus problemas e porque ele representa um retrocesso para o próprio desenvolvimento econômico e social, isso sem falar na conservação da natureza. Nesse sentido, convido os leitores a consultarem o documento (“policy brief”) produzido para os tomadores de decisão produzido pelo “Centro de Conhecimento em Biodiversidade”, coordenado pelo nosso colega, Dr. Geraldo Fernandes da UFMG, e assinado por dezenas de pesquisadores da área de ecologia e biodiversidade, incluindo os coordenadores de diversos Programas de Pesquisa em Biodiversidade (PPBios) do CNPq, inclusive do nosso PPBio Araguaia (@ppbio.araguaia), detalhando todos esses pontos. Entretanto, podemos ilustrar rapidamente alguns dos problemas e colocá-los no contexto dos nossos programas de pesquisa em andamento na bacia do Araguaia, incluindo o PPBio Araguaia e o programa “Araguaia Vivo 2030” (@araguaiavivo), financiado pela FAPEG e executado pela TWRA (“Tropical Water Research Alliance”).
Tradicionalmente, sempre dissemos que o Brasil construiu, ao longo dos anos, uma boa legislação ambiental e que o principal problema em relação ao meio ambiente é que não temos uma boa implementação das leis e nem infraestrutura de fiscalização e monitoramento. Isso decorreria do investimento relativamente baixo nos órgãos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), como o IBAMA e ICMBio, e nas secretarias estaduais e municipais de Meio Ambiente, levando a problemas infraestrutura e pessoal qualificado insuficiente. Como consequência, temos muitas vezes ações de fiscalização equivocadas ou executadas de forma precária ou morosa, com resultados pouco efetivos. Há muita burocracia envolvida e muitas vezes falta bom senso nas ações. Claro que ainda há um longo caminho a percorrer para melhorar a atuação de todos esses órgãos, em diversos sentidos, mas muito tem sido feito, por exemplo, no sentido de melhorar o corpo técnico dos órgãos. Ainda assim, todos esses problemas acabam sendo utilizados como uma justificativa para o seu desmonte e para a flexibilização das normas. Some-se a isso um conflito de interesses econômicos por falta de visão de longo prazo e de falta de conhecimento por parte de alguns setores da sociedade, querendo lucros altos sem pensar na sustentabilidade e continuidade desses processos. Temos assim, o cenário ideal para que se critique os órgãos de regulamentação, controle e fiscalização (o que aconteceu inclusive por parte do próprio presidente da República, recentemente, no caso da exploração de petróleo na Foz do Amazonas). Entretanto, ao invés do Congresso buscar uma modernização da legislação e ampliar o apoio e melhoria dos órgãos ambientais, corrigindo os eventuais problemas, ele simplesmente flexibiliza a legislação com o objetivo claro de enfraquecer a fiscalização e o monitoramento, a partir de uma visão ultrapassada e, consequentemente equivocada, de desenvolvimento e conservação do meio ambiente.
Mas vamos voltar à questão do (falso) dilema entre conservação e desenvolvimento, ou seja, de que para que continuemos a ter desenvolvimento social e, principalmente, econômico, as questões ambientais não podem “atrapalhar” esse desenvolvimento, têm que ser “postas de lado” (que é o argumento dos proponentes e apoiadores do PL). Do que estamos efetivamente falando? Vamos ilustrar essa questão pensando no agronegócio, que é tradicionalmente considerado como o “grande vilão” por muitos “ambientalistas” (já antecipando, de forma estereotipada e certamente simplificada, quais os “polos” da disputa subjacentes ao falso dilema frequentemente mencionados…). Em muitas regiões da bacia do Araguaia, particularmente na região do alto Araguaia e na sua margem oeste, no Mato Grosso, temos uma das regiões agrícolas mais importantes (ou talvez a mais importante) do Brasil, com uma enorme produção que é inclusive fundamental para o comércio internacional de commodities (algo que, diga-se de passagem, está agora no centro das discussões sobre o “tarifaço” imposto pelo presidente estadunidense Donald Trump…). Vamos, de forma simplificada, construir um cenário sobre essa região a partir do desenvolvimento histórico, nas últimas décadas, e pensando, por exemplo, que tivemos enormes alterações na paisagem da bacia do Araguaia nesse período, em termos da perda de áreas naturais para viabilizar o avanço e expansão da agricultura, principalmente de grande porte.
Em um primeiro momento, as atividades agrícolas nessa região necessitam de muita água para irrigação, que vem do Araguaia e seus afluentes, e isso tende a diminuir gradualmente a vazão dos rios. Embora as causas dessa redução ainda precisem ser melhor investigadas (vamos discutir a seguir a complexidade dos cenários), temos alguns trabalhos de diferentes grupos de pesquisa, publicados nas revistas científicas “River Research and Applications”, em 2022, e “Hydrobiologia”, em 2024, que mostraram, a partir de séries históricas da Agência Nacional de Águas (ANA), que realmente isso está acontecendo na bacia do Araguaia nos últimos 40 anos, e com base nos dados de cobertura e uso do solo do MapBiomas, que já houve uma redução entre 35% e 50% da lâmina d´água na bacia!
Além dessa redução já documentada na disponibilidade de água, essas atividades começam a despejar elementos indesejáveis no rio, como restos de defensivos agrícolas, metais pesados e outros elementos que podem ser tóxicos. As atividades agrícolas levando a um aumento da população humana nas margens dos rios, além de pecuária mais intensa, podem aumentar a quantidade de matéria orgânica carreada para os rios e diminuir a concentração de oxigênio na água em certas épocas, perturbando as cadeias tróficas e causando mortalidade direta de peixes e outros organismos aquáticos. Quando isso acontece, temos claramente um “conflito de conservação” pelo uso dos recursos hídricos, ou seja, as práticas utilizadas na agricultura e sua expansão estão criando problemas para o rio. Antes do movimento conservacionista ganhar força, principalmente a partir dos anos de 1980, ninguém se preocupava muito com isso porque acreditava-se, tacitamente, que o sistema natural seria capaz de “absorver” todos esses impactos. Entretanto, gradualmente os problemas de poluição, mudança no clima e esgotamento de recursos naturais por sobre-exploração começaram a ficar mais claros e perceptíveis no nosso dia a dia, causando uma série de problemas e desastres naturais.
Ainda assim, dada toda a inércia na maneira de pensar, a confiança na resiliência do sistema e o uso de práticas de produção agrícola e de industrialização não-sustentáveis, o que vemos em muitos casos é que alguns produtores responsáveis por esses impactos não se sensibilizam com esse problema e pensam que “não é problema deles”, já que o foco é no aumento da produtividade. Na verdade, talvez muitos desses produtores e empresários bem-sucedidos nem entendem que existe um problema de fato. Mesmo com toda a discussão acontecendo e todas as ações de divulgação científica e educação ambiental, em muitos casos há campanhas orquestradas de desinformação sobre vários pontos envolvendo a agenda ambiental, como relatam os historiadores da ciência Naomi Oreskes e Erik Conway, em seu excelente “Mercadores da Dúvida”, publicado em 2011 (infelizmente ainda sem tradução para o português, mas leiam aqui uma excelente resenha e síntese). De qualquer modo, de forma consciente ou não, essas pessoas podem simplesmente ignorar que os ribeirinhos, os povos originários e as pessoas de poder econômico mais baixo estão sendo prejudicadas, e esse seria realmente o cenário “clássico” que era aceito (ou que existia sem grandes questionamentos…) 30-40 anos atrás. Isso se insere no contexto do que se chama “Tragédia dos Comuns”, um conceito criado pelo ecológo Garrett Hardin, em 1968. A ideia é que os recursos (naturais) de uso coletivo (como, neste nosso exemplo, a água) são explorados de forma descontrolada por alguns indivíduos que agem em benefício próprio, sem considerar o impacto coletivo dos problemas que podem ser desencadeados pelo uso!
Uma vez que o mecanismo subjacente à tragédia dos comuns parece ser intrínseco ao modelo capitalista dominante na nossa sociedade no início do século XXI, o Governo, nas suas diferentes esferas (federal, estadual ou municipal), passou a regulamentar o uso do recurso natural (água), a partir do dever e da obrigação de defender a sociedade de modo geral dos interesses mais gananciosos de alguns indivíduos ou instituições. Na verdade, essa ideia está explícita na Constituição Federal de 1988 que, em seu Artigo 225, estabelece que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Assim, de forma inequívoca, fica claro que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que o poder público tem o dever de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações. Mas do que estamos falando? O que significa ter direito ao ambiente equilibrado, e como esse direito se relaciona a outros direitos inalienáveis do indivíduo? Nada é tão simples, mas no contexto do (falso) dilema, o Governo vai ter que mediar o conflito e resolver os impasses, mas isso, paradoxalmente, reforça a ideia de que EXISTE um dilema (já que há na prática interesses conflitantes a mediar). Entretanto, o que temos visto é que o interesse e a capacidade do Governo de mediar esses conflitos depende fortemente de questões políticas, ideológicas e econômicas, o que nos leva de volta à aprovação do PL 2.159/2021! É importante ressaltar que, apesar de algumas tendências, não se trata de uma questão de “esquerda” ou de “direita” (nunca é tão simples assim…), e no caso específico deste PL há disputas sobre a sua relevância entre os ministérios dentro do mesmo Governo.
Qual a solução para esse enorme e complexo problema, então, já que a própria capacidade de mediação do Governo depende de questões políticas e econômicas, criando um círculo vicioso? O ponto central é que o PL parte do princípio de que existe o dilema entre conservação e desenvolvimento e um conflito de interesses nessas ações e que precisa ser “resolvido” de forma ágil e de modo a não atrapalhar esse suposto desenvolvimento e em grandes projetos estratégicos do próprio Governo. Mas, reforçando, essa concepção é ultrapassada, e notem que, de fato, o próprio conceito de “tragédia dos comuns” foi pensado formalmente em 1968! Entretanto, está cada vez mais claro que esse conflito e o dilema simplesmente não são bem verdades…Vamos então voltar ao exemplo de um grande agricultor e empresário bem-sucedido do agronegócio na beira do Araguaia e ver na prático qual é a “tragédia dos comuns”.
Em um primeiro momento, é simples pensar que, se o turismo e a pesca no Araguaia estão em conflito com atividades agrícolas de grande escala, o que temos é, de fato, uma disputa de interesses econômicos, ou seja, é preciso “equilibrar” essas diferentes atividades. Seria, por exemplo, uma questão de colocar na balança (comercial) quanto vale a pesca e o turismo associado a ela, e quanto vale a produção agrícola em uma dada região? Então, o Governo teria que mediar não entre conservação e desenvolvimento, mas sim entre diferentes “modelos” de desenvolvimento ou atividades econômicas, com diferentes impactos potenciais ao ambiente e aos recursos hídricos na região, e isso é um pouco mais complexo (na verdade, bem mais complexo…). Claro que a produção agrícola é extremamente importante e precisamos alimentar uma população que já ultrapassa 8 bilhões de pessoas em todo o mundo. Alguns argumentam que as grandes plantações e pastagens, em nosso modelo econômico de agronegócio de grande escala e visando principalmente o mercado externo, poderiam ser, pelo menos em parte, substituídas por pequena produção e práticas camponesas e de agricultura familiar para produção de alimentos. Poderíamos diminuir a pecuária com mudanças na dieta e reduzindo culturalmente o consumo de carne, reduzindo emissões de gases de efeito estufa e, em princípio, reduzindo as mudanças no clima. É possível, certamente, mas mesmo com a adoção de práticas modernas e alta tecnologia para a pequena produção, não está tão claro que essas pequenas propriedades causem menos impactos ao ambiente, dependendo do adensamento populacional humano e do consequente alto nível de fragmentação da paisagem (e lembrando que em geral essas práticas e tecnologias estão bem menos acessíveis para os pequenos produtores). Além disso, todo o balanço entre produção familiar e camponesa e agronegócio com fins de exportação envolve questões bem mais complexas e delicadas, incluindo macroeconomia e geopolítica em escala global, no mercado de commodities, por exemplo.

A escolha entre as atividades e seus modelos de produção envolve, além do balanço econômico, questões ideológicas e de valores, o que explica uma certa polarização política das questões ambientais, inclusive a divisão dos partidos políticos e indivíduos que aprovaram ou não o PL (reforçando que o próprio Governo está dividido quanto à essa questão). Poderíamos chegar à conclusão de que o turismo é mais importante e rentável, e impõe menos risco ao meio ambiente, de modo que seria desejável diminuir, ou mesmo eliminar, a agricultura e a pecuária da região. Mas aí como fazemos em relação à produção de alimentos, direta ou indiretamente (no contexto da macroeconomia e da geopolítica)? Alternativamente, poderíamos concluir que atividades de turismo menos nocivas sob um ponto de vista ambiental não são economicamente viáveis e factíveis, e que não há como resolver o problema da produção de alimentos e viabilizar de outra forma o agronegócio, então podemos avançar com a expansão da agricultura e pecuária a qualquer preço e em detrimento de suas implicações para outras atividades, como a pesca e o turismo.
Ao ignorar as questões ambientais é frequente que os setores produtivos da sociedade, com apoio do Governo em muitos casos, priorizem lucros e retornos imediatos ou de curto prazo, acreditando que no futuro haverá tecnologia para reverter a degradação ambiental e reestabelecer certos equilíbrios. Sendo assim, teríamos uma decisão consciente e racional por um caminho futuro, mas é preciso termos consciência de que essa é uma aposta MUITO alta, já que, apesar do otimismo em alguns setores e a disponibilidade crescente de novas tecnologias, há muitos desafios para superar, principalmente por causa dos custos e da falta de interesse de “sair da zona de conforto” de muitos setores. Além disso, esse é só o começo da história, porque temos então um problema em escalas geográficas mais amplas (regional, nacional ou mesmo global), e voltamos assim à tragédia dos comuns.
Vamos assumir, no cenário hipotético acima, que o produtor e empresário do agronegócio simplesmente não se importa com os outros moradores da região que também usam o rio para outras atividades e, assim, continua com práticas inadequadas de uso da água e de outros recursos naturais em sua região. O problema é que, em curto/médio prazo, os problemas no rio vão passar a afetar os seus próprios empreendimentos, e isso é MUITO claro no caso da água como um bem comum. Vai começar a faltar água para irrigar suas próprias plantações, ou ele ou ela terá problemas com a qualidade da água que o próprio empreendimento e a sua família consomem e precisam. Mais importante, a redução de água do rio não é apenas efeito da sua própria prática, mas da soma de todos os demais agricultores e empresários na bacia como um todo, ou mesmo além dela. Se um agricultor com uma propriedade menor adota práticas adequadas de uso dos recursos naturais, mas seu colega, que possui uma propriedade ainda maior ao seu lado, não faz o mesmo, todos sofrem as consequências… Na verdade, esse problema de escala cria um efeito “em cascata”, e sabemos hoje que todo o sistema hidrológico do Brasil está comprometido. Em grande parte, essa perda é por excesso de uso (não necessariamente indevido ou em desacordo com a legislação, apenas gerado por um maior consumo devido a uma população maior e expansão da agricultura) mas também por efeitos em escala ainda maior, como em função de mudanças climáticas globais! Assim, um agricultor no Araguaia, ainda que adote boas práticas em relação ao uso da água, está sendo prejudicado não só por outros empreendimentos na bacia, mas também por problemas em outras regiões do Brasil e mesmo em outros países do mundo, cuja industrialização historicamente acelerou processos de mudança climática global!
Em última instância, ninguém está imune à tragédia dos comuns, por mais rico e bem-sucedido que seja. De fato, Hardin escreveu ainda em 1968 que “…Estamos presos a um sistema de ‘sujar o próprio ninho’ enquanto continuarmos agindo apenas como indivíduos independentes, racionais e guiados pelo livre mercado”. É por isso que temos que reforçar ações globais promovidas por órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), inclusive em termos das “Conferências das Partes” (COPs), como teremos em Belém no final de 2025. E, ironicamente, justamente no ano em que o Brasil irá sediar a COP30, para discutir impactos das mudanças climáticas e globais, flexibilizamos a nossa legislação ambiental, abrindo ainda mais a possibilidade de termos problemas cada vez mais sérios que afetam nossa própria sobrevivência como espécie e civilização.
Esperamos que a questão do falso dilema tenha ficado clara. Em resumo, a questão é que precisamos conservar a natureza e os recursos naturais para continuar nosso desenvolvimento econômico e social. Não é uma questão de equilibrar setores em termos de perdas e ganhos, mas simplesmente de garantir que esses setores continuem a existir para as futuras gerações, e é isso que significa, de fato, “desenvolvimento sustentável”. Não temos mocinhos e vilões nessa história, literalmente estamos todos no mesmo barco (e no mesmo planeta). As discussões entre “desenvolvimentistas” (exemplificado pelo agronegócio em grande escala, por exemplo) e “ambientalistas” não é nada produtiva e vai ser de pouca ajuda, embora provavelmente foi importante para forçar algumas compreensões há 40-50 anos atrás…As perdas de médio/longo prazo e os gastos com os problemas ambientais, como no caso de catástrofes naturais e perdas de safra ou de produtividade, precisam começar a ser contabilizados de forma mais séria a fim de evitar falácias de que o custo de adotar práticas sustentáveis é muito elevado e diminui os lucros do setor produtivo (isso só é verdade em curtíssimo prazo). Não estamos, infelizmente, falando só de preservar a biodiversidade em um contexto “romântico” e ingênuo, estamos falando de permitir que o desenvolvimento (social e econômico) continue. Temos que lembrar que a biodiversidade pode (e deve) ser pensada hoje também em termos de recursos naturais que podem trazer diferentes contribuições para a humanidade, incluindo aspectos materiais e não-materiais, trazendo bem-estar para as pessoas, e isso é o que queremos dizer quando falamos que há valor na floresta ou no Cerrado “em pé”, uma concepção que simplesmente não fazia sentido 40 ou 50 anos atrás. É preciso que todos os setores entendam os problemas que o uso indiscriminado de recursos naturais e os impactos de nossas atividades econômicas causam no funcionamento dos ecossistemas em diferentes escalas geográficas e em curto, médio e longo prazos. Mas como a conscientização ambiental, apesar de sua importância, em geral não funciona para todos, é preciso que o Estado continue cumprindo o seu papel e mantenha em mente o que diz o artigo 225 da Constituição Federal, monitorando e fiscalizando todas as práticas e protegendo o bem comum e o direito de todos. Minimamente, é preciso cumprir a legislação vigente (por exemplo, o Código Florestal Brasileiro), e nesse sentido é importante que outras instituições, como o Ministério Público Federal (MPF), apoiem essas ações de regulamentação e fiscalização e possam atuar em políticas públicas que garantam os direitos fundamentais. No caso do Araguaia, vimos esse tipo de iniciativa integradora na elaboração da “Carta do Araguaia”, publicada em 2024 após um evento científico organizado pelo MPF envolvendo diversos atores da sociedade.
Ainda há tempo de reverter o PL e impedir seus efeitos danosos. Isso não significa que não há problemas para resolver e que mudanças tanto na legislação quanto na diminuição de burocracia e nas práticas de monitoramento e fiscalização dos diferentes órgãos não sejam necessárias. Mas é preciso fazer isso a partir de um discussão aprofundada e cientificamente embasada, sobre os impactos da destruição dos recursos naturais nos processos de produção e como estes podem ser aprimorados a fim de estabelecer práticas sustentáveis, aproveitando inclusive os serviços e recursos provenientes dos ecossistemas, pensando no que tem sido chamado de “soluções baseadas na natureza”. Apenas assim teremos efetivamente uma perspectiva de desenvolvimento sustentável que garanta às futuras gerações uma melhor condição econômica e social.
*José Alexandre Felizola Diniz Filho – Professor da UFG e coordenador científico do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e pesquisador no PPBio Araguaia.
João Carlos Nabout – Professor na Universidade Estadual de Goiás, coordenador da Atividade de “Biodiversidade Aquática” no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisador no “PPBio Araguaia”.
Thannya Nascimento Soares – Professora da Universidade Federal de Goiás, pesquisadora no “PPBio Araguaia”.
Levi Carina Terribile – Professora da Universidade Federal de Jataí, Vice-Coordenadora da Atividade Dinâmica espaço-temporal da sustentabilidade socioambiental Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisadora no “PPBio Araguaia”.
Ludgero Cardoso Galli Vieira – Professor da Universidade de Brasília (FUP/UnB) e Vice-Coordenador do programa “Araguaia Vivo 2030” e do “PPBio Araguaia”.
Fabrício Barreto Teresa – Professor na Universidade Estadual de Goiás, coordenador da Atividade de Turismo e Pesca no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Leandro Silveira – Presidente do Instituto Onça-Pintada (IOP), Executor do Projeto Araguaia – Corredor da Onça
Anah T. A Jácomo – Diretora Executiva do Instituto Onça-Pintada (IOP), Executora do Projeto Araguaia – Corredor da Onça
Luciane Martins de Araújo – Advogada, Professora e Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
José Antônio Tietzmann e Silva – Advogado, Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás (PPGDP/UFG) e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
Mario Lucio de Avelar – Procurador da República.
Mariana Pires de Campos Telles – Professora da PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenadora geral do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG e coordenadora do PPBio Araguaia, da PUC Goiás/CNPq.