COMPARTILHAR

Luiz Felipe Fernandes/SciDev.Net

Em um encontro marcado pela defesa do multilateralismo e pelo esforço de construção de uma ordem internacional mais equitativa, os chefes de Estado do BRICS – grupo de articulação política, econômica e diplomática de países do Sul Global – destacaram a ciência, a tecnologia e a inovação como componentes importantes de uma agenda comum para o desenvolvimento sustentável.

Declaração do Rio de Janeiro, divulgada ao fim da 17ª Cúpula do bloco, realizada nos dias 6 e 7 de julho, incorporou temas como governança da inteligência artificial, inovação tecnológica, saúde global e transição energética – todos apontados pelo Fórum das Academias de Ciências do BRICS, realizado duas semanas antes, também no Rio.

Embora a Declaração não mencione explicitamente a criação de uma estrutura permanente de cooperação científica entre os países do bloco, como sugerido pelas Academias de Ciências, o documento reafirma o papel da colaboração para “forjar novas forças produtivas para o desenvolvimento dos países do BRICS e promover o desenvolvimento sustentável”.

A Declaração ressalta a recente adesão de mais instituições na Universidade em Rede do BRICS (BRICS-NU), que soma agora 137 participantes. É o maior número de instituições participantes por país em uma década de sua criação.

“Achei extremamente relevante que os líderes dos países do BRICS tenham pautado a ciência, e pautado tópicos muito semelhantes aos que nós pautamos. Foi uma grande vitória”, afirmou a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, que presidiu o Fórum das Academias de Ciências do BRICS.

Para ela, a Cúpula realizada no Brasil representou uma mudança em relação à incorporação dos temas de ciência e tecnologia nos acordos internacionais.

“O documento deixou muito claro para onde o Sul Global tem que caminhar. Ficou evidente que o Sul Global tem que se unir – para a política, educação, ciência, saúde, defesa do meio ambiente, para tudo”, afirma Nader.

De acordo com um levantamento feito pelo pesquisador Odir Dellagostin e apresentado no Fórum das Academias de Ciências do BRICS, o número de artigos publicados por pesquisadores de países do bloco nas principais revistas científicas do mundo aumentou mais de 10 vezes entre 2000 e 2024.

Em 2022, a soma de artigos dos BRICS superou, pela primeira vez, a do G7 – o grupo das sete maiores economias do mundo. Para a presidente da ABC, o que falta é mais colaboração entre os países.

Bloco ampliado

A 17ª Cúpula do BRICS teve como tema Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável.

O bloco, originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, conta agora com a participação do Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Irã e Indonésia. Na categoria de países parceiros, também integram o grupo Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbesquistão.

Na abertura do evento, o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas ao que chamou de “colapso do multilateralismo”.

“Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em cheque. Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio estão ameaçados”, discursou.

Como país-sede, o Brasil pôde estabelecer os temas prioritários da agenda. Entre os seis tópicos definidos pelo país estiveram a melhoria na regulação e supervisão da inteligência artificial, e a criação de novos instrumentos para a transição energética e o enfrentamento às mudanças climáticas.

Em relação ao primeiro tema, foi lançada a Declaração dos Líderes do BRICS sobre Governança Global da Inteligência Artificial, com foco no desenvolvimento de tecnologia em código aberto.

“O desenvolvimento da inteligência artificial não pode se tornar privilégio de poucos países ou um instrumento de manipulação na mão de bilionários”, disse o presidente do Brasil.

A ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, Luciana Santos, classificou como estratégica a inclusão dessas pautas nas discussões do encontro. “Foi uma sinalização clara do presidente Lula aos parceiros internacionais, para mostrar que a ciência voltou a ser prioridade de Estado”, disse.

Como resultado, a ministra cita o acordo com o Vietnã para a colaboração tecnológica nas áreas de semicondutores e inteligência artificial, e a criação do Centro China-Brasil de cooperação em inteligência artificial.

Mudanças climáticas

Os líderes do BRICS também defenderam uma transição energética justa e o fortalecimento do financiamento climático para os países em desenvolvimento.

O documento cobra das nações ricas o cumprimento das metas estabelecidas no Acordo de Paris, incluindo apoio financeiro e transferência de tecnologia, e critica o uso de critérios ambientais como barreira ao comércio internacional.

Um dos principais anúncios foi a Declaração-Marco dos Líderes do BRICS sobre Finanças Climáticas, que estabelece diretrizes para promover investimentos inclusivos e coordenados na área ambiental, com foco especial na COP30, que será sediada pelo Brasil em 2025.

Já na área da saúde, a Cúpula lançou a Parceria do BRICS para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas, que pretende integrar esforços na prevenção e combate a enfermidades ligadas à pobreza, exclusão social e vulnerabilidades ambientais.