“Esse decreto que criou o Condomínio é uma aberração jurídica”, diz Bruno Marinho, advogado integrante do Observatório de Políticas Socioambientais do Estado de Goiás sobre o documento expedido pela Prefeitura de Pirenópolis que aprovou a construção de um condomínio em área de preservação ambiental. O documento, publicado no dia 10 de outubro, dispõe sobre a aprovação do loteamento fechado denominado “Loteamento Residencial Pirenópolis XXI”, com nome fantasia “Aldeia dos Pirineus” (confira completo ao final).

Bruno explica que esse decreto padece do vício de nulidade absoluta, sendo mesmo uma aberração jurídica, pois na prática promove o reordenamento territorial de Pirenópolis por via de simples Decreto Municipal, o que na verdade somente poderia ser feito apenas na revisão do Plano Diretor da Cidade.

“A área do entorno do loteamento aprovado é conhecida por possuir inúmeros sítios arqueológicos de lavras de mineração dos tempos coloniais, o que obriga necessariamente a participação do IPHAN na discussão técnica da matéria”, completa Bruno.

A área liberada pelo prefeito é destinada à criação do parque Linear Rio das Almas. O documento contradiz o próprio plano diretor vigente do município, que destinou a área para a criação do parque. “O rio das Almas vem sendo negligenciado há muito tempo e deveria ter se tornado esse parque municipal. O prefeito alega que a prefeitura não tem dinheiro para desapropriar, mas se ele alega a área somente da APP do parque e fazer o decreto transformando a APP do rio das Almas em parque municipal, nem precisa desapropriar. Ele pode ser considerado um monumento natural, o rio das Almas. E monumento natural é uma reserva que não implica desapropriação”, disse um ambientalista do município que optou por não se identificar.

As APPs (Área de Preservação Permanente) do Estado de Goiás devem ser protegidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). O Parque Estadual dos Pirineus (Pirenópolis, Cocalzinho de Goiás e Corumbá de Goiás) é uma unidade de conservação e a Área de Proteção Ambiental dos Pireneus (APA Pireneus) também deveria ser.

“Esse decreto dispõe sobre a aprovação de parcelamento de solo urbano, na forma de Loteamento com “Concessão de Fechamento”, denominado Loteamento Fechado, observando os preceitos legais pertinentes, especialmente ao Capítulo IV Art. 19 da Lei Complementar 007/05, da Lei Complementar n° 002/02 (Plano Diretor) de 12/12/2002, e da Lei Complementar n° 141/82 (Parcelamento de Solo)”, diz trecho do documento assinado pelo prefeito Nivaldo de Melo.

Pelo documento, as plantas do Residencial, memorial descritivo e a listagem dos lotes, encontram-se “de acordo” com a análise da secretaria municipal de meio ambiente e urbanismo (Semau), ressaltando-se, porém, que “todas as obrigações impostas no momento do licenciamento ambiental deverão ser cumpridas antes do levantamento das cauções”.

Decreto da Prefeitura de Pirenópolis. | Foto: Prefeitura de Pirenópolis

Segundo o relato dos moradores, na cabeceira do córrego barriguda está acontecendo uma obra que move muita terra e, quando chove, a terra é levada para dentro do córrego, deixando a água barrenta. O córrego Barriguda é o que abastece a cidade com água potável. Na cachoeira das Andorinhas foi feito um muro de pedra até o leito do córrego barriguda, área de APP, fechando o corredor ecológico deste córrego .

Procurada pelo Jornal Opção, a Semau ainda não se manifestou.

Vestígios arqueológicos de lavra no local, o que pressupõe o interesse do Iphan no assunto. | Foto: Arquivo

A maioria das denúncias ao Jornal Opção têm sido feitas em anonimato, porque os moradores temem a repressão da administração pública. A vereadora Ynaê Siqueira Curado (UNIÃO), por exemplo, tem sido ameaçada nas redes sociais e perseguida pessoalmente. Uma das únicas oposições à gestão de Nivaldo Antônio de Melo, ela veio a público na última quarta-feira, 13, esclarecer a situação.

Em nota, disse que tornou-se alvo de perseguição por um indivíduo nas redes sociais. A pessoa chegou a procurar Ynaê pessoalmente para o confronto (confira o relato abaixo).

Nota de Esclarecimento publicada por Ynaê nas redes sociais. Foto: Instagram

Na última semana, ela havia denunciado uma licitação feita pela Prefeitura de Pirenópolis no valor de R$ 436 mil. “Surpreendente! Pirenópolis já possui 21 picapes/camionetes (L200, Amarok, Strada, Saveiro, Montana), sem contar dezenas de carros de passeio. E agora a prefeitura quer gastar quase meio milhão em mais veículos, priorizando novamente a compra de camionetes e um carro. Uma inversão de prioridades”, desabafou.

O prefeito de Pirenópolis, Nivaldo Antônio de Melo, é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por improbidade administrativa. Segundo as investigações, recursos foram desviados da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) para fins de interesse pessoal do prefeito.

Além de Ynaê, outros dois são da oposição: Floriano de Sousa Lobo (Republicanos) e Mozarto Dias Machado (MDB). Da base aliada ao prefeito são: Edilberto Alves (Solidariedade), Ana Abadia Feliciana Triers (PP), Adalberto Moreira (MDB), Vanildo Alves Chaveiro (MDB), Carlston Aurelio Rodrigues Aires (PP), Leandro Basilio (PSL), Joassi Jose Figuereido (PP).

Licenças ambientais e como elas são concedidas

“Como Pirenópolis, por picuinhas políticas, não criou condições legais para uma expansão urbana planejada e regular, o crescimento ocorreu de forma desordenada e ilegal. Ou vc acha que se uma pessoa tivesse condições de adquirir um lote em local regular, ela compraria um terreno clandestino? Óbvio que não! E nem o Município, o Estado, o Ministério Público, o Judiciário, o Legislativo, polícias, e etc, conseguiram evitar que um grande número de pessoas migrassem para áreas loteadas sem autorização”, diz o secretário do meio ambiente, Cesar Augusto Feliciano Triers, sobre as construções em áreas irregulares. Cabe a secretaria municipal de meio ambiente e urbanismo, no entanto, o papel de fiscalizar.

A Licença Ambiental Simplificada (LAS) é concedida antes de iniciar-se a implantação do empreendimento ou atividade e, em uma única fase, atesta a viabilidade ambiental, aprova a localização e autoriza a implantação e a operação de empreendimento ou atividade, estabelecendo as condições e medidas de controle ambiental que deverão ser atendidas.

A concessão da LAS geralmente está associada à classificação do empreendimento quanto ao grau de impacto ambiental gerado, sendo aplicada à empreendimentos ou atividades de pequeno ou micro porte e baixo potencial poluidor. A Licença Única (LU) substitui os procedimentos administrativos ordinários do licenciamento prévio, de instalação e operação do empreendimento ou atividade, unificando-os na emissão de uma única licença, exigindo-se as devidas condições e medidas de controle ambiental.

De acordo com a Semau, a maioria dos empreendimentos são licenciados e atuam com o aval da prefeitura.

Segundo o site oficial da prefeitura, entre as funções da pasta ambiental estão:

I – coordenar, elaborar e executar a política de recursos hídricos e de proteção e preservação da biodiversidade em âmbito municipal;

II – coordenar, analisar e executar as atividades de controle ambiental, deliberando sobre o licenciamento ambiental e a avaliação dos empreendimentos de impacto e das respectivas medidas mitigadoras ou compensatórias;

III – planejar, implementar e coordenar a política de enfrentamento das mudanças climáticas do Município e incentivar estratégias de desenvolvimento sustentável;

IV – elaborar, coordenar e executar políticas públicas voltadas à proteção e à defesa dos animais;

V – normatizar, monitorar e avaliar a qualidade ambiental do Município no que diz respeito aos parâmetros hídricos, atmosféricos, climáticos, de poluição do solo, radiológicos e referentes à manutenção e conservação da biodiversidade e da arborização urbana;

VI – normatizar, monitorar, executar e avaliar a fiscalização de controle ambiental no Município em colaboração com outros órgãos e entidades da administração municipal;

VII – elaborar e implementar planos, programas, pesquisas, projetos e atividades para a promoção da política ambiental;

VIII – coordenar e articular as políticas de planejamento, regulação e fiscalização urbana para o desenvolvimento urbano sustentável;

O Ministério Público de Goiás (MPGO) também tem atuado em operações contra os condomínios em áreas irregulares e sobre o parlelamento errado do solo. Os chacreamentos irregulares, no entanto, estão tomando conta do município e a divulgação é aberta, feita inclusiva pelas redes sociais (confira abaixo).

Lotes à venda. Foto: Redes Sociais

Omissão do Iphan

Sérgio Oliveira, arqueólogo do Iphan Goiás, explica que todos os empreendimentos, mesmo com licença ambiental, devem consultar o Instituto antes da construção. “Não é porque o empreendedor obteve a licença ambiental que ele pode implantar o empreendimento e não vai ter problema com o Iphan, porque ele vai ter. Todo empreendimento, seja imobiliário ou condomínio de chácara, precisa do licenciamento do Iphan para ser construído”, explicou ao Jornal Opção.

Cabe ao Iphan proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras. Os moradores e ambientalistas, no entanto, denunciam a omissão do Iphan Goiás na fiscalização ambiental de pirenópolis. Eles denunciam que a cidade foi tomada pela especulação imobiliária.

“Percebemos que nos últimos anos que houve um aumento do trânsito pesado na área
tombada da cidade, caminhões de entrega de mercadoria e outros tipos de veículos pesados
vem sendo vistos transitando no centro histórico, causando assim o abalo dos casarões
coloniais e destruição dos postes de iluminação”, denunciam os moradores.

Na última semana, um documento foi entregue ao presidente do Iphan Nacional, Leandro Grass, solicitando providências “urgentes e emergenciais” visando a salvaguarda do patrimônio material e imaterial de Pirenópolis.

Documento entregue ao presidente do Iphan Nacional, Leandro Grass. Foto: Arquivo

A reportagem procurou o coordenador técnico do Iphan Goiás e a diretora do escritório de Pirenópolis, mas não obteve retorno. Procurada, a assessoria do Iphan Goiás ainda não retornou. O espaço segue aberto.

Parque Estadual dos Pirineus (PEP)

Possuem características únicas que o torna de valor singular, dentro da área está localizado, o segundo maciço mais alto do Estado de Goiás, o Pico dos Pireneus com 1.380 metros de altitude. O local é um dos divisores das Bacias Tocantins e Paraná. Vários córregos nascem no alto da Serra dos Pireneus, formando o Rio das Almas e o Rio Corumbá, que além da importância ecológica, abastecem diversas comunidades da região.Atos Legais e de Criação

Foi criado pela Lei nº 10.321, de 20 de novembro de 1987, alterada pela Lei nº 13.121, de 16 de junho de 1997. O Decreto nº 4.830, de 15 de outubro de 1997, estabelece a área e os limites do Parque.