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O livre exercício de cultos religiosos e a liberdade de crença são direitos protegidos pela Constituição, mas o Brasil tem testemunhado um aumento preocupante de casos de desrespeito e ataques, de acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, estão entre as cinco mais seguidas no Brasil, com mais de um milhão de adeptos, enquanto os católicos praticantes representam a maioria, com cerca de 123 milhões, seguidos pelos evangélicos, totalizando 113 milhões, segundo o IBGE.

As denúncias de intolerância religiosa ao Disque 100, um serviço do governo, aumentaram consideravelmente, especialmente após 2021, um ano após o início da pandemia da Covid-19.

O número de denúncias passou de 615 em 2018 para 1.418 em 2023, um aumento de 140,3%, enquanto as violações, que englobam diversos tipos de violência, subiram de 624 para 2.124 no mesmo período, representando um salto de 240,3%.

Entre 2022 e 2023, houve um aumento de 64,5% nas denúncias e de 80,7% nas violações. No ano de 2023, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia lideraram em termos de denúncias.

“Esses dados são alarmantes. Cada vez mais a população tem compreendido que cenários, situação onde há violência, agressão em razão da religiosidade da pessoa se trata, sim, de uma violação de direitos humanos”, destaca o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira.

Para enfrentar esse problema, o governo estabeleceu a Coordenação de Promoção à Liberdade Religiosa, liderada por uma Ialorixá, Mãe Gilda de Oxum. A intenção é promover a tolerância e garantir a diversidade religiosa no Brasil.

“Esse é o ponto fundamental da discussão, que é a promoção da tolerância e a garantia da diversidade religiosa no Brasil”, completa Teixeira.

Desde janeiro do ano passado, com o fortalecimento das leis, aqueles que praticam crimes de intolerância religiosa podem ser condenados a até cinco anos de prisão, além de multa, conforme a lei 14.532. Essa legislação equipara injúria racial ao racismo e protege a liberdade religiosa, tornando o crime imprescritível e sem direito a fiança.

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Levantamento

A intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo levantamento da startup JusRacial. A organização identificou 176 mil processos por racismo em todo o país.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa corresponde, de acordo com o levantamento, a 43% dos 1,9 mil processos de racismo em tramitação na corte. Nos tribunais estaduais foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao tema, sendo que 29,5 mil envolvem religião.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, com quase 6,5 mil processos, tem o maior número de casos de racismo religioso. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem o maior número de casos de racismo – 14,1 mil -. Desses, 6,3 mil envolvem a espiritualidade de matriz africana. Os tribunais regionais do trabalho reúnem 19,7 mil processos relacionados ao racismo religioso.

Perda de guarda

A vendedora Juliana Arcanjo perdeu a guarda da filha, na época com 11 anos, após levar a menina para receber iniciação no candomblé. “O pai dela, não muito contente com a feitura dela, foi no conselho tutelar e me denunciou por violência doméstica por causa das curas do candomblé e cárcere privado por causa do recolhimento”, conta a moradora de Campinas que chegou a enfrentar um processo criminal.

Mesmo absolvida das acusações, Juliana está há praticamente três anos sem poder ver a filha. “Eles não me concederam nenhuma visita assistida. Nada”, conta a mãe, que se sente injustiçada. “Foi preconceito puro. Porque toda mãe, todo pai tem o direito de levar seus filhos onde se cultua a religião. O crente leva o filho na igreja. O católico leva o filho na igreja e batiza a criança. Agora, o candomblecista não pode levar seus filhos ao candomblé”, reclama.

A última audiência a respeito da guarda da adolescente foi há cerca de três meses. Juliana diz que aguarda que a jovem seja ouvida por uma psicóloga para embasar a decisão do juiz sobre as visitas à filha.