Demarcação de terras indígenas sofreu retrocessos nos últimos anos, alerta especialista

17 novembro 2022 às 08h57

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As demarcações de terras indígenas são importantes, não apenas para a garantia de sobrevivência, tanto física quanto cultural, dos povos originários, mas também uma estratégia extremamente eficaz no combate à crise ecológica e climática. Cerca de 29% das áreas fora de terras indígenas foram desmatadas, enquanto nos territórios protegidos por tais povos foi de apenas 2% este índice, segundo estudo realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) com o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam).
Entretanto, o cenário sofreu com problemas nos últimos anos, segundo o advogado popular Carlos Eduardo Lemos Chaves, especialista na área: “A situação das demarcações sofreu seu maior retrocesso nos últimos quatro anos, dada a declarada política anti-indígena do governo de Jair Bolsonaro (PL), cumprindo promessa de campanha de que, se eleito, não demarcaria um centímetro de terras indígenas”, explicou o Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
“Pior do que isso, ainda causou a maior desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) em todos os tempos”, contou o membro da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia (AATR). “O órgão foi aparelhado com a nomeação de dirigentes ligados ao agronegócio e outros interesses contrários à demarcação das terras indígenas, fora que incentivou a invasão, sobretudo por garimpeiros ilegais, perseguiu funcionários sérios de carreira, enquanto foi praticamente zerou o orçamento destinado às demarcações em todo o país”, completou.
O especialista destaca que houve uma “inovação inconstitucional” do Supremo Tribunal Federal (STF) que pode retirar o direito territorial previsto para os povos que não comprovaram a efetiva ocupação das suas terras tradicionais na data de 5 de outubro de 1988. Caso seja aprovado pelos ministros, o marco temporal pode anistiar o histórico de violência, massacres, perseguições e expropriação enfrentados até hoje pelos povos indígenas. Fora que, ainda, empurra para a ilegalidade as legítimas ações de retomadas de terras que buscam garantir a continuidade da existência de muitos desses povos.
Exigir a posse efetiva das terras até a promulgação da atual Constituição Federal é passar a borracha em todas as invasões de terras indígenas anteriores ao início do processo de redemocratização. Além de tornar ilegais as ações políticas de retomadas, amparadas justamente no reconhecimento aos indígenas de um direito originários sobre suas terras pela Constituição. “É através das retomadas que diversos povos vêm conseguindo a manutenção e preservação de parte de seus territórios, fundamentais para a sua própria sobrevivência digna”, apontou Chaves.
Cabe ressaltar que a demarcação de terras indígenas no Brasil nunca foi tratada com “status de política pública constitucional”, apesar de prevista desde a Constituição de 1934. O advogado salienta que houve um avanço significativo no reconhecimento da territorialidade indígena como direito originário na nova Constituição. Mas pontua que está “vitória” sempre foi ameaçada por medidas do executivo, legislativo e judiciário, com o objetivo de desfigurar os direitos identitários, culturais e territoriais dos povos indígenas.