Reuters explica como médicos e cientistas conseguiram reduzir o impacto do coronavírus na Alemanha

10 abril 2020 às 21h19
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Chinesa contaminou colegas numa indústria. Médicos agiram rápido e reduziram a contaminação. Mas o Instituto Koch admite que a taxa de mortalidade aumentará
Dois repórteres da Reuters, Jörn Poltz e Paul Carrel, escreveram uma matéria — “Os segredos minuciosos de como a Alemanha se preparou para enfrentar o coronavírus” (no Brasil, saiu em “O Globo”) — que deveria ser lida, com atenção, tanto pelo presidente Jair Bolsonaro quanto pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Os jornalistas mostram que tanto diretores de uma empresa quanto o governo da Baviera (maior Estado da Alemanha, com 12,9 milhões de habitantes) agiram rápido em busca de informações precisas de como começou a contaminação na pequena cidade de Stockdort (4 mil habitantes). Lá, na indústria Webasto Group, de autopeças, uma pessoa passou o saleiro para a outra e o coronavírus começou a se espalhar. Médicos e o governo decidiram esmiuçar a cadeia de contaminação e a descobriram com precisão.
Descobriu-se que uma chinesa, que trabalha para a Webasto e mora em Xangai, recebeu os pais, na Alemanha. Eles são de Wuhan, onde surgiu o coronavírus. Já na Alemanha, a chinesa começou a sentir “dores incomuns no peito”. Ainda na Alemanha, manteve contato com alguns funcionários, inclusive com Holger Engelmann (que havia apertado a sua mão), presidente da Webasto. Ao chegar na China, fez o teste e estava com a Covid-19. Ao ser internada, relatou aos gerentes na Alemanha o que havia acontecido com ela. Imediatamente, os executivos informaram ao executivo Engelmann.
No lugar de se alarmar, Engelmann montou uma equipe de crise que, além de alertar as autoridades médicas, decidiu rastrear quem havia mantido contato com a chinesa (seu nome não é revelado).
A paciente de Xangai é apontada como o “Caso Número 0” da Alemanha. Os calendários eletrônicos da Webasto facilitaram a identificação de quem manteve contato com a chinesa. O médico Clemens Wendtner, principal responsável pelo tratamento dos pacientes de Munique, frisa que “foi um golpe de sorte”. Ele diz ter recebido todas as informações de que precisava “para reconstruir as cadeias de infecção”. “Aprendemos que precisamos rastrear meticulosamente cadeias de infecção para interrompê-la”, afirma Wendtner. “Aos testes precoces e generalizados da Alemanha” devem-se o “retardamento da propagação do vírus”. (A maioria da população brasileira foi isolada, mas o número de testes ainda é considerado reduzido. Ao mesmo tempo, com o alastramento do coronavírus, num país continental, não se pôde trabalhar como os alemães, que conseguiram identificar, rapidamente, a origem da contaminação, o que possibilitou diminui-la. Mais testes e mais respiradores, além das máscaras, é o que se deve cobrar do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Antes de transformá-lo em herói, e crucificar o presidente Jair Bolsonaro, de fato errático, é preciso cobrar do ministro mais do que entrevistas para divulgar dados e falar de isolamento das pessoas. Confirmado o pico da doença, entre abril e maio, vai chegar o momento em que, mesmo com parte da população isolada, a estrutura de saúde, congestionada, não terá como atender todo mundo com a devida qualidade. Corre-se o risco de os hospitais terem de aderir à escolha de Sofia.)
Detectado o caso número 0, os médicos chegaram ao caso número 1 — uma pessoa que havia mantido contato com a chinesa. “Trata-se da primeira pessoa da Alemanha a ser infectada pela chinesa. O alemão (ou alemã) havia se sentado ao lado da executiva de Xangai, numa sala pequena.
Em seguida, os cientistas usaram “o sequenciamento genômico completo, que analisa as diferenças no código genético do vírus de diferentes pacientes, para mapear sua propagação”.
Ao seguir as conexões, os cientistas “descobriram que o caso número 4 havia entrado em contato várias vezes com a paciente de Xangai. Este mesmo caso número 4 sentou-se lado a lado com um colega na cantina”. Foi quando, ao passar o saleiro, uma repassou passou também o vírus. Aí o funcionário se tornou o caso número 5. Dezesseis servidores da Webasto tiveram a Covid-19. Eles foram devidamente tratados e estão bem.
Os trabalhadores que testaram positivo foram levados para o hospital, onde ficaram sob observação médica, e também “para os médicos aprenderem com a doença”.
A Baviera, cuja capital é Munique, fechou escolas, lojas, restaurantes, playgrounds e instalações esportivas. Várias empresas decidiram fechar as portas para colaborar com o governo e a sociedade.
A Reuters sublinha que, apesar do sucesso no combate, não se deve sugerir que a Alemanha derrotou o coronavírus (ninguém derrotou — o vírus continua vencendo). Mas os avanços são grandes. “Sua taxa de mortalidade por coronavírus de 1,9% é a mais baixa entre os países mais afetados.” Na Itália, é de 12,6%. “Mas especialistas dizem que mais mortes na Alemanha são inevitáveis.”
O presidente do Instituto Robert Kock (equivalente do Instituto Pasteur, da França), Lothar Wieler, frisa que “a taxa de mortalidade aumentará”.
Os repórteres da Reuters assinalam que “a taxa da Alemanha parece muito menor porque foi amplamente testada. A Alemanha realizou mais de 1,3 milhão de testes, segundo o Instituto Robert Koch. Agora está realizando até 500 mil testes por semana, disse Drosten. A Itália realizou mais de 807 mil testes desde 21 de fevereiro, de acordo com a Agência de Proteção Civil. Com algumas exceções, a Itália só testa pessoas levadas ao hospital com sintomas claros e graves”.
Como agiu rápido e ganhou tempo, o governo alemão teve tempo “para dobrar o número de leitos de terapia intensiva, de cerca de 28 mil”. Mas médicos admitem que, dependendo da expansão do número de doentes, pode não ser suficiente.
Prevendo certo agravamento, mesmo em menor número do que em outros países, o governo alemão “propõe o rastreamento rápido de cadeias de infecção, o uso obrigatório de máscaras em público e os limites de reuniões para ajudar a permitir um retorno gradual à vida normal após o isolamento restrito. O governo está apoiando o desenvolvimento de um aplicativo para smartphone para ajudar a rastrear infecções”.
No Brasil, mesmo sob pressão do governo, as pessoas começam a sair às ruas. Elas argumentam que precisam sobreviver — o que inclui, inclusive, lazer fora de casa, como frequentar bares e, na falta de shoppings, supermercados (que se tornaram shopping centers mais ou menos disfarçados). A flexibilização vai resultar disso: os governos não vão conseguir conter as pessoas por muito tempo. Os mais de mil mortos assustam (100 mil em todo o mundo). Mas os indivíduos insistem que estão preocupados com seus negócios e empregos. Em suma, com a vida que tinha antes.