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Nilson Gomes

O estardalhaço acerca da inclusão dos deputados federais goianos Roberto Balestra e Sandes Júnior na “lista de Janot” é desproporcional, inclusive na injustiça. Somando-se o que realmente há contra eles na petição 5.260, do Ministério Público Federal, e na decisão do ministro Teori Zavascki não dá um tuíte. Ainda assim, os dois documentos provocaram-lhes estragos imensuráveis na reputação. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu e Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, quebrou o sigilo dos nomes. Imediatamente, todos estavam no fundo do poço, pois o prestígio e o respeito do MPF e do STF são muito maiores que os da classe política. Aliás, o MPF e o STF têm prestígio e respeito; os políticos, não.

A fase ainda é de investigação, mas para a plateia basta constar na lista de Janot para o sujeito valer menos que excremento de cavalo de bandido. A leitura das 21 solicitações de abertura de inquérito revela trechos escabrosos sobre diversos dos 47 políticos citados. As atividades de alguns, como os senadores Fernando Collor e Edison Lobão, aparecem detalhadas. Os delatores Alberto Youssef (o doleiro Beto na intimidade) e Paulo Roberto Costa (o Paulinho de Lula, ex-diretor da Petrobras) contam minúcias, quem entregou o dinheiro, onde, como era cada esquema. Diferente de Sandes e Balestra, que merecem exatamente 79 caracteres, 67 sem os espaços: “dentre os deputados que o declarante tem certeza de que receberam valores estão”.

Só isso. Unicamente. Mais nada. A petição do PGR tem 56 páginas e só isso aí contra Balestra e Sandes. Divididos, são 33 letras e meia para cada deputado goiano. A decisão do STF tem exatamente nenhuma letra, nenhum número, nenhum dado, rigorosamente nada contra Sandes, simplesmente nada contra Balestra. Não houve individualização de condutas nem esclarecimento do que cada aprontou e quanto levou precisamente. Não há nem do que eles se defenderem. Estão numa lista com outros 23, nominados possivelmente pela ordem em que foram lembrados pelo doleiro. Não há mais nada, nada, nada. Nenhuma prova, nenhum indício. Nada. Só a palavra do delator. Mais nada. Nada além do nome jogado no pântano por um que deixou o atoleiro graças à língua.

Pode-se dizer, em favor da denúncia, que se Sandes e Balestra forem honestos a verdade vai aparecer durante a investigação. Isso é voltar ao obscurantismo:

1)    Não existe denúncia. Aliás, nem inquérito, que ainda será aberto. Sandes e Balestra não foram nem indiciados e já estão condenados.

2)    Balestra e Sandes não precisam provar sua inocência. O ônus da prova cabe a quem acusa, não aos acusados – aliás, nem acusação houve até agora. Sandes e Balestra não foram nem acusados e já estão condenados.

3)    Se a verdade vai aparecer durante a investigação, por que não se investigou primeiro, produziu provas, ofereceu denúncia, julgou e condenou para só então revelar os nomes? Ser exposto é a parte mais terrível do cumprimento da pena, o que nesse caso ocorreu antes mesmo da investigação.

Político depende de reputação para sobreviver. Uma lista como essa pode matar a carreira, além de manchar indelevelmente a reputação. Sandes e Balestra estão irremediavelmente tisnados. Quem disser numa roda que eles não têm nada com isso vai ser achincalhado pelos amigos. E a verdade é que nos depoimentos dos delatores e nas peças do MPF e do STF não existe nada contra eles. Nada.

Linhas acima da citação aos dois goianos surgem uma gozação e uma quantia. O chiste: os 25 deputados (hoje, um deles é senador) teriam “menor relevância”. A quantia: receberiam mensalão de R$ 30 mil a R$ 150 mil. Não há menção se a referência ao baixo clero e ao dinheiro teria ligação com os parlamentares enumerados a seguir, inclusive Sandes e Balestra. O leitor da petição é levado a crer que são. Ou seja, além de corruptos, incapazes.

Falar mal de político é um esporte internacional. Porém, vale para o meio jurídico o mesmo que para o futebol: a torcida tem o direito de achar o que quiser sem prestar contas do que disser, mas os profissionais da área devem fundamentar suas atitudes.

É fácil odiar o coronelismo de Balestra, que em Brasília é um deputadeco de quinta categoria e no interior de Goiás é perseguidor implacável, o atraso em pessoa.

É fácil rejeitar a jequice dos programas de rádio de Sandes, sua rudeza atávica, as cartas chorosas dos ouvintes, seus prêmios, enfim, o brega em pessoa.

É fácil concordar que Balestra e Sandes são do baixo clero, porque é uma opinião (verdadeira)

Difícil é provar que recebiam mensalão do petrolão, porque embasará uma sentença, não um texto opinativo qualquer.

Difícil é tipificar conduta, lavrar uma acusação formal, pretender pena e condenar alguém com base apenas nos 33 caracteres e meio baseados em delatores sem nenhum caráter.

Mesmo que Costa e Youssef fossem as pessoas mais probas do mundo.

Mesmo que Beto e Paulinho fossem a Madre Teresa de Calcutá e a Mãe Menininha do Gantois, o Mandela e o Luther King, Tostão e Pelé, Liu e Léo.

Mesmo que o papel de delator fosse nobre.

Mesmo assim seria necessário juntar prova cabal para processar e condenar e, depois, revelar os nomes.

Cadê prova material? Ah, virá com a investigação. Será? Alguns dos mais elogiados investigadores do mundo, integrantes da Polícia Federal e do MPF do Paraná, estão na nona fase da Operação Lava-Jato e produziram provas realmente robustas contra dezenas de pilantras. Contra Sandes e Balestra, 33 caracteres e meio para cada, até porque eles são do baixo clero. Será que em novos meses de investigação surgiriam documentos contra Sandes e Balestra? Surgiram contra vários outros. Contra os dois goianos, não. Para condená-los, não é suficiente sabê-los bregas, coronéis e de baixo clero. É preciso ter prova. Nada de teoria do domínio do fato, criada para punir nazista. É preciso ter prova.

Há outros que saem das peças no mesmo estilo de Sandes e Balestra, sem nada que os incriminem. Dois deles, graúdos: o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o senador Antonio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais. Mesmo quem detesta Anastasia e Cunha não pode detestar o estado democrático de direito, que depende de provas para condenar. Quer dizer, pode-se até detestar o estado democrático de direito, mas quem vive nele tem de seguir regras inclusive para punir seres odiáveis como os políticos.

Atirar Sandes, Balestra, Anastasia e Cunha no mesmo balaio de Lobão, Renan, Youssef e Costa não desmerece o documento elaborado após excelente trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Agentes, delegados e procuradores da República cumpriram o seu papel com brilhantismo e ajudaram a melhorar o Brasil, a salvar a Petrobras e a limpar a política. Cabe a Zavascki e aos outros três componentes da Segunda Turma do STF (Cármen Lúcia, Celso de Mello e Gilmar Mendes) a próxima e principal etapa: separar o que tem fundamento do que é apenas lorota.

Nilson Gomes é jornalista.