COMPARTILHAR

O Brasil da impunidade pode começar a ser justo se for quebrado o sigilo que esconde a individualização da conduta e a identificação do autor de tanto sofrimento

Nilson Gomes

Especial para o Jornal Opção

A CPI da Pandemia, que revelou para o Brasil a senadora Simone Tebet (MDB), entrevistou diversos especialistas. E eles revelaram horrores. Um cientista, o epidemiologista Pedro Hallal, apresentou um dado assustador de pesquisa realizada acerca das chacinas em cada esquina: quatro em cada cinco mortos pelo coronavírus poderiam ter sido salvos se o governo federal tivesse agido adequadamente.

A receita de Pedro Hallal para preservar vidas era o oposto do que fez o presidente Jair Bolsonaro: “Apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas” — conforme está no site do Senado, que cobriu a participação do pesquisador na CPI.

522 mil dos 688 mil mortos até quinta-feira, 3, poderiam estar convivendo com seus amores, amigos e familiares se Bolsonaro não fosse tão… Bolsonaro

Por esse cálculo, 522 mil dos 688 mil mortos até quinta-feira, 3, poderiam estar convivendo com seus amores, amigos e familiares se Bolsonaro não fosse tão… Bolsonaro.

A falta de providências elementares, como a compra de vacina quando foi oferecida, seis meses antes, teria poupado mais de 120 mil vidas.

Pedro Hallal: “Bolsonaro errou 100% na condução da pandemia” | Foto: Reprodução

O cientista Pedro Hallal concluiu: “Os cientistas não estão 100% certos sempre, estar 100% certo é muito difícil, mas o presidente errou 100% na condução da pandemia, e isso também é muito difícil”.

Mesmo que a ciência esteja 100% correta, o País está 100% ciente de que nada vai acontecer a quem errou 100% e se tornou 100% responsável pela carnificina.

O Direito brasileiro, uma epidemia ininterrupta que também custa caro ao cidadão, proíbe a responsabilidade objetiva. Ou seja, para que o presidente da República, ministros e outras autoridades respondam pelo extermínio de mais de meio milhão de humanos vai ser preciso provar que agiram com culpa (negligência, no caso) ou dolo (vontade de matar).

O nome desta terra é Brasil e o sobrenome é impunidade, mas é possível mudar para justo. E o justo é, no mínimo, que o próximo presidente, Lula Silva, forme representativa Comissão da Verdade para apurar os delitos contra a vida cometidos durante a pandemia.

Milhões de vítimas escaparam das covas, porém vegetam sepultadas vivas na dor das perdas irreparáveis. Guardam as imagens de seus entes queridos agonizando, como as imitou o presidente da República.

Viram seu parente entubado. Viram seu amigo sair de casa são para nunca mais, sequer puderam acompanhar o sepultamento, até porque o presidente da República não é coveiro.

Lula da Silva marcou para 1/1/2023 a quebra dos sigilos de 100 anos decretados por Bolsonaro. Poderia na mesma data nomear a Comissão da Verdade, com pessoal e recursos suficientes para dar nomes, individualizar condutas, provar a materialização dos crimes. Ou a nação vai esperar 100 anos por esse único sigilo não quebrado por Lula da Silva?

Além das quase 700 mil mortes admitidas oficialmente, desconfia-se que outras tantas repousem com CID conveniente. A subnotificação teria ocorrido por diversos interesses

A ditadura civil-militar de 1964 a 1985, tão querida pelo atual presidente e requerida por golpistas que nesta semana fazem badernas em rodovias e exibem suas culpas e dolos em portas de quartéis, permanece incólume juridicamente graças:

1) à Lei de Anistia,

2) ao medo de alguns covardes,

3) à lerdeza ao longo de décadas.

Lula Silva tem o dever de investigar a morte de tantos brasileiros | Foto: Carla Carniel/Reuters

Está em tempo de evitar essas vergonhas que ocultam a ignomínia típica de genocídio.

Pode ser que as investigações feitas pela Comissão da Verdade acabem em nada, mas o nada as vítimas já escutaram. Pode ser que ouçam as sentenças do Judiciário condenando seus algozes igual a tantas famílias ouviram como sentenças de morte as recomendações a medicamentos ineficazes, incentivo à aglomeração, constrangimento a quem usava máscara.

Além das quase 700 mil mortes admitidas oficialmente, desconfia-se que outras tantas repousem com CID conveniente. A subnotificação teria ocorrido por diversos interesses.

Por isso, é urgente passar das estimativas para a exatidão, das desconfianças para a certeza das figuras típicas, dos particípios para o presente do indicativo:

ele matou,

nós comprovamos,

a Justiça condena.

Quem é o “ele”? A perícia, avessa a aspas, resolve a interrogação, exclama três vezes.

Milhões de outros atingidos padecem com sequelas ou ainda seguem sendo tratados em casa ou hospitais.

A essas vítimas e quem as ama o Brasil de Lula da Silva vai oferecer o justo ou a impunidade?

Nilson Gomes é advogado e jornalista.