O ex-ministro nunca disputou uma eleição e aparece em segundo lugar, quando polariza com Bolsonaro. Lula da Silva esteve até preso e aparece em segundo lugar

Euler de França Belém

Sergio Fernando Moro nunca foi vereador. Nunca foi prefeito. Nunca foi deputado. Nunca foi senador. Nunca foi governador. Nunca foi presidente da República. Jair Messias Bolsonaro foi deputado federal por quase 30 anos e é presidente da República há quase dois anos. Lula da Silva foi presidente duas vezes — oito anos — e contribuiu para eleger, duas vezes, Dilma Rousseff para presidente. Mesmo assim, Sergio Moro aparece muito bem no levantamento do instituto Paraná Pesquisas publicado na revista “Veja” para a disputa eleitoral para presidente em 2022.

Entretanto, na sua análise, “Firme, forte e inabalável” — o título parece publicidade-propaganda —, a “Veja” realça a força do presidente Jair Bolsonaro, esquecendo três fatos que, querendo, saltam aos olhos.

Jair Bolsonaro e Sergio Moro: o ex-ministro da Justiça e ex-magistrado pode ser a grande ameaça eleitoral ao presidente em 2022 | Foto: Adriano Machado/Reuters
Primeiro

Sergio Moro (sem partido) aparece, no cenário um, com 17,1% e Bolsonaro (sem partido) com 29%. A diferença é de 11,9%? É muito? Não é, considerando que o ex-ministro da Justiça não disputou nenhum mandato eletivo e nunca andou pelo país para se exibir aos eleitores. Aliás, nunca pediu votos e, mesmo tendo sido ministro e tendo juiz da Operação Lava Jato, ainda não se apresentou, de modo enfático, como pré-candidato. O terceiro colocado é Fernando Haddad, do PT, com 13,4%, na frente de Ciro Gomes, do PDT, com 9,9%.

Sergio Moro é, de longe, o possível candidato que mais oferece riscos para Jair Bolsonaro (considerando que Lula da Silva não deve ser candidato). O que, se a pesquisa registra, a análise da “Veja” não aponta. A revista parece entusiasmada com o presidente, a começar pelo título.

No cenário 2, quando se coloca Lula da Silva, do PT, Bolsonaro cai para 26,3% — perde 2,7%. Curiosamente, Sergio Moro cai pouco, ficando com 16,8%, perdendo, porém, o segundo lugar. Aí a diferença entre o ex-juiz e o presidente passa a ser de 9,5%. Lula da Silva surge em segundo lugar, com 21,9% — atrás de Bolsonaro apenas 5,6%.

Lula da Silva e Fernando Haddad: o PT parece, mas não está morto | Foto: Reprodução
Segundo

Costuma-se dizer que o PT está “morto” e “enterrado”. Não está. Mesmo depois das denúncias de corrupção, que levaram à prisão de Lula da Silva e ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o partido está vivo. Ao menos é o que a pesquisa do instituto Paraná conclui. Fernando Haddad, do PT, disputou a Presidência da República, tendo indo para o segundo turno contra Bolsonaro, mas não é um político tipicamente nacional. Ainda assim, no cenário 1, aparece com 13,4% — atrás apenas de Bolsonaro e Sergio Moro.

O cenário 2 mostra Lula da Silva forte, até muito forte, com 21,9%, muito próximo de Bolsonaro. “Veja” nota que Bolsonaro avança no eleitorado do PT no Nordeste (uma pesquisa do Vox Populi já havia mostrado isto). Mas qual conclusão deve se retirar dos dados? A revista concluiu tão-somente que o presidente é “firme” e “forte” e até “inabalável”. Ora, se avança no Nordeste, tomando eleitores do PT e se o governo federal repassou 600 reais para os que estão sem renda, e Lula da Silva está com 21,9%, atrás de quem está no poder só 5,6%, isto deveria ser notado, o que não foi. Talvez porque o petista-chefe está inelegível.

O cenário 3 é preocupante tanto para a esquerda quanto para o centro. Com a retirada de Lula da Silva e de Sergio Moro, Bolsonaro aparece com 30,7%. Não sobe muito. Mas o segundo colocando, Fernando Haddad tem menos da metade — 14,5%. Os nomes do centro político aparecem mal: Luciano Huck (8,3%), Luiz Henrique Mandetta (5,7%), João Doria (4,6%) e João Amoêdo (4%).

Sergio Moro e Luiz Henrique Mandetta: o centro só tem chance se se aproximar da direita, criando um polo anti-Jair Bolsonaro | Foto: Reprodução
Terceiro

A má notícia para o centro é que, nos três cenários verificados, seus nomes aparecem muito mal. Nenhum deles tem 9% das intenções de voto. O mais bem colocado é Luciano Huck (sem partido) — na faixa de 6,5% a 8,3%. A reportagem sugere que o apresentador de televisão não estaria muito animado. Por ter sido ministro da Saúde, tendo saído do cargo em alta, Mandetta (DEM) talvez possa ser o candidato que o centro precisa para ameaçar, eleitoralmente, tanto Bolsonaro quanto o PT e Sergio Moro. Mandetta sugere que Sergio Moro deve ser seu vice, o que o ex-magistrado certamente não aceitará. Uma chapa provável é com Sergio Moro para presidente, dada sua popularidade, com Mandetta na vice, com a possibilidade de atrair, além de seu partido, o Democratas, o MDB de Baleia Rossi. Tal chapa tem condições de destronar Bolsonaro? É possível.

“Veja” aponta que “48,1% dos brasileiros desaprovam” a gestão de Bolsonaro. “Pela perspectiva atual, fica difícil imaginar uma força que possa rivalizar com o presidente. A desaprovação ao seu governo, no entanto, faz supor que exista espaço para um projeto alternativo, menos radical e mais equilibrado”, conclui a reportagem de João Pedroso de Campos e André Siqueira. A interpretação é correta? Talvez.

Flávio Dino e Ciro Gomes: duas alternativas que, no momento, não são competitivos para presidente da República | Foto: Reprodução / YouTube

É preciso observar que os “pré-candidatos” que estão em segundo lugar, na pesquisa do instituto Paraná, sinalizam para adversários que se postam de maneira radicalizada ante Bolsonaro. Sergio Moro é de centro-direita. Dois são de esquerda, Lula da Silva e Fernando Haddad. Se a pesquisa estiver correta, o quadro de polarização se dará entre direita radical e centro-direita relativamente moderada — Bolsonaro versus Sergio Moro — ou entre direita, Bolsonaro, e esquerda, o PT de Lula da Silva, Fernando Haddad, Rui Costa e Camilo Santana.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), defende a criação de um novo partido, com a fusão do Partido Comunista do Brasil com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), com o objetivo de criar uma alternativa de esquerda ao PT. Porque avalia que o PT pode ir para o segundo turno, mas, ao final, tende a perder mais uma vez para o presidente. Mas entre o PT e uma nova esquerda há outra pedra no caminho, outra espécie de Lula da Silva — o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, do PDT. Ele parece não ter condições de superar o PT, até por ter um discurso tão radicalizado quando o de Bolsonaro, só que à esquerda — ou centro-esquerda —, mas trava, de alguma maneira, o surgimento de uma alternativa tanto ao postulante petista quanto ao próprio postulante pedetista.

Curiosamente, se registra a rejeição de Bolsonaro, a revista não mostra nem a rejeição do PT nem a de Sergio Moro. Porque, infelizmente, não se sabe.

Postas as questões, deve-se admitir que Bolsonaro, se não está muito bem, não está muito mal. Por quê? Porque é um marqueteiro de primeira linha. Quando saiu de moto e cumprimentou garis, os bem-pensantes sublinharam a questão do coronavírus — o presidente diz que está recuperado —, mas, do ponto de vista político, é uma hábil jogada de marketing, sugerindo que se trata de um homem do povo (e é provável que a imagem do “machão”, se contraria figuras modernas, não contrarie tanto o povão). A crise econômica e a crise provocada pela pandemia teriam destroçado qualquer outro político, mas Bolsonaro continua relativamente bem. De algum modo, em termos de popularidade, ele é o Lula da Silva da direita — não teflon, mas quase teflon.

Frise-se: a eleição vai ser disputada daqui a dois anos e dois meses. Os mortos certamente “vão” votar — indiretamente — na disputa de 2022. Resta saber contra quem.