A chapa de Bolsonaro corre risco real na Justiça Eleitoral

12 junho 2020 às 09h32

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Ações investigam supostos ataques cibernéticos, irregularidades na contratação do serviço de disparos de mensagens pelo WhatsApp e colocação de outdoors
Leon Safatle
Especial para o Jornal Opção
No Tribunal Superior Eleitoral tramitam oito Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs) que apuram supostas irregularidades de natureza grave contra a chapa dos então candidatos Jair Messias Bolsonaro (à época no PSL) e Hamilton Mourão (PRTB), a presidente e vice-presidente da República respectivamente. Novos elementos, entre eles um inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal, representam um risco real à chapa Bolsonaro-Mourão, e é um alerta para as eleições futuras.
As ações investigam supostos ataques cibernéticos, indicando abuso eleitoral, no caso do grupo virtual “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas, sofreu ataques de hackers e foi modificado para “Mulheres COM Bolsonaro #17”; irregularidades na contratação do serviço de disparos em massa de mensagens pelo aplicativo WhatsApp durante a campanha eleitoral e ainda uma ação que trata da colocação de outdoors em pelo menos 33 municípios de 13 Estados. As duas primeiras AIJEs que apuram os supostos ataques cibernéticos, propostas pelas chapas Rede/PV e Psol/PCB, já começaram a ser julgadas no TSE.

No entanto, as ações mais perigosas são as que versam sobre as supostas contratações irregulares de serviços de disparo em massa de mensagens durante a campanha. Uma delas, proposta pela chapa PT/PCdoB, foi movida após denúncia no jornal Folha de São Paulo, veiculada no dia 18 de outubro de 2018, cujo título era “Empresas bancam disparo de mensagem anti-PT nas redes”. A matéria apontava uma suposta operação orquestrada e multimilionária de disparo de mensagens em massa atuante ao longo do segundo turno das eleições e citava empresas e empresários nominalmente, alguns deles publicamente apoiadores de Bolsonaro à época e ainda hoje.
Ocorre que o Inquérito nº 4781 do Supremo Tribunal Federal pode robustecer muito as ações eleitorais que tratam dos disparos em massa de mensagens durante as eleições de 2018. Não é demais lembrar que referida investigação, instaurada pelo próprio STF em 2019 para apurar a veiculação de notícias fraudulentas (fake news), ameaças e outros ataques feitos contra a Corte e seus membros, teve uma de suas principais fases realizada agora no fim de maio, com diligências de busca e apreensão feitas contra blogueiros, empresários e apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro. O fato é que há uma aparente coincidência de envolvidos naquelas ações eleitorais em trâmite no TSE e no Inquérito das Fake News, inclusive com relação aos responsáveis pelo chamado “gabinete do ódio”, suposta estrutura montada clandestinamente dentro do governo para realização de ataques virtuais a desafetos do Presidente.
A coincidência entre tais envolvidos, bem como o tipo de atuação e os conteúdos veiculados, originou um pedido dos autores da AIJE, movida pela coligação PT/PCdoB, para o compartilhamento das informações do inquérito que tramita no STF como elementos probatórios na ação eleitoral. A tese é de que existe uma operação permanente deste grupo, que teria surgido antes das eleições de 2018 e segue em atividade ainda hoje. É importante ressaltar que os precedentes do TSE são reiterados no sentido de que a AIJE, ação de investigação judicial eleitoral, pode ter ampla instrução probatória, com a juntada de novos elementos que surgirem durante o trâmite processual, uma vez que tem natureza de ação investigatória, como o nome indica.
As AIJEs em curso no TSE visam apurar abuso de poder econômico, já que supostamente o esquema teria sido financiado por recursos não contabilizados, originados de fontes vedadas (pessoas jurídicas) e utilizados de forma excessiva, extrapolando os limites legais. O caso pode vir a configurar, em tese, a prática de “caixa 2”, além do chamado uso indevido de meios de comunicação social, vedado pela legislação eleitoral. E os indícios trazidos a conhecimento público até o momento, caso comprovados, e se autorizado o compartilhamento com as ações eleitorais, são sim elementos probatórios de alto impacto, e que poderiam configurar infrações gravíssimas à legislação eleitoral.
Há nessas ações, portanto, a potencialidade de cassação chapa Bolsonaro-Mourão, inclusive porque, além do caráter investigativo dessa modalidade de ação, também há precedentes no TSE que permitem o aproveitamento das provas geradas em outros processos, a chamada prova emprestada. Além disso, o Ministério Público Eleitoral já deu parecer favorável à utilização das informações do inquérito das fake news nas duas ações eleitorais mais graves, que citamos acima. O vice-procurador-geral Eleitoral, Renato Brill de Góes, enviou ao TSE, no dia 09 de junho, pareceres nas referidas AIJEs pelo compartilhamento de provas colhidas no inquérito 4.781/DF, isso porque, segundo ele, os elementos de informação decorrentes das diligências determinadas na decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), podem revelar fatos que se relacionem com a questão discutida na Justiça eleitoral.
Paralelamente, o STF, no dia 10 de junho, deu início ao julgamento de uma ação que questionava a constitucionalidade do inquérito das fake news. Até o momento apenas o relator-ministro Edson Fachin votou, declarando a constitucionalidade da investigação, frise-se. A questão é: o Supremo deve ratificar a constitucionalidade e legalidade do inquérito das fake news; o TSE provavelmente admitirá a utilização de elementos desse inquérito em ações que tramitam no âmbito eleitoral contra Jair Bolsonaro, e para isso já conta com parecer favorável do Ministério Público; por fim, a cassação por abuso de poder econômico afeta a chapa, portanto o presidente e seu vice, ensejando a necessidade de eleições suplementares.
Tudo isso não apenas gera ainda mais tensão política, como também representa um alerta aos pré-candidatos das próximas eleições. O combate às fake news, principalmente na internet, poderá ser a grande pauta da Justiça Eleitoral no pleito deste ano (sim, as eleições devem ocorrer, ainda que em data diversa, mas neste ano), por isso os futuros candidatos devem estar atentos às suas condutas, desde a pré-campanha e também aos serviços de campanha que irão contratar.
A Justiça Eleitoral visa a preservação do equilíbrio do pleito, da lisura das campanhas políticas, da manutenção e soberania da vontade popular, repudiando práticas e condutas que possam influenciar de forma ilegítima a vontade do eleitor. Nesse sentido é importante a consciência dos futuros candidatos, realizando uma campanha hígida, para evitar atrair as rigorosas penalidades que a legislação eleitoral estabelece.
Leon Safatle é advogado especialista em Direito Eleitoral.