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A capitalista selvagem Amazon, que chega ao Brasil, é a Al-Qaeda das livrarias/

Comercializando livros com preços mais baixos, a Amazon contribuiu para a falência de livrarias e crise de editoras nos Estados Unidos, mas reinventou a leitura, com o Kindle, e agora deve mexer com a acomodação das livrarias e editoras brasileiras. Entrega rápida de produtos é um de seus principais trunfos [caption id="attachment_16316" align="alignleft" width="620"]Layout 1 Jeff Bezos, o empresário que criou a Amazon, agora é dono do Washington Post e tem uma fortuna de mais de 25 bilhões de dólares[/caption] Recentemente, adquiri “Um Homem Torturado — Nos Passos de Frei Tito de Alencar” (Civilização Brasileira, 418 páginas), de Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meirelles. Pedido no site da Livraria Cultura, o livro demorou mais de um mês para chegar. Entrei em contato por e-mail e recebi a seguinte explicação: “Referente ao pedido 5412340, informamos que houve um atraso no processo logístico ao faturar o item. Porém o item se encontra em posse de nosso prestado que estará efetuado a entrega em breve. Por esse motivo nós lhe devolveremos o valor pago no frete de R$ 6,15” (transcrevo sem corrigir os erros de português). Ressalvo que a Cultura é a livraria que trata o cliente com mais respeito no Brasil e tem um dos maiores acervos, inclusive comercializa livros de editoras menores que não são colocados nas estantes das demais livrarias. A livraria virtual Amazon, recém-instalada no País, promete atender o cliente rapidamente e com preços mais baixos. “A habilidade da Amazon de entregar produtos com eficiência e dentro de prazos precisos lhe deu uma clara vantagem competitiva sobre seus rivais”, afirma o jornalista Brad Stone, no livro “A Loja de Tudo — Jeff Bezos e a Era da Amazon” (Intrínseca, 398 páginas, tradução de Andrea Gottlieb). A empresa, que faturou 62 bilhões de dólares em 2012 — seu 17º ano de operação —, foi financiada, inicialmente, com 10 mil dólares de Bezos. A Amazon é um vírus insidioso que, depois de penetrar no sistema de defesa do mercado, não sai mais, contaminando tudo. Livrarias e editoras brasileiras que fiquem muitas atentas com uma empresa que se considera “missionária”, mas é apontada como “mercenária”. Seus dirigentes não têm pudor algum de destruir concorrentes. O romance “O Pintassilgo” (Companhia das Letras, 719 páginas, tradução de Sara Grünhagen), de Donna Tartt, custa R$ 36,90 na Amazon (o preço varia durante a semana). Na Livraria Cultura, em São Paulo, e nas livrarias de Goiânia custa R$ 49,50. São R$ 12,60 a menos no site da Amazon (o qual informa, errado, que o livro é de Donna Tartt e de Sara Grünhagen, mas esta não é a autora, e sim a tradutora). No Brasil, por enquanto, a Amazon é “apenas” uma livraria virtual, mas, nos Estados Unidos, vende quase tudo, como DVDs, músicas, roupas, equipamentos eletrônicos. “Queremos ser o lugar onde uma pessoa encontra e descobre tudo que quer comprar”, afirma Bezos (sobrenome cubano, pronuncia-se “Bei-zos”, e não “Bi-zos”). Sobretudo, é uma empresa guerreira, selvagem, predadora. É uma espécie de Al-Qaeda das livrarias. Onde se instala deixa um rastro de destruição, com livrarias quebradas e funcionários desempregados. Sob sua hegemonia, várias livrarias físicas fecharam as portas nos Estados Unidos. “Durante os anos 1990, a Borders fundou livrarias imensas em shopping centers por todo o território norte-americano e em Cingapura, na Austrália e no Reino Unido, entre outros países, passando de 224,8 milhões de dólares em vendas em 1992 para 3,4 bilhões em 2002. A rede fechou em 2011, demitindo 10.700 funcionários”, afirma Brad Stone. Culpa só da empresa de Bezos? Não. A Borders não soube investir no comércio virtual, perdendo novos e sendo abandonada por velhos consumidores de livros. Como empresário, Bezos é de uma agressividade que espanta capitalistas ortodoxos, como os dirigentes do hipermercado Walmart, que chegaram a processá-lo. Quando o romance “Harry Potter e o Cálice de Fogo” foi lançado, “a Amazon ofereceu 40% de desconto na compra do livro e entrega expressa [mais rápida], para que os consumidores o recebessem no sábado, 8 de julho [de 2000] — dia do lançamento —, pelo mesmo custo da entrega comum. A Amazon perdeu alguns dólares em cada um dos 255 mil pedidos. Mas Bezos se recusou a ver essa ‘jogada’ como qualquer outra coisa que não uma forma de conquistar fidelidade do consumidor”. No Brasil, a Amazon está comprando livros patrocinados pelas livrarias Cultura e Saraiva por um preço mais elevado e vendendo por preços menores, com prejuízo. Alega que está conquistando e fidelizando clientes. Onde comprar mais barato? Aos poucos, os consumidores, no lugar de consultar outros sites, irão direto ao site da Amazon. A tese de Bezos, segundo Brad Stone, é ter “preços baixos todos os dias”. A palavra do empresário: “Existem dois tipos de vendedores: os que trabalham para descobrir como cobrar mais e os que trabalham para descobrir como cobrar menos, e nós seremos o segundo, ponto final”. Ao executivo Steve Kessel, Bezos recomendou: “Quero que você aja como se sua meta fosse deixar todos aqueles que vendem livros físicos desempregados”. O consumidor aprova suas táticas de vender mais barato a qualquer custo e sua entrega de produtos, em geral, veloz. Dois “segredos” da Amazon são contratar os melhores profissionais do mercado, pagando-os bem, e exigir agressividade extrema e otimismo realista em tempo integral. Quem hesita, ante metas ambiciosas, é expurgado da empresa, sem dó, piedade ou agradecimento. Bezos considera que a Amazon, mais do que uma livraria, é uma empresa de tecnologia. Tanto que, em 2007, lançou o Kindle, mudando a forma de se ler e ter acesso a livros. Antes disso, no final dos anos 1990, ele vaticinou: “Acredito firmemente que em algum momento a grande maioria dos livros será publicada em formatos eletrônicos”. E sugeriu que era fundamental “dominar o negocio dos e-books”. “Não queremos ser a Kodak”, sublinhou. Qual o título adequado para Bezos? O empresário aprecia ser qualificado de “rei do comércio eletrônico” e a Amazon é vista como “a loja de tudo” ou “a superloja que domina a internet”. Por que, exatamente, a Amazon derrotou gigantes como a Barnes & Noble e a Borders? Seus adversários citam a “agressividade”, táticas antes vistas como suicidas — vender com prejuízo, num primeiro momento — e atos que consideram “ilegais”, mas, na prática, típicos do capitalismo, que é predatório em qualquer época e lugar. Eles têm razão, mas não podem ignorar a competência e a disposição de Bezos para criar novas áreas de atuação. “A página da empresa continha milhões de títulos, e não apenas os cerca de 150 mil encontrados nas prateleiras de megalojas da Barnes & Noble. Ao contrário dos varejistas tradicionais, ela devolvia poucos livros não vendidos — muitas vezes menos de 5%. As grandes redes de livrarias regularmente devolviam 40% dos livros que haviam adquirido das editoras e obtinham um ressarcimento total, um acordo único no varejo.” Paralelamente à batalha contra as livrarias físicas, que perderam terreno, a Amazon passou a cutucar as principais editoras. “A Amazon usou uma abordagem agressiva com as editoras. Ela exigiu ajustes com descontos maiores em compras grandes, períodos mais longos para pagar suas contas e acordos de envio que serviriam para aumentar os descontos da Amazon. As editoras que não aceitavam essas condições eram ameaçadas de ter seus livros retirados do sistema automático de personalização e recomendação do site, o que significava que eles não seriam mais sugeridos aos clientes”, relata Brad Stone. Aí as vendas das editoras caíam, porque a Amazon era e é a maior vendedora de livros dos Estados Unidos. “As editoras ficaram chocadas. A empresa, antes vista como um contraponto bem-recebido pelas redes, agora representava constantemente novas exigências.” Uma delas, a principal, eram preços mais baixos. As livrarias e editoras brasileiras vão sentir o poder de pressão da Amazon aos poucos. Por enquanto, seus dirigentes, interessados num mercado gigante, estão tateando o terreno. Depois, conhecida a área, com o time inteiramente em campo, as pressões vão ser intensas e, até, monopolistas. Os preços mais baixos, com diferenças que impressionam, começam a incomodar sobretudo as livrarias físicas, como Cultura, Saraiva e Fnac (que é mais uma loja de departamentos do que livraria; em Goiás, na área de livros, seu atendimento é o pior, muito atrás da Leitura e da Saraiva). Editoras como Record e Companhia das Letras, gigantes locais, certamente vão “sofrer”, a médio prazo, nas mãos da Amazon. São empresas físicas, com despesas físicas, disputando com uma empresa que, apesar de ter parte de seu empreendimento físico, é, no geral, virtual, com custo de manutenção menor. A primeira grande guerra da Amazon foi com as divisões europeias da Random House, da Hachette e da Bloomsbury. A empresa de Bezos decidiu boicotá-las. O executivo Randy Miller admite: “Fiz tudo que pude para acabar com o desempenho delas”. “Ele aumentou o valor de alguns livros do catálogo para o preço integral e os retirou do mecanismo de recomendações do site; em alguns casos, como no dos guias de viagem, ele passou a promover títulos semelhantes de concorrentes”, conta Brad Stone. A “briga de facas”, no dizer de Sloan Harris, com a Macmillan deixou o mercado estupefato com a virulência da Amazon. Como a Macmillan não aceitou os termos do negócio de e-books, Bezos mandou retirar o anúncio de seus livros do site. A Amazon só cedeu, algumas vezes, sob pressão, sobretudo quanto processada judicialmente (na Europa — Alemanha e Franca — enfrenta uma verdadeira batalha jurídica com editoras e livrarias). A própria empresa processou editoras e a Apple, acusando-as de estarem “envolvidas numa conspiração ilegal para fixar os preços dos e-books”. Porém, antes do acordo com a Apple, algumas editoras já atrasavam a entrega de livros para a Amazon. O jogo era e é brutal, sem meias medidas. “As sessões de persuasão da Amazon às editoras eram seguidas por ameaças. Editoras que não digitalizassem um parcela aceitável de seus catálogos ou não o fizessem rápido o bastante eram informadas de que corriam o risco de perder sua posição de destaque nos resultados de busca do site e nas recomendações da companha para os clientes”, assinala Brad Stone. A Amazon passou até a publicar best sellers para tentar reduzir o poder das editoras. Com os livros digitais, a Amazon partiu, de vez, para cima das editoras. Sem nenhuma pesquisa, apostando puramente na intuição, Bezos definiu um preço — 9,99 dólares — para os livros digitais e lançamentos. As editoras estrilaram e as livrarias não puderam, de imediato, competir em igualdade de condições. “Os consumidores são inteligentes, e achamos que eles esperariam e mereceriam livros digitais com preços inferiores aos dos livros físicos”, diz Steve Kessel. Chegada do Kindle [caption id="attachment_16317" align="alignleft" width="300"]Livro mostra que Jeff Bezos, o chefão, faz investimentos que darão prejuízo mas pensando  em fidelizar o consumidor Livro mostra que Jeff Bezos, o chefão, faz investimentos que darão prejuízo mas pensando
em fidelizar o consumidor[/caption] Bezos, para quem o Céu é o limite, quer sempre mais (investe até em pesquisa espacial e comprou, há pouco, o “Washington Post”, o jornal que contribuiu, de maneira decisiva, para a renúncia do presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos, em 1974), e investe pesado em tecnologia, sem receio de a empresa ter de lidar com prejuízos. Em novembro de 2007, depois de investir milhões de dólares e contratando cientistas das melhores universidades e de empresas de criação tecnológica, Bezos apresentou o Kindle. Brad Stone frisa que “a concorrência foi pega de surpresa pelo sucesso do Kindle”, que facilitava a leitura dos livros digitais. A livraria Barnes & Noble avaliou que seria um fracasso e deu-se mal. “A inovação tecnológica causou problemas terríveis à companhia e à indústria como um todo. Ninguém foi mais afetado do que as editoras”, destaca Brad Stone. As livrarias foram brutalmente atingidas. Em 2007, enquanto a rede gigante de livrarias Barnes & Noble faturou 5,4 bilhões, a Amazon faturou 14,8 bilhões. Ao final das guerras entre o capitalismo supersônico da Amazon e o capitalismo retardatário de editoras e livrarias, quem for competente, especialmente se não ficar criando e fortalecendo a figura do bicho-papão, vai sobreviver. A excelente Cultura, a mais qualificada livraria do País, dificilmente sucumbirá. Do ponto de vista dos consumidores, dos leitores, o Kindle foi uma revolução. “O Kindle 2” pode “facilmente ser considerado o dispositivo que revolucionou o ramo de publicação e modificou a forma como as pessoas do mundo inteiro leem livros. A Amazon tinha 90% do mercado de leitura digital.” Caiu, em 2012, para 60%. Rio Amazonas Bezos não aprecia estabelecer vínculos pessoais com seus profissionais, mas procura motivá-los para render o máximo possível. Grita, berra e demite a rodo. Funcionários que erram com frequência são demitidos porque o empresário avalia que continuarão errando. Ele sustenta a tese de que seus funcionários estão na Amazon para contribuir para o seu desenvolvimento e expansão — não para aprender, não para estagiar. Uma empresa de ponta, altamente competitiva, não é um centro de filantropia. O critério para conquistar os melhores profissionais do mercado? Pagar bem. Ele detesta “bonzinhos” e “medíocres”. Quando está se repetindo, quando não está criando, tira um período sabático e volta revigorado. Ele praticamente obriga seus melhores executivos a lerem e a ficarem atentos aos bons livros. O nome Amazon naturalmente tem a ver com o Brasil. “No ano de 1994, Bezos procurou no dicionário todas as palavras que começavam com a letra A e teve uma epifania ao chegar à palavra ‘Amazon’. O maior rio da Terra; a maior livraria da Terra.” O site entrou no ar em julho de 1995. Bezos tem uma fortuna avaliada em 25 bilhões de dólares. A empresa faz 20 anos em 2015.