Em 1985, um tal Francisco Oliveira batizou o Brasil com precisão cirúrgica com “O Roubo é livre”. Estranho é que, quando se busca sobre a autoria no site da própria editora gaúcha Tchê, vem a informação: Autor: Francisco “Chico” Anysio de Oliveira Paula Filho, foi um humorista, ator, radioator, produtor, locutor, roteirista, escritor, dublador, apresentador, compositor, e pintor brasileiro, notório por seus inúmeros quadros e programas humorísticos na Rede Globo, emissora onde trabalhou por mais de quarenta anos”. Pensei: é piada?

Ora, a autoria desse denso livro de 369 páginas, todas bem documentadas, poderia ser mesmo de um dos maiores artistas brasileiro e, de tal modo, se tornaria um best-seller, com todas as honras e semelhanças, não mera coincidência. Chico, o gênio do humor, passou meio século decompondo a corrupção brasileira em anedotas, mas de um jeito tão sutil que o vilão ria junto com a vítima. Nos seus mais diversos e divertidos personagens, expunha a malandrice institucional, tão afeita à nossa nação. Sem discurso moralista, mas devastador, “ridicularizava para constranger”.

Quanto a Chico, o verdadeiro autor de O Roubo é livre, consta apenas tratar-se de um polêmico e laureado jornalista investigativo (Prêmio Esso de Informação Econômica de 1984), com atuação nos jornais O Estado e Da Tarde, cujas publicações nunca foram desmentidas. Nada mais se sabe dele, contudo a sua obra está conviva e, quatro décadas depois, o título não envelheceu.

Embasada no livro, eis uma lista de grandes assaltos registrados em nossa história, perpassando os tempos, governos e ideologias político-partidárias, atualizada com os mais fresquinhos, que provam que o crime não para de inovar: Coroa Brastel (1983 – duros tempos do Regime Militar), Banestado, Anões do Orçamento, Petrobras (antes do Petrolão), Precatórios, Mensalão, Petrolão, Lava Jato, BNDES, Orçamento Secreto/Emendas, Sanguessugas, Máfia das Ambulâncias, Vampiros, Bingos, Pasta Rosa, Sudam/Sudene, Compra de Votos da Reeleição, Collor/PC Farias, TRT-SP, Máfia dos Fiscais, Satiagraha, Lunus, Ilhas Cayman, Waldomiro Diniz, Porto Seguro, Fifa/CBF, Queiroz/Fabrício, Rachadinhas, Zelotes, Orçamento Paralelo da Covid, Covaxin, Respiradores, MEC (pastores e ouro), Fundeb, Joias Sauditas, Abin Paralela, Cartão Corporativo (todos os governos), INSS (empréstimos consignados fraudados), Auxílio Emergencial (milhares de toneladas de dinheiro), INSS (descontos indevidos dos aposentados), Best’s, Fintechs, Jogos fraudulentos, Carbono Oculto, Master/Bancos/Fundos de Investimento, Poço de Lobato/Grupo Fit… Ufa! E, é claro, entremeado a tudo isso, o eterno campeão silencioso: a Dívida Pública Brasileira, refinanciada, rolada, maquiada.

Nesse diapasão, as grandes facções criminosas subiram de patamar, viram que estelionatários e assaltantes que atacam incautos nas esquinas, são versões artesanais dos golpes perpetrados por esses “ninjas de colarinho branco”. O ladrão de pátio aprende elevando o olhar rasteiro aos cumes, estuda os exemplos exitosos e faz o que pode para lhes copiar.

O livro, publicado em 1985, precisaria hoje de uma enciclopédia. O roubo/corrupção não só flui livre no Brasil, é sistêmico e endêmico, sofisticou-se, institucionalizou-se, transversalizou-se… Agora, o “buraco é mais em cima”: pois, o crime (des)organizado aprendeu com o crime organizado; e sentam-se à mesma mesa, ajustada e confortável, bem junto à Praça dos Três Poderes, onde têm cadeira cativa, palavra de ordem e, em muitos casos, como voto de Minerva e “decisão monocrática”. E, não é piada!

Edemundo Dias de Oliveira Filho – Advogado. Delegado de Polícia Veterano. Especialista em Segurança e Políticas Públicas. Mestre em Direito Público.