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Sou do tempo em que o rap significava o que realmente era: ritmo e poesia. Hoje, a indústria musical se resume a músicas de TikTok, e a essência se perdeu. Nesta noite, mais uma vez, estou ouvindo grandes rappers americanos, como Kendrick Lamar, Kodak Black, Kanye West e 2Pac, e pensando: para onde foram as músicas que marcaram gerações e nos aproximavam, mesmo como meros ouvintes?

No Brasil, o rap já foi o maior movimento musical em evidência. Tínhamos Racionais MC’s, Sabotage, Dina Di, RZO, Black Alien. Mas hoje nos tornamos a sociedade de Matuês, Tetos e de supostos MC’s que nada agregam à cultura e só pensam no dinheiro fácil, sem transmitir mensagens.

Alguns ainda resistem, claro, como MC Marechal, ADL, Djonga e, principalmente, BK — que, para mim, é o maior de todos atualmente. Porém, o trap surgiu para atrair a atenção dos jovens e, em meio a isso, a verdadeira essência do rap se perdeu.

O rap é um ritmo cultural necessário para que possamos compreender a periferia, mesmo quem não faz parte dela, e entender de fato o que afeta essas pessoas. Mas isso foi sendo apagado. Com músicas rasas sobre abuso de drogas, perdeu-se o sentido.

Quando ouvíamos Mano Brown falar do Carandiru, de Guina, do Capão, sabíamos que era uma realidade que, mesmo sem vivermos pessoalmente, precisava ser transformada para que as pessoas das periferias tivessem mais oportunidades na sociedade. Hoje, o que vemos é a glamorização das drogas, das armas e, infelizmente, do tráfico.

Uma criança entra para o tráfico em uma favela do Rio de Janeiro não por escolha, mas por necessidade. O Estado falhou com ela, e a sociedade precisa agir para corrigir isso. Contudo, com a glamorização dessa realidade, passa-se a impressão de que é uma escolha — e isso, querendo ou não, enfraquece as políticas públicas.

Quando Emicida cantou “Oooorra”, ficou claro que a vida não é fácil para quem nasce em um local pobre. É duro passar fome, apanhar calado, sentir-se sozinho, perder aliados, dormir na rua, ser desacreditado, encarar a morte de perto, quase morrer de frio, invejar quem tem pai, sofrer por amor. Essa mensagem, que deveria ser denúncia, acabou sendo interpretada como apologia.

O rap é a voz das ruas para a elite, quando geralmente o fluxo é o contrário. O rap é resistência, é arte, é vida — e, muitas vezes, é morte. O rap é tudo. Devemos valorizar aqueles que entendem que o rap é uma arte criada para salvar vidas.

Por que deixamos isso morrer?

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