Falar sobre a Copa do Mundo no Catar não é só sobre futebol. Também é sobre mulheres e seus direitos ou a falta deles. E sobre os esforços para que elas ocupem também os espaços tradicionalmente masculinos de narração e comentários de futebol. Foram quase 100 anos desde a primeira edição da Copa do Mundo para que mulheres brasileiras pudessem ocupar postos profissionais na transmissão do evento.

Esse sexismo no futebol tem raízes históricas. Nos anos 1940, as brasileiras foram proibidas por lei de praticar a modalidade por ser considerada uma atividade incompatível com a natureza feminina. Elas só puderam voltar aos gramados em 1979, quando a seleção masculina já era tricampeã do mundo. Mesmo com o decreto tendo caído, a mentalidade de que o futebol não era para meninas permanece entranhada no Brasil. Até hoje, em algumas escolas tradicionais no ensino infantil é assim: futebol para meninos, balé para as meninas.

Todas as vezes que falo sobre feminismo uma frase do educador Paulo Freire martela na minha cabeça de que não podemos entrar na luta como objetos para nos tornamos sujeitos mais tarde. Só que não temos como voltar no tempo e por isso uma solução possível seja ser menos severa e ir comemorando os pequenos passos sem esquecer de erguer a voz.

Por isso, vale celebrar as vozes femininas brasileiras da copa: Renata Silveira, Natália Lara, Ana Thaís Matos e Formiga se preparam para quebrar a hegemonia masculina e que estreiaram como locutoras e comentaristas de TV nesses jogos de 2022.

O conceito de “Erguer a Voz” é da Bell Hooks, autora que estou encantada já há alguns meses. Não se refere a simplesmente dizer coisas, mas a a questionar a ordem vigente já que as mulheres são tradicionalmente silenciadas: “fique quieta, não diga nada, ignore isso, seja recatada, entre outros”. Ela, inclusive, tem livros que ensinam a transgredir como prática de liberdade onde dialoga com Freire.

Os desafios enfrentados pelo movimento feminista tem dimensões globais e requer o reconhecimento das diferentes culturas nas quais as mulheres se encontram e a luta pela igualdade de direitos civis. Só que é importante também reconhecer os avanços. E é importante que as meninas vejam mulheres com liberdade de estar nesses lugares.

A Fifa também está fazendo esforços para aumentar a diversidade no torneio e anunciou que a edição do Catar é a primeira com a participação de mulheres na equipe de arbitragem dos jogos. No total, são seis profissionais: Stephanie Frappart (França), Salima Mukansanga (Ruanda) e Yoshimi Yamashita (Japão); e as auxiliares Neuza Back (Brasil); Karen Díaz Medida (México) e Kathryn Nesbitt (Estados Unidos).

Algumas organizações de direitos humanos veem esse movimento como uma reação da Fifa para desviar o foco do fato de que a competição está sendo realizada em um país conservador, que proíbe relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e adota práticas discriminatórias contra mulheres.

Em um relatório, a organização internacional Human Rights Watch relembra que no Catar as mulheres ainda precisam de permissão de homens da família para se casar, aceitar bolsas para estudar fora do país, trabalhar em cargos do governo e até mesmo para receber alguns cuidados de saúde reprodutiva.