A Polícia Federal (PF) revelou em seu relatório da Operação Máximus, deflagrada em agosto deste ano, o que descreveu como um “mercado de ações judiciais assustador” no Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). O documento aponta a existência de uma rede de corrupção envolvendo desembargadores e juízes da Corte estadual, que estariam vendendo decisões judiciais em pacotes.

O delegado Daniel César do Vale, da Delegacia de Combate à Corrupção, Desvio de Recursos Públicos e Crimes Financeiros da PF, afirmou ao jornal Estadão: “o mercado de ações judiciais é tão assustador que os potenciais clientes buscam fazer pacotes para os supostos atos de corrupção”.

A investigação da PF levou ao afastamento de cinco desembargadores e quatro juízes de primeiro grau, todos suspeitos de envolvimento na comercialização de sentenças. Dentre os alvos da operação, estão a presidente da Corte estadual, desembargadora Etelvina Maria Sampaio Felipe, e a vice-presidente, Ângela Maria Ribeiro Prudente, além de outros três desembargadores: Helvécio de Brito Maia Neto, Angela Issa Haonat e João Rigo Guimarães. Este último é também presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Tocantins.

A PF intensificou as investigações após a análise de áudios considerados “estarrecedores”, que indicam magistrados discutindo o pagamento de propinas para a venda de decisões judiciais. Um dos áudios mais relevantes foi encontrado no celular de Thales Maia, filho do desembargador Helvécio Maia, apontado como lobista na Corte do Tocantins. Em uma conversa gravada, Thales menciona a venda de uma sentença envolvendo o juiz Ricardo Gagliardi, da 1ª Vara Cível de Miracema do Tocantins.

O diálogo, transcrito pela PF, mostra Thales discutindo com o advogado Thiago Sulino de Castro, que é apontado como articulador da venda de decisões. A gravação, de agosto de 2023, foi analisada pela PF, que considera as falas “sugestivas” de um esquema de corrupção, mencionando a expressão “fazia um pacote” como indicativo de um esquema organizado de troca de favores em troca de decisões judiciais.

Em resposta às acusações, a defesa de Thiago Sulino questionou a interpretação da PF, afirmando que os áudios foram tirados de contexto. A defesa alegou que a polícia fez uma análise baseada em “suposições pessoais” e garantiu que não há nenhum ato ilícito relacionado aos diálogos. Segundo a defesa, os fatos narrados pela PF não têm qualquer fundamento e tem o objetivo de criminalizar o exercício da advocacia. A defesa de Thales Maia também refutou as alegações e afirmou que os diálogos foram distorcidos.

As investigações da PF apontam que os escritórios de advocacia Melo & Bezerra Advogados e Brom & Brom Advogados Associados estariam envolvidos na compra de decisões no TJTO, incluindo um processo de improbidade administrativa contra a ex-prefeita de Lajeado, Márcia da Costa Reis Carvalho, conhecida como “Márcia Enfermeira”.

Segundo a PF, as suspeitas são de irregularidades em contratações sem licitação e movimentações financeiras, e já resultaram em bloqueios de bens de até R$ 6 milhões. A PF suspeita que esses escritórios tenham tentado manipular decisões em processos complexos, como o de um precatório de Lajeado, utilizando magistrados como intermediários para garantir vantagens ilegais.

A assessoria de comunicação do escritório Melo & Bezerra respondeu sobre o tema: “O escritório Melo & Bezerra Advogados Associados S/S, em contato com o Estadão após ler matéria sobre a Operação Maximus, publicada na data de hoje, informa que não possui qualquer relação ilícita com Magistrados do Tocantins. É categórico em afirmar que seus sócios não são autores de supostas condutas suspeitas. Informa, ainda, que o Melo & Bezerra não é parte no processo de precatório citado e investigado pela PF. Acresta também que os áudios e diálogos descritos não são de seus sócios e/ou advogados.

O relatório da PF aponta que o desembargador Helvécio Maia pode ter se envolvido em um esquema de venda de decisões em troca de propina. A PF acredita que, após uma decisão suspeita em 2022 sobre a ação entre o município de Lajeado e o Estado do Tocantins, o desembargador teria aceitado uma promessa de pagamento de propina. A hipótese é que esse esquema de “mercancia” de decisões tenha sido orquestrado entre o juiz José Maria Lima e o advogado Thiago Sulino, com a participação de outros magistrados, incluindo os desembargadores investigados.

Reações e Defesa dos Envolvidos

Em entrevista ao Estadão, a desembargadora Etelvina Maria Sampaio Felipe se pronunciou com indignação sobre as acusações, afirmando que recebeu com “indignação e repúdio o indevido envolvimento” de seu nome na operação. A magistrada negou qualquer envolvimento com os esquemas investigados e afirmou que sempre pautou sua carreira na ética e na honestidade. “Ao longo de meus 35 anos de magistratura, sempre pautou minha conduta pessoal e profissional na ética, honestidade, honradez e retidão de caráter”, declarou.

Por sua vez, a desembargadora Ângela Maria Ribeiro Prudente também refutou as acusações, explicando que sua atuação em um processo específico foi limitada à sua função de vice-presidente, em substituição à presidente do TJTO. Ela negou qualquer envolvimento em favorecimento ou recebimento de vantagens indevidas, classificando as alegações como “absolutamente infundadas”.

A defesa de Thales Maia, filho do desembargador Helvécio Maia, informou que ainda não teve acesso integral ao conteúdo das investigações, especialmente aos diálogos mencionados. Em uma nota, a defesa afirmou que os diálogos foram “tirados de contexto” e que as alegações da PF não têm qualquer fundamento de ilegalidade. Da mesma forma, a defesa de Thiago Sulino de Castro afirmou que a PF está tentando criminalizar a advocacia, baseando-se em suposições e descontextualizando os áudios apresentados.

Além disso, o Tribunal de Justiça do Tocantins, por meio de sua assessoria, informou que repassou todas as informações solicitadas à Polícia Federal no início das investigações.

O inquérito segue sob sigilo, e os envolvidos, incluindo advogados e prefeitos citados, têm negado qualquer irregularidade. As investigações continuam em andamento, com a PF prometendo aprofundar as diligências para esclarecer os possíveis crimes cometidos. O caso segue sendo monitorado pelo Ministério Público, que já acompanha de perto as ações de improbidade administrativa em questão.

Com o desenvolvimento da Operação Máximus, o Tribunal de Justiça do Tocantins se vê no centro de uma controvérsia que envolve acusações graves de corrupção e manipulação judicial. As próximas etapas da investigação podem trazer mais revelações sobre a extensão desse esquema de corrupção envolvendo a Corte estadual.

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