Said Agel Filho: a história de um dos maiores sequestros de Goiás

29 outubro 2023 às 00h01

COMPARTILHAR
Sequestros cinematográficos, quantias milionárias e até mutilações marcaram alguns dos principais confinamentos ilegais registrados em Goiás. Casos como o de Said Agel Filho (1989), Odilon Santos (1990), Eduardo Godinho Figueira (1991), Viviane Santos (1993) e Wellington Camargo (1998) são alguns dos exemplos da “era” dos sequestros violentos, que duravam dias ou até meses.
O “menino Said”, hoje um homem de 43 anos, foi um dos casos mais emblemáticos. O sequestro do garoto, na época com 9 anos de idade, protagonizou a maior perseguição policial do país há 34 anos: a fuga dos criminosos se estendeu por três estados e chegou até o Paraguai. O crime mobilizou mais de 400 policiais civis e militares por cerca de 2 mil quilômetros.
Tudo começou em uma quarta-feira, 2, de agosto de 1989, quando Said, filho de um respeitado advogado, voltava da aula de karatê quando os criminosos chegaram de carro, dizendo que seu pai estava em um bar esperando por ele. O garoto, que estava na porta de casa no Setor Bueno, em Goiânia, não acreditou na história, momento em que foi agarrado à força e obrigado a usar um capuz até chegar no cativeiro.
“Eles me pegaram na porta da casa do meu pai em um gol GTS grafite. Era mais ou menos umas 19 horas da noite. Me jogaram no banco de trás e me colocaram no assoalho e, enquanto seguravam a minha cabeça, saíram acelerando. Eles já estavam investigando meu pai há algum tempo, sabiam muitas informações a nosso respeito”, contou Said em entrevista ao Jornal Opção.
No dia seguinte ao sequestro, os criminosos oriundos do Paraná, fizeram o primeiro contato com a família de Said, quando um saco cheio de munição foi achado na porta da residência da família. Dentro havia um bilhete avisando do rapto e informando que logo instruções seriam mandadas, o que de fato ocorreu ainda naquele dia com uma ligação. O garoto estava bem, mas uma alta quantia de dinheiro deveria ser deixada, em um saco de lixo, dentro do “o” do letreiro do Shopping Flamboyant.
Começava, então, o sequestro que causou comoção em todo Brasil. Said ficou em cárcere por uma semana até o dia 9 de agosto, data em que foi trocado por três jornalistas, sendo que duas eram: Solange Franco e Mônica Calassi. O pai de Said, porém, precisou pagar um resgate de 100 mil cruzados novos (cerca de R$ 330 mil em valores atuais).
“Me colocaram em um quarto e disseram que queriam o dinheiro do meu pai. Começaram a me ameaçar desde o primeiro dia, que se o meu pai não pagasse o resgate, eles iriam me matar. Eles colocaram uma arma na minha cabeça e me fizeram gravar uma fita para mostrar que estava vivo. Nesse prazo de sete dias emagreci 10 quilos. Não comia praticamente nada, tomava água e às vezes me alimentava com carne e farinha seca”, disse.
A polícia chegou ao cativeiro de Said um dia após matar dois envolvidos no crime e prender uma cúmplice. No dia 8 de agosto de 1989, os suspeitos foram localizados quando usavam um orelhão para falar com a família da vítima, e houve uma intensa troca de tiros. Como o telefone público não ficava perto do cativeiro, os agentes continuaram atrás de pistas que levassem ao garoto.
De acordo com o hoje psicólogo e pai de três filhos, aquele foi um dos momentos mais tensos de todo o seu pesadelo. Justamente porque ele ainda estava sob poder do bando quando os dois sequestradores foram mortos pelos agentes de segurança. Segundo ele, quando um dos criminosos soube do confronto, chegou a discutir com uma cúmplice para matá-lo. A polícia, no entanto, chegou no cativeiro neste momento.
“Houve uma intensa troca de tiros, me lembro com detalhes. Hoje eu enxergo o privilégio de poder ter passado por isso e ainda estar vivo. É um grande presente. Sou terapeuta e enxergo isso muito bem. Antes tinha medo que isso pudesse acontecer de novo, mas agora não tenho mais”, afirmou.

Fuga cinematográfica
No momento em que o cativeiro foi descoberto, os bandidos estavam fortemente armados. Os policiais começaram uma negociação de cerca de dez horas, quando o garoto foi trocado pelas jornalistas que se ofereceram para ficar no lugar dele. Os quatro sequestradores que restavam exigiram um carro-forte e um avião para a fuga.
Os criminosos entraram no carro-forte com as jornalistas e soltaram o garoto. Após a tentativa frustrada de sair de avião, eles pegaram a estrada em direção ao Sul do país. Neste processo, uma refém foi trocada por um taxista. Eles atravessaram o estado de São Paulo todo no carro blindado e chegaram até Itororó de Paranapanema, na divisa com o Paraná.
No local, os bandidos pegaram um avião bimotor, fazendo reféns o proprietário da aeronave e um piloto. Àquela altura, a fuga já estava em seu quinto dia. Eles libertaram as duas jornalistas e o motorista e fugiram para o Paraguai, onde foram recebidos por um cerco de policiais do país vizinho.
Os bandidos, então, voltaram ao Paraná, onde deixaram o avião e roubaram uma caminhonete, sequestrando agora o motorista do carro, que depois foi deixado na estrada. Os bandidos não foram mais localizados. No fim das contas, os quatro bandidos fugiram, mesmo depois de cercados diversas vezes pelas forças de segurança. Eles nunca foram encontrados. No total, oito pessoas foram feitas reféns.
“Esse sequestro foi totalmente contrário ao que o FBI e outros países ensinam. O negociador conseguiu tirar uma vida e colocar outras três dentro do cativeiro. Uma coisa totalmente fora do padrão. Esses criminosos, usando o carro forte, desafiaram as polícias de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Porém, durante a fuga o avião foi abatido e teve que pousar perto do Paraguai. A história é complexa, mas os bandidos nunca mais ousaram colocar os pés em Goiás”, explicou o ex-delegado geral da Polícia Civil de Goiás, Marcos Martins Machado.
Wellington Camargo
Responsável pela criação do Grupo Anti-Sequestro (GAS) e do Grupo Antirroubo a Banco (GAB) da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC), Marcos Martins Machado atuou em todos os casos mencionados pela reportagem. O sequestro mais difícil que teve que lidar, segundo ele, foi o do irmão da dupla Zezé Di Camargo e Luciano, Wellington Camargo.
“Foi o mais difícil pelo tempo que durou, pelo perfil dos sequestradores, pela violência física contra a vítima (corte na orelha) e por a vítima ter necessidades especiais (cadeirante)”, explicou.
Com grande repercussão nacional, o crime mobilizou a população brasileira durante os 96 dias em que Wellington ficou em cativeiro. O crime teve início em 16 de dezembro de 1998, em Goiânia, quando o rapaz foi sequestrado por quatro homens armados. Os criminosos pediram, inicialmente, a quantia de US$ 5 milhões para o resgate.
Durante as negociações, cortaram parte da orelha esquerda da vítima e a enviaram para uma afiliada do SBT em Goiânia, junto com um bilhete pedindo agilidade no pagamento. Em 21 de março de 1999, após a família ter pagado a quantia de US$ 300 mil aos sequestradores, Wellington foi deixado em um local situado entre as cidades de Goiânia e Guapó. No total, 23 pessoas ligadas direta ou indiretamente ao sequestro foram presas.
Mudanças
Marcos conta que os sequestros começaram a mudar com o avanço da tecnologia e, consequentemente, com a migração dos criminosos para a modalidade de golpes. Hoje a modalidade mais comum são os sequestros-relâmpago, quando uma vítima é raptada por um curto período de tempo enquanto tem as contas bancárias saqueadas por criminosos.
Apenas neste ano, o Grupo Anti-Sequestro registrou três casos de sequestros-relâmpagos. A pena para esse tipo de crime pode chegar a 12 anos de prisão.
“É um crime contra o patrimônio. Ele visa arrecadar dinheiro, ganhar dinheiro ilicitamente. Muitos bandidos que eram assaltantes de banco migraram para o sequestro, onde pegavam filhos de ricos e exigiam resgates. Agora, buscando se arriscar menos, eles usam a tecnologia”, concluiu.