“A reforma é necessária. Não tem como fugir dela, mas não pode ser a toque de caixa. Se hoje já estamos com uma inflação de 8,5%, vai aumentar muito mais. Isso vai afetar diretamente consumo e o orçamento doméstico”, explicou consultor tributário José Messias Teodoro

Prometida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde o início de sua campanha eleitoral, em 2018, a reforma tributária, que o Governo Federal planejava entregar ainda em 2019 acabou sendo adiada e começado a ser entregue de forma parcelada somente a partir de 2020, depois de dois anos e meio de gestão. Até o momento, no entanto, apenas duas fatias da reforma foram apresentadas por Paulo Guedes, ministro da Economia, e ambas não vão totalmente de encontro com o que foi inicialmente prometido pelo Governo.

O projeto próprio que a pasta decidiu criar foi apresentado no Congresso mesmo com outras propostas de reforma já em tramitação. A preocupação das entidades começa logo no próprio fatiamento da reforma, que para o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg), Rubens Fileti, pode fazer com que, ao invés de uma, se acabe ocorrendo diversas reformas que não conversam entre si.

Até então, a reforma já está causando desconforto e sendo alvo de críticas no setor privado e entre os empresários. Na semana passada, por exemplo, cerca de 120 entidades empresariais enviaram uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com diversas críticas às alterações apresentadas pelo Governo Federal. Além das críticas, o grupo solicitou que o tema seja debatido com mais intensidade e detalhamento e que seja criada uma comissão específica para a análise da propositura.

O que foi proposto e o que as propostas significam

A primeira parte dessas duas fatias, no entanto, só chegou na Câmara em julho de 2020. Em resumo, ela propõe a unificação do Programa de Integração Social PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) em um único imposto, a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) – que não é vista com bons olhos pela categoria de contadores, por exemplo, segundo o presidente da Conselho Regional de Contadores (CRC), Rangel Francisco Pinto. “Nós entendemos que isso vai aumentar a carga tributária no Brasil, principalmente, nas empresas de serviço, e com esse aumento, isso acabará reduzindo os empregos e as empresas com potencial de investir”, explicou Rangel.

O CBS tem características muito semelhantes às PECs 45 e 110 que já se encontram em análise no pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, respectivamente. Ambas, no entanto, são mais amplas e tem como objetivo substituir cinco tributos federais, estaduais e municiais (que seriam o PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ambas as PECs, para o economista Aurélio Troncoso, irão fazer com que os estados e municípios se mantenham dependentes da União para “pagar suas contas”. Isso, porque o ICMS, por exemplo, é essencial para a manutenção estrutural dos estados.

Economista Aurélio Troncoso | Foto: Reprodução

“O que tem que ser regulado são multas, por exemplo, porque hoje, se você deixa de emitir uma nota fiscal, tem que pagar multa de 180 a 200%”, diz. Em contrapartida, apesar de Aurélio acreditar que ambas as PECs irão contribuir negativamente aos estados, não vê problema na unificação entre o Pis e o Cofins proposta por Paulo Guedes. “Isso são contribuições, não impostos, se o governo quer unificar para cobrar uma coisa só, acho que é um direito dele”, opina.

Já a segunda parte da proposta, que visa reformular as regras do Imposto de Renda, chegou às mãos de Arthur Lira na última semana. Essa fatia do projeto propõe alterações como promover isenção do imposto de renda para pessoas físicas que recebem até dois salários-mínimos e taxa os lucros e dividendos das empresas – o que não agrada nenhum pouco as entidades brasileiras, de modo geral. “Nós já pagamos o imposto na emissão das notas fiscais, então quanto faz a distribuição dos dividendos, o imposto já foi pago. O que o governo quer fazer agora é uma bitributação. Isso é ruim para o investidor e para toda a sociedade. Quem tiver empresa, por exemplo, não vai conseguir tirar o lucro da empresa sem ter que pagar imposto em cima dele”, explica Rangel.

José Messias Teodoro, que é consultor tributário há mais de 30 anos, especialista em planejamento tributário, reestruturação e reorganização societária, exemplifica como deve ser essa modificação. “Suponhamos que eu e irmão temos R$ 10 milhões cada e montamos uma empresa. Nos nossos cálculos, a rentabilidade seria 8% em cima dos 20 milhões. Ao montarmos a empresa esses R$ 20 milhões não vão produzir 8% no primeiro mês, vai mais de levar 2 anos. À medida que colocamos dinheiro na empresa, começamos a contratar pessoas para sua operação, para só depois gerar lucro. Quando gerar, 34% de imposto de renda e contribuição social já tem que ir para o Governo. Esse imposto em cima do lucro que está sendo falado é será de mais 20% além desses 34% que já foi arrecadado pela pessoa jurídica”, disse.

Consultor tributário José Messias Teodoro | Foto: Arquivo pessoal

Essa bitributação, no entanto, como reforça o consultor tributário, viola o artigo nº 1.022 do Código de Processo Civil que está em vigência há cinco anos e é conhecido como Código Fux. “O fisco não pode tributar duas vezes a mesma base de cálculo. Então para reequilibrar esses 8% que vão ficar em 6,4% se o Governo taxar o lucro, ou vamos ter que discutir isso judicialmente ou aumentar o preço dos produtos, o que vai gerar inflação, desemprego e não vai resolver o problema”, opina José Messias.

“Quando se aumentar o preço da mercadoria, sobre esse valor irá incidir o ICMS, PIS e Cofins. As pessoas vão ter que pagar mais pelo produto, e como os salários estão estacionados, o poder de compra será diminuído. Como a inflação também reduz o poder de compra, lá na frente essa engrenagem vai emperrar. Isso não vai ser bom para ninguém, até porque se for aprovado, não tem como mais reverter”, pontuou.

Com maior tributação das empresas, o consultor tributário acredita que há a existência de uma contradição no discurso apresentado pelo Governo Federal. “O governo diz que pretende tributar os ricos, mas o que ele entende como ricos são aqueles que geram progresso para a economia. Em 1988, quando foi promulgada a última Constituição Federal, foi incluído um artigo, o 153, que diz competir à União a instituição dos impostos sobre as grandes fortunas, e não se fala em regulamentar esse imposto há mais de trinta anos. Os incentivos fiscais também são um absurdo. Ao longo dos anos o governo foi concedendo incentivos fiscais a certos setores da economia e isso também está sendo silenciado”, opina o consultor.

A própria isenção da alíquota do imposto de renda de pessoas que ganham até R$ 2.500 reais, na promessa de melhorar a situação de quem vive com menor poder aquisitivo, para os especialistas, pode ser um tiro pela culatra – além de ter sido menor que o prometido. Isso, porque o prometido durante a campanha eleitoral de Bolsonaro era a isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF) para até cinco salários-mínimos, valor que na época totalizava R$ 4.770, e hoje significa um valor de R$ 5.500.

Rangel, presidente do Conselho Regional de Contadores (CRC), por exemplo, relembra o fator de que, apesar da isenção de impostos sobre quem ganha menos, precisará haver um aumento sobre outros para compensar. “Sabemos que todo aumento de imposto deságua no valor dos produtos. Quem vai estar na classe C e D vai ter uma falsa sensação de que está ganhando mais, mas os produtos vão aumentar o preço”, explica. Rubens Fileti, presidente da Acieg, concorda, e acredita que a ambas as classes irão sofrer caso as modificações sejam aprovadas. “Dependendo do impacto do aumento de alíquota e da falta de equivalência em incentivos fiscais dos estados, vamos ter uma alta dos preços, uma retração das contratações e um problema sério de demissões”, acrescentou.

O senador Vanderlan Cardoso (PSD), por outro lado, vê a reforma tributária por outros olhos. Para ele, no Brasil, só faz sentido falar dessa reforma caso ela seja ampla e abranger tributos municipais, estaduais e federais. “É preciso simplificar o sistema tributário nacional. Essa simplificação do normativo tributário trará eficiência ao sistema, transparência, segurança jurídica, fim de privilégios injustos e reduzirá custo das empresas com tributaristas e advogados além de também reduzir o custo fiscalizatório do Estado e combate à corrupção”, pontuou.

Senador Vanderlan Cardoso (PSD) | Foto: Senado Federal

Além disso, apesar da preocupação da classe empresarial, ele alega que não há a intenção de aumentar a tributação. “Temos o compromisso do Ministro Paulo Guedes e dos Parlamentares com a premissa do não aumento da carga tributária atual, hoje em torno de 34%, que equivale a países ricos europeus. Apesar da situação fiscal complicada que atravessamos, não há que se falar em aumento de impostos. Com isso, traremos mais justiça, transparência e simplicidade tributária. Faremos com que pessoas de baixa renda paguem muito menos impostos do que pessoas com alta renda, e isso se traduz em justiça social”, disse.

É preciso mudar, mas com outras propostas

Plenário da Câmara dos Deputados | Foto: Câmara dos Deputados

Ao considerar a grave crise econômica que afeta o Brasil, que antes da pandemia já apresentava dificuldades, mas desde março de 2020 obteve grande piora, especialistas creem na importância de existir alterações, mas não as que até então foram apresentadas pelo Ministério da Economia. “Entendo que, do jeito que está, essa reforma vai gerar muito desgaste com os municípios e estados”, opinou o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg), Rubens Fileti.

Para o consultor tributário, José Messias, uma reforma tributária, especialmente no contexto atual, não deixa de ser necessária, mas é preciso que haja grandes debates e análises do que foi propostos, para que hajam adequações à realidade brasileira. “A reforma é necessária. Não tem como fugir dela, porque precisamos solucionar uma série de problemas estruturais, mas não pode ser a toque de caixa. Se você quer resolver o problema de caixa do governo, isso não vai ser feito penalizando as empresas e a parte produtiva, nem a população. Se hoje já estamos com uma inflação de 8,5%, vai aumentar muito mais. Como as pessoas vão comprar? Isso vai afetar diretamente consumo e o orçamento doméstico”, explicou o especialista.  

Presidente da Conselho Regional de Contadores (CRC), Rangel Francisco Pinto | Foto: Reprodução

O presidente do Conselho Regional de Contadores, Rangel Francisco Pinto concorda. “Nesse momento de retomada econômica, reforma é imprescindível. Não dá paro Brasil viver dessa maneira com imposto tão alto, mas para melhorar, se deve impulsionar a economia e isso só se consegue com redução de impostos, não com aumento, e essa proposta que eles tão apresentando não é de redução”, pontuou.

Um passo fundamental a José Messias, para que se pudesse fazer uma reforma tributária de qualidade seria a efetivação de uma reforma administrativa antes da tributária. “É o que está se pensando, porque como o governo se silenciou no corte dos gastos públicos, a sociedade quer ver o que o governo fará do lado dele. Isso, porque temos duas forças agindo nessa situação: uma querendo tributar para entrar mais dinheiro e o outro não querendo pagar. E estamos vendo as duas forças se debatendo no mercado”, afirmou.