Plano Diretor de Goiânia tem de proteger Região Norte, alertam especialistas
12 junho 2021 às 23h30
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Pesquisador diz que ser “suicídio” qualquer expansão urbana da área da margem esquerda do Meia Ponte, principal responsável pelo abastecimento de água da capital
Goiânia pode ser dividida de diversas maneiras: por fatores econômicos, sociais, ambientais, entre outros. Mas uma determinada divisão geográfica em particular pode afetar integralmente a cidade em todos os demais aspectos: é a que tem o Rio Meia Ponte como protagonista e é dela que depende o futuro da capital.
Um dos principais afluentes do Rio Paranaíba, que, por sua vez é um dos mais importantes da Bacia Hidrográfica do Paraná, o Meia Ponte nasce na Serra dos Brandões, no município de Itauçu. Até chegar à foz, na Usina de Cachoeira Dourada, seu leito percorre mais de 470 quilômetros. O trecho que enfrenta dentro da capital é relativamente pequeno, mas crucial para ambos, rio e cidade.
É por causa da Bacia do Meia Ponte que Goiânia existe. E é por causa de Goiânia que o Meia Ponte tem de se reconstruir depois de passar por ela. Pela natureza poluidora do ser humano, qualquer trecho urbano de certa forma agride um curso d’água, mas uma metrópole o deixa em frangalhos. Salvar o manancial é algo necessário, mas também complexo e não depende apenas de uma administração municipal, ainda que seja a da maior cidade.
No entanto, para a sobrevivência da própria capital, é preciso que o Plano Diretor de Goiânia tenha o Meia Ponte em tela – ou melhor, o que está às suas margens direita e esquerda. E que a divisão geográfica que ele impõe ao cruzá-la seja levada em consideração agora, quando a proposta de sua atualização retorna à Câmara Municipal após passar mais de sete meses retida pelo Paço.
O Meia Ponte entra no município pela Região Noroeste. A partir de lá, à direita de quem desce o manancial moram 9 de cada 10 habitantes de Goiânia. O centro nervoso da capital, grandes equipamentos públicos, shopping centers, serviços, indústrias etc. Uma área quase que completamente urbanizada, além de bastante verticalizada e com alto índice de impermeabilização do solo.
E à margem esquerda? Uma região predominantemente de chácaras, fazendas e bairros residenciais de casas. Condomínios de poucos andares contam-se nos dedos das mãos. Há também o Aeroporto Santa Genoveva, o Câmpus Samambaia da Universidade Federal de Goiás e grandíssimas áreas verdes. A maior delas é o Parque Ecológico Altamiro de Moura Pacheco, onde se encontra também a barragem do Ribeirão João Leite e o Sistema Produtor Mauro Borges, com seu armazenamento de 130 bilhões de litros de água.
É a Região Norte de Goiânia. Ou o “berço das águas da capital”, como concordam especialistas, técnicos, ambientalistas e boa parte dos políticos. Da mesma forma, todos os estudiosos em planejamento urbano são unânimes em dizer que a área não deve ser tocada. “A Região Norte de Goiânia não é para ser ocupada. É quase que um ato suicida fazer isso, porque é de onde vem nosso abastecimento, com o qual já estão tendo muitos problemas”, diz o professor e geógrafo Nilson Clementino Ferreira.
Não é só o fato de vir do Norte a água que vai para a boca e para o prato do goianiense e da população dos municípios vizinhos que causa preocupação em relação à ocupação daquela região. “O terreno também é bastante delicado, muito sujeito a erosões e com falhas geológicas que podem comprometer grandes estruturas”, diz Nilson, que tem doutorado em em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG), onde é professor da Escola de Engenharia Civil (EEC), além de professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental e Sanitária, também na instituição.
Especialista em Planejamento Ambiental, Gerson Neto, vai além da simples ocupação por bairros na Região Norte. “Não é só a expansão em termos de loteamentos. É preciso evitar também zoneamento empresarial e industrial além do que já existe, nem qualquer outra obra de impacto. Enfim, a cidade não pode crescer mais do que aconteceu para essa região”, afirma.
A solução, para Neto, é investir nos vazios urbanos da cidade. “Há dezenas de milhares de imóveis desocupados na malha urbana já existente. Os bairros antigos, que estão degradados, podem ser recuperados, de modo a que evitemos a abertura de novos bairros, menos ainda na Região Norte.”
Reuniões para discutir o Plano Diretor como um todo e também por regiões já estão sendo organizadas pelos grupos interessados. Na semana passada, o vereador Mauro Rubem (PT) promoveu um encontro virtual, pelo aplicativo Zoom, que envolveu os especialistas citadas acima, bem como um bom número de lideranças comunitárias e presidentes de associações de moradores. A tendência é de que a discussão evolua e consiga mobilizar mais pessoas para traçar estratégias de mobilização. Uma dificuldade tem sido, obviamente, as restrições impostas pela pandemia.
Nilson Ferreira chama a atenção para um afluente do Meia Ponte, também situado na Região Norte e hoje tão importante quanto o rio principal: é o Ribeirão João Leite. O entorno do lago formado para o reservatório de abastecimento com suas águas, próximo à BR-153, entre Goiânia e Goianápolis, é sempre motivo de especulação para ocupação e interesses imobiliários. “É algo impensável, principalmente porque essa região é sempre apresentada como área para práticas sustentáveis, não para qualquer ocupação. Assim deve continuar sendo”, explica o professor.
Tramitação
Depois de ser recolhido de sua Câmara de Goiânia pela administração municipal em setembro do ano passado, ainda com Iris Rezende (MDB) como prefeito, o Plano Diretor deve voltar ao Legislativo nesta semana. O titular da Secretaria de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh), Valfran Ribeiro, em conjunto com a superintendente de Planejamento e Gestão Sustentável da Seplanh, Carolina Alves, entregaram ao prefeito Rogério Cruz (Republicanos) o resultado final das análises que o grupo de trabalho fez.
O texto deve ser encaminhado à Câmara Municipal na próxima semana, mas, antes, precisa passar pela Casa Civil do Paço. Interessados em ver o que foi modificado e também em fazer novas emendas – já que a maioria do atual Legislativo ainda não teve contato com o Plano Diretor, vereadores já se movimentam e formam um grupo de trabalho.