Pé-de-meia: especialista avalia efeito prático do programa federal na evasão escolar
24 março 2024 às 00h01
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O Governo Federal lançou recentemente um programa que combina incentivos financeiros e educacionais, com foco na poupança, destinado a apoiar estudantes matriculados no ensino médio público. Seu principal objetivo é estimular a permanência e a conclusão dos estudos, visando democratizar o acesso à educação e reduzir as disparidades sociais entre os jovens dessa faixa etária.
O beneficiário receberá um incentivo mensal de R$ 200, que pode ser sacado a qualquer momento, e depósitos anuais de R$ 1.000, que só podem ser retirados após a conclusão do ensino médio.
Além disso, o programa oferece um incentivo adicional de R$ 200 para os participantes que se submetem ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao totalizar as dez parcelas de incentivo, os depósitos anuais e o bônus pelo Enem, cada aluno pode acumular até R$ 9.200.
Para entender o possível efeito prático do programa, o Jornal Opção ouviu o doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP), Glauco Gonçalves. Para ele, é difícil discutir que valor seria suficiente. O especialista prefere destacar o fato de ser uma política importante e que ainda não tinha sido implementada.
“A gente precisa lembrar que os dados de evasão escolar, desde a pandemia, subiram muito, em especial no ensino médio, então o governo acertou em alocar esse recurso e destiná-lo a essa faixa do ensino. O maior índice de evasão é a partir dos 13 anos de idade, até os 17, porque os estudantes precisam trabalhar”, afirmou.
Ainda sobre o valor, Glauco argumenta que muitos trabalhos desempenhados por esses estudantes são precários e de baixa remuneração. Sendo assim, garantir uma renda pode ser muito importante para focar nos estudos.
“Você garantir uma bolsa, mas não sendo um valor significativo, se olhar em termos absolutos, mas quando a gente pensa nessa faixa etária, no tipo de trabalho que ela consegue, esse é um valor que pode, sim, oferecer uma pequena contrapartida significativa na redução da evasão”, pontua.
Poderão receber o benefício estudantes de 14 a 24 anos, de baixa renda, matriculados no ensino médio regular das redes públicas, pertencentes a famílias inscritas no Programa Bolsa Família; ou ainda alunos de 19 a 24 anos, de baixa renda, matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA), pertencentes a famílias inscritas no Programa Bolsa Família.
A partir do dia 26 de março, o Ministério da Educação (MEC) procederá com o pagamento do Incentivo-Matrícula do programa aos estudantes elegíveis matriculados em alguma série do ensino médio público. Essa ação ocorrerá desde que as informações estejam consolidadas e tenham sido enviadas pelas redes de ensino entre 29 de fevereiro e 8 de março, via Sistema Gestão Presente (SGP).
De acordo com Glauco Gonçalves, o programa contribui para atingir as metas nacionais, já que o Plano Nacional da Educação (PNE) fala em ampliação do tempo de escolarização, visando a totalidade dos estudantes.
“Isso é um grande desafio. O Brasil ainda precisa ampliar a presença e a manutenção desses jovens, em especial do ensino médio. A gente vai precisar de tempo para olhar como o programa se comporta, para saber que tipo de alteração de dados e se há uma ampliação significativa ou não. Mas, a princípio, dá para cravar que o programa atua em consonância com o PNE”, disse.
O depósito da parcela única de R$ 200 do primeiro incentivo financeiro-educacional do programa será realizado conforme o mês de nascimento dos alunos. Estes recursos serão depositados em contas digitais que serão abertas automaticamente pela Caixa Econômica Federal em seus nomes. A poupança do ensino médio, com adesão de todas as redes estaduais, será direcionada a 2,5 milhões de jovens elegíveis.
Confira o calendário de pagamento do bônus de matrícula por mês de aniversário do estudante:
- Janeiro e fevereiro: 26 de março
- Março e abril: 27 de março
- Maio e junho: 28 de março
- Julho e agosto: 1º de abril
- Setembro e outubro: 2 de abril
- Novembro e dezembro: 3 de abril
Para receber as nove parcelas de R$ 200, o aluno deve garantir uma presença mínima de 80% nas horas letivas totais, verificada através da média das horas frequentadas durante o período letivo ou pela frequência mensal.
Já o pagamento do incentivo pela conclusão, o estudante deverá concluir os anos letivos do ensino médio com aprovação e participar das avaliações educacionais. No entanto, o depósito e saque desses incentivos, assim como pela participação no Enem, estão condicionados à obtenção do certificado de conclusão do ensino médio.
Como ainda é um programa novo, que está em fase de execução, Glauco Gonçalves argumentou que é preciso mais tempo para uma análise mais concreta. Apesar disso, ele considera, a princípio, que os critérios de elegibilidade parecem adequados.
“O crivo do governo é por renda, então é onde os níveis de evasão escolar são mais altos, evidentemente. Os estudantes mais pobres são os que mais evadem da escola e sobretudo no ensino médio, porque vão trabalhar para ajudar os pais, para ajudar na composição da renda familiar. Então, a princípio, nesse primeiro momento, eu considero oportuno os critérios utilizados para a seleção desses jovens a serem beneficiados”, explicou.
As redes de ensino médio, sejam elas federais, estaduais, distritais ou municipais, devem cooperar e fornecer as informações requeridas para a execução do Programa Pé-de-Meia. Essas redes têm a responsabilidade de coletar e transmitir ao MEC, por meio de um sistema informatizado, os dados dos estudantes, incluindo informações pessoais, acadêmicas e aquelas necessárias para a abertura da conta.
Como sugestão, o especialista sugere que é uma ótima ideia se o governo produzisse algumas diretrizes ou indicativos de fomento de uso desse dinheiro.
“Já há um vínculo se o estudante faz o Enem. Poderia haver um para ele entrar na universidade, ganhar mais bônus. Isso também é fator de atração à permanência, acho muito significativo e vejo com bons olhos. Agora, não há nenhum tipo de critério para esse uso. Insisto e repito: é uma ótima ideia se o governo criasse diretrizes, oferecesse perspectivas, algum tipo de consultoria, de conselhos, não como exigência, mas como indicações possíveis para o uso desse recurso”, disse.
Com base nesses dados, o MEC poderá monitorar e verificar se os requisitos estão sendo cumpridos para efetuar os pagamentos de incentivos. As folhas de pagamento serão encaminhadas à Caixa Econômica Federal, que ficará encarregada de realizar os pagamentos correspondentes.
Na opinião de Gonçalves, o governo conseguirá ter métricas específicas para medir o sucesso do programa. Ele afirma que a política de estado da educação brasileira possui parâmetros, critérios, levantamento de dados, tanto do MEC, como de outros entes, às vezes as fundações, as associações, mas também o IBGE.
“Há uma série de órgãos do estado brasileiro, muito além do governo, que conseguem mensurar, por exemplo, a evasão escolar. Então, a gente vai poder cruzar os dados. Tem o CadÚnico, uma série de avaliadores de dados de ótima qualidade a nível nacional, de diferentes órgãos do estado brasileiro que, usados na associação adequada, por exemplo, a gente vai conseguir entender a efetividade do programa. Acho que é ideal a gente esperar uns três anos, mas claro, fazer medições ano a ano para entender como a política está se comportando”, defende.
O especialista ainda ressalta que o desafio, apesar de ser uma política pública bem direcionada e bem orquestrada, é a busca por uma atuação profissional. Para ele, mesmo sendo uma bolsa de um valor pequeno, se comparado, por exemplo, ao salário mínimo, ela surte um efeito positivo.
“Além do recurso, a gente precisa garantir um horizonte de expectativas com a escolarização. O estudante precisa entender que a escola, o ensino médio, vai gerar benefícios profissionais e melhorias na qualidade de vida. É um desafio que segue sendo posto mesmo com a implementação desse programa. A escola precisa oferecer um conjunto de práticas, de saberes, de acolhimento, um processo formativo que gere essa solidez a longo prazo, para que esses estudantes permaneçam lá percebendo ou mirando a conclusão desse ensino médio como um benefício mais sólido a longo prazo, como parte da sua vida profissional dali em diante”, projetou.
“Acho que esses são grandes desafios. Não adianta implementar um programa como esse, que vejo com bons olhos e todos os profissionais de educação, de modo geral, mas não adianta fazer isso e não criar uma política educacional de qualidade para construir um processo formativo adequado para esses jovens”, completou.
Por outro lado, quanto a projeções de longo prazo, Glauco Gonçalves não vê impacto na segurança financeira dos participantes e no desenvolvimento econômico mais amplo do país.
“Em termos de segurança financeira é baixa efetividade. Até o termo popular que foi usado, como o uso popular diz, é um pé de meia, ele não é uma garantia, não é uma somatória de recursos que permite esse jovem, por exemplo, abrir uma empresa, construir uma carreira de empreendedor, ou mesmo um impacto financeiro de investimento desses jovens do país. É limitado se a gente pensar nesse sentido, se comparado à dimensão da economia brasileira”, refletiu.
Ainda conforme ele, em termos absolutos, o programa não vem para resolver a vida de nenhum estudante contemplado. No entanto, se pensar na realidade financeira das famílias desses jovens, pode ser uma ajuda significativa.
“A gente tem que pensar que quase dois terços da população brasileira vivem com até dois salários mínimos. Esse dado é muito relevante, e você garantir uma renda de R$ 2 mil aproximadamente ao ano, um pouco mais até, para cada estudante que está nesse programa, não é um dinheiro a se desconsiderar quando pensamos na média da composição de renda familiar no Brasil, que é um país profundamente desigual. Então, é um quantitativo relevante na média da renda familiar brasileira, mas não a ponto de fazer algum tipo de inversão, ou de compor um montante relevante em termos de investimento produtivo ou algo do tipo”, finalizou.
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