Maioria dos jornalistas não está preparada para a crescente de violência, diz Leandro Demori
18 agosto 2019 às 00h00
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Editor do The Intercept Brasil afirma que combate a imprensa por parte de governo sempre existiu, mas o grau aumentou muito
O jornalista e editor do The Intercept Brasil, Leandro Demori, esteve na capital no último dia 9, para participar do 8º Congresso Estadual dos Jornalistas de Goiás, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás (Sindjor-GO). Na ocasião, ele falou sobre as publicações do veículo de comunicação em que atua, mas também de jornalismo.
Durante sua fala no evento, ele afirmou que “a imprensa se fragilizou nos últimos dez anos. E quando essa grande mídia se enfraquece e uma nova não se sobrepõe, pois poucas têm força de verdade, a gente vive um limbo do enfraquecimento do jornalismo em si”.
Desta forma, ele avaliou que, somado a visão do atual governo federal, de que o profissional de imprensa é o inimigo número um, a confiança em relação ao jornalista é impactada diretamente frente a sociedade. “E a imprensa tem sua parcela de culpa, por não reconhecer os seus erros, nessa quebra de confiança”.
Inclusive, nesse momento de baixa audiência é que surgiu a Lava Jato, conforme Demori. “A Lava Jato fornece notícia explosiva com altos índices de audiência, gratuitamente. Você simplesmente replica o que vem de Curitiba”, disse em seu painel, durante o evento. Notícia explosiva, todos os dias, com altíssimos índices de audiência. Mas com isso não faz cobertura crítica. E a medida que ela pega cabeças grandes, ela vai se blindando. Falar sempre com as pessoas certas, para noticiar da forma como eles querem”.
Atrativos e fake news
Leandro Demori acredita que os profissionais precisam tornar o jornalismo mais atraente para poder brigar com redes sociais, Netflix e mais. Ainda assim, ele reconhece que novos espaços e formas têm sido criados para as pessoas consumirem informações.
Em relação a fake news, ele diz que estas são criadas com intuito claro de nublar e enfraquecer o jornalismo, uma vez que não há como produzir agências de fact checking o suficiente para checar tudo.
Porém, antes de sua participação no Congresso, Demori conversou com o Jornal Opção. A seguir você confer o que foi dito.
Entrevista
Jornal Opção: Quais as dificuldades em publicar esse material da Vaza Jato?
Leandro Demori: Uma coisa que nós, obviamente fizemos antes de publicar as reportagens, foi identificar no material as partes de interesse público. Depois de publicado, uma das grandes dificuldades é enfrentar membros do governo, especialmente do Ministério da Justiça, nas mãos do ex-juiz Sergio Moro, e também membros da Lava Jato que, durante todo o tempo, desde que lançamos a primeira reportagem até hoje, tentam colar a nossa imagem a hackers criminosos, nos colocando, eventualmente, como aliados ou cúmplices no cometimento de crimes, coisa que não somos. Estamos apoiados e amparados pela Constituição brasileira no sigilo da fonte e na liberdade de imprensa e de expressão para publicar o material.
JO: E como enfrentar essa questão?
LD: É uma situação nova para todo mundo. Combate à imprensa por parte de governo sempre existiu, em todos os governos e países, democráticos ou não. Faz parte do jogo, inclusive dos países democráticos. A grande diferença é que a escala de violência aumentou brutalmente nos últimos tempos, o que é uma coisa muito nova para todos.
Nem todo mundo, eu diria, inclusive, a maioria dos jornalistas, está preparado para lidar com isso… Então eu diria que, agora, é observar os movimentos, tentar entender porque isso está sendo feito e o jogo que está sendo jogado. Acho que o principal é isso, porque é um jogo que faz parte de uma estratégia política para calar a imprensa e não podemos entrar emocionalmente nesse jogo. Temos que ser mais racionais, mais frios, entender, e não entrar nesse jogo como eles têm jogado, pois tem sido feito de uma maneira nojenta, abjeta… Temos que jogar do nosso jeito e de forma ética.
“ Estamos apoiados e amparados pela Constituição brasileira no sigilo da fonte e na liberdade de imprensa e de expressão para publicar o material”
Jornalismo chapa branca
JO: Muitos elementos da imprensa tem feito o jornalismo como os detentores dos poderes querem. Alguns até fictícios…
LD: Sempre existiu jornalismo “chapa branca” no Brasil e no mundo todo. A grande diferença é que agora, com internet e redes sociais, e tendo ficado mais barato você montar e produzir “notícias”, a qualidade caiu brutalmente. A gente vê que existem pessoas que não estão muito preocupadas nem com qualidade, nem com questões éticas e nem com a veracidade das informações. Mas novamente: isso é parte do jogo, parte de misturar o que é imprensa e o que é boato, mas a gente tem que saber que esse jogo existe e que ele não vai terminar.
Não existe possibilidade de agências de fact checking ou qualquer outro remédio acabar isso. Não existe possibilidade das plataformas (Facebook, Twitter) acabarem com isso e elas não farão isso, até porque, em boa medida, não é interesse, já que notícias falsas também geram cliques, tempo de redes sociais, enfim… A gente tem que fazer cada vez mais o bom jornalismo. É o nosso papel não desistir de fazer bom jornalismo.
Parceiros
JO: O The Intercept tem trabalhado com diversos parceiros na Lava Jata. Além de fortalecer o jornalismo, isso é também uma forma de se resguardar?
LD: É uma forma de dar a opinião pública e ao público uma chance de que outras redações tenham acesso ao arquivo, que tenham o seu olhar sobre o arquivo, encontrem as suas próprias histórias, seguindo sua própria linha editorial… Acho que isso é justo que seja feito. A maneira como nós enxergamos esse arquivo é que ele não é do The Intercept, mas um bem público do Brasil em relação à relevância pública que ele tem.
Mas também, é claro, quanto mais parceiros temos, mas relevância a informação ganha, mais alcance ganha e menos o The Intercept vira um alvo sozinho, sendo acusado de estar escolhendo as pautas e manipulando os chats, coisa que, obviamente, não fazemos e nem nunca faremos em nenhuma reportagem nossa. Então, também essa segurança de que outros veículos estão olhando o mesmo arquivo e de que as reportagens são de interesse público e são verídicas.
“Não existe possibilidade de agências de fact checking ou qualquer outro remédio acabar isso [Fake news]”
JO: E a linha editorial de parceiros é bem ampla. Veja e Reinaldo Azevedo são mais voltados à direita, por exemplo.
LD: É importante ter essa diversidade. A gente pensou nisso desde o começo. Além disso, como falei, cada um deles vai ter o seu olhar em relação ao arquivo e o que está ali dentro.
Agora, a gente vive em um momento do Brasil de ruptura entre civilização e barbárie. Assim, se o Reinaldo e a Veja quiserem trabalhar junto com o El País, se o Uol quiser trabalhar junto com o Reinaldo, se todos eles quiseram trabalhar com a gente, a depender da matiz ideológica de cada um, o importante é assegurar que a civilização vença a barbárie. E quem está do lado da civilização, se ideologicamente não é do meu agrado, ou não comunga das minhas expectativas em relação a outros casos, isso a gente vai discutir depois.
Futuros jornalistas
JO: Hoje [09/08/2019], você vai falar para vários estudantes. Qual é a importância desse momento?
LD: Gosto muito dos estudantes. É onde vai estar o futuro do que estamos fazendo. Acho que vivemos um momento de crise de redações, de pouco dinheiro no jornalismo brasileiro e mundial, também. Mas também é um momento de ruptura, em que estão se criando novos veículos.
O The Intercept é um veículo novo, tem somente três anos no Brasil, assim como outras iniciativas, como A Pública, etc. Várias iniciativas que, no futuro, talvez em 10, 20 ou 30 anos, sejam grandes veículos de comunicação no Brasil. Por isso é importante que os jovens estejam aqui, hoje, porque são eles que vão trabalhar nesses veículos, no futuro e, talvez, criando novos.