Quase dez anos depois da independência dos Estados Unidos, surgia no Brasil um movimento chamado Inconfidência Mineira. Mas, apesar de nunca ter sido encontrada nenhuma referência à conjuração em documentos oficiais, historiador garante que Casa de Cora foi construída por um possível simpatizante dos inconfidentes e nora e netos de Tiradentes também vieram para Goiás após a conjuração.

Com ideais liberais e iluministas, jovens letrados na Europa encontraram em Minas Gerais um ambiente propício para se rebelar contra a Coroa Portuguesa. A escassez do ouro já trazia uma situação de pobreza para a região, que ainda tinha que pagar altos impostos para o governo.

“Havia em Goiás também um descontentamento das pessoas com a cobrança de impostos”, destacou o diretor do Instituto de Pesquisas de Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHDC), ligado à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Puc Goiás), o historiador Antônio César Caldas Pinheiro. Nessa época, a produção do ouro em Goiás não era tão vultuosa quanto em Minas Gerais e o Estado já vivia os impactos do fim do ciclo do ouro.

O historiador Antônio César, que dedica suas pesquisas ao século XVIII – período histórico em que aconteceu a inconfidência mineira -, revela que nunca encontrou nenhuma referência em documentos do arquivo histórico aos inconfidentes. “Não quer dizer que não existam, mas eu, que pesquiso há anos esse período histórico, nunca localizei”, afirmou.

De fato, muitos mitos cercam a história da inconfidência e de seu líder, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. “Pode ser que as notícias tenham chegado até aqui, mas ninguém queria parecer estar envolvido nisso e ficaram em silêncio”, explicou o historiador, que lembra também que nessa época o meio de locomoção era o cavalo e uma viagem a Minas poderia durar meses.

No livro História de Goiás, Luís Palacin e Maria Augusta de S. Moraes contam que o primeiro carro de boi chegou no Estado, vindo de Minas Gerais, só no século seguinte, em 1824, o que já era um grande avanço pra época. O telégrafo bem mais tarde, em 1891, o primeiro automóvel em 1907 e a estrada de ferro quase cem anos depois, em 1913. Isso mostra o quanto a circulação de notícias era difícil naquela época, algo impensável para os dias de hoje.

Os autores dizem ainda que, nesse período, “as insatisfações administrativas existiam, mas raramente de manifestavam”. Os historiadores relatam que em 1770, com a morte do capitão-general João Manoel de Melo, “a Câmara elegeu uma junta governativa para substituí-lo”. Já em 1803, um desentendimento destituiu o capitão-general de então. Mas em todas essas situações, a Coroa repreendeu severamente os atos e seus agentes.

No entanto, o historiador destaca que o capitão António de Sousa Teles de Menezes – que foi capitão mor da comarca de Vila Boa em 1786 – foi procurador do contratador das entradas, João Rodrigues de Macedo, entre 1776 e 1782. O contratador em questão teve envolvimento com a inconfidência mineira, mas nunca foi condenado por isso. E sua ligação com o capitão de Goiás demonstra uma possível proximidade de ideais entre os dois.

Em tese, os ideais liberais e iluministas condiziam com os atos de João de Macedo, mas uma possível independência do Brasil o isentaria de ter que pagar suas dívidas junto ao governo português. “Essa amizade pode ser um dos reflexos da inconfidência em Goiás”, supõe o historiador.

Além disso, em um Brasil independente, João poderia exercer grande poder político e econômico. Supostamente, é claro. Mas é sabido que ele tinha ligações pessoais com os inconfidentes, que se usaram a Casa de Contos, propriedade do contratador, para fazer reuniões. Mas, apesar de supostamente ter tido participação na conjuração, foi poupado da sentença e por diversas razões.

Primeiro, por amizade ou suborno, ele não foi citado nos protocolos. Além disso, ele tinha emprestado pouco tempo antes da inconfidência uma generosa quantia ao governador e capitão geral Visconde de Barbacena, que foi o responsável pelas prisões e inquirições dos inconfidentes.

Também há a possibilidade do que os presos tenham acobertado o amigo em troca dele ajudar financeiramente as esposas e filhos após a condenação. Inclusive, ele arrematou em leilão a fazenda Sesmaria de Boa Vista, em São Gonçalo de Sapucaí, que foi de seu compadre inconfidente Alvarenga Peixoto.

Voltando para Goiás, apesar da Coroa Portuguesa ter permitido a ascensão social de António de Sousa Teles de Menezes mesmo com a origem plebeia, a independência do Brasil seria tão interessante para ele quanto poderia ter sido para seu amigo em Minas Gerais. “Essa amizade pode ser um reflexo da inconfidência”, admite o historiador.

Quem foi António de Sousa Teles de Menezes?

Em artigo publicado na revista História Regional da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em 2017, o pesquisador mestre em Letras pela Universidade de Lisboa, Luís Alberto Mendonça, procura reconstituir a trajetória de António de Sousa Teles de Menezes. No texto, o autor destaca a forma como ele se movimentou na sociedade da época, o Brasil Colônia, e ascendeu socialmente na capitania de Goiás.

“A singularidade do seu percurso de vida residiu, igualmente, no fato de ele ter assumido uma posição crítica que roçava os limites da ousadia face a determinadas práticas e comportamentos mais ou menos institucionalizados”, afirmou o pesquisador no artigo em questão.

António frequentou a Universidade de Coimbra, de onde saiu com o título de bacharel em leis em 1755. Formado, cruzou o oceano Atlântico para vir para o Brasil. Ficou alguns meses no Rio de janeiro, na casa do tio Pantaleão de Sousa Teles. Por lá exerceu a advocacia até decidir se mudar para Vila Boa de Goiás para também exercer a sua profissão.

Segundo Luís Alberto, “numa capitania em que as instâncias judiciais ainda estariam numa fase muito incipiente, em que as demandas e as querelas eram frequentes, a desordem e o desrespeito pela lei eram situações banais, António Teles de Menezes encontraria aí o terreno ideal para testar as suas qualidades como advogado”.

Além disso, o pesquisador destaca que, “numa região em que o analfabetismo imperava”, sua formação acadêmica o tornava apto a ocupar cargos importantes e uma das principais regiões de mineração do Brasil colonial. E, depois de mais uma década em terras goianas, “António Teles de Menezes já não exercia apenas a função de advogado”, afirmou Luís ao dizer que ele se tornou um “homem de negócios”.

Em 1778, António tornou-se Cavaleiro da Ordem de Cristo, uma condecoração reconhecida pela Coroa Portuguesa. “Dos quarenta indivíduos que solicitaram o hábito da Ordem de Cristo de acordo com o estipulado no decreto de 1750, apenas oito viram satisfeitas as suas pretensões e António de Menezes estava entre o restrito grupo dos eleitos”, lembrou o pesquisador.

Casa de Cora já foi de um quase inconfidente

António de Sousa Teles de Menezes foi o construtor do que chamamos hoje de Casa de Cora. Por ali viveu a maior parte do tempo em que esteve em Vila Boa e, depois que morreu, em 22 de agosto de 1804, teve seus bens leiloados em praça pública. Segundo o historiador, foi o “trisavô” da poetiza Cora Coralina, João José do Couto Guimarães, que arrematou o espólio que incluía a casa ícone da Cidade de Goiás.

A casa da ponte na Cidade de Goiás | Foto: Arquivo

Teles de Menezes perdeu seus bens depois de ser preso e ter seu nome envolvido em uma insurreição contra o governador João Manuel de Meneses. Depois de uma devassa para apurar responsabilidades, o capitão-mor foi o mais prejudicado por causa da tentativa de uma espécie de golpe político, conforme aponta os estudos do historiador Paulo Bertran.

De fato, segundo Antônio César, o capitão era muito crítico com relação a atuação dos governadores. “Em cartas, reclamava da economia, da catequese, da navegação dos rios, da Justiça, da administração pública”, pontuou o diretor do IPEHDC.

Pesou contra António uma carta escrita para a rainha Maria II, cerca de 15 anos antes, em que denunciava de forma contundente os abusos de poder dos principais agentes políticos da Coroa na capitania de Goiás. Isso teria levantando suspeitas de que ele seria um foco de instabilidade política, algo que poderia ter se tornado uma nova inconfidência. Mas, claro, tudo isso são conjecturas que ainda precisam de maior fundamentação.

Nora e netos de Tiradentes vieram para Goiás

No início do século XIX, depois da morte do filho de Tiradentes, João de Almeida Beltrão, a viúva Maria Francisca da Silva, se mudou para Uberaba trazendo seus filhos, netos do inconfidente. O que poucos sabem é que até 1816, o que hoje se conhece como triângulo mineiro era território de Goiás. Pesou na decisão de Dom João VI o pedido de um grupo de fazendeiros, líderes políticos e comerciantes de Araxá, que alegavam que Ouro Preto, capital de Minas na época, era bem mais próxima do Triângulo do que Vila Boa.

A vinda dos descendentes de Tiradentes para Goiás, na época uma região isolada, pode ter se dado por vários motivos. Mas, uma hipótese levantada seria para fugir da maledicência e do preconceito sofrido após a morte do inconfidente. “Pode ser uma forma de fugir dos olhares e dos comentários”, supôs o historiador.

Recorte do jornal Correio Católico, de 18 de outubro de 1969. | Foto: Acervo Arquivo Público de Uberaba

Já no século XX, três trinetos de Tiradentes, Pedro de Almeida Bretão Junior, Maria Custódia dos Santos e Zoé C. dos Santos, passaram a receber pensão do governo militar em 1969. Foi, inclusive, durante o período da ditadura que foi criado o feriado de 21 de abril, pela lei nº 4897. A ideia dos militares era estimular o culto aos heróis da pátria, como o líder da Inconfidência Mineira.