Fraude em cotas de gênero provoca ‘dança das cadeiras’ em Goiânia. Especialistas avaliam aplicação da lei

24 dezembro 2023 às 00h01

COMPARTILHAR
Em um período de um ano e meio, a Justiça Eleitoral determinou a cassação de sete vereadores em Goiânia, representando quase 25% das 35 cadeiras totais na Câmara Municipal. As razões para as cassações variaram desde fraudes relacionadas à cota de gênero até infidelidade partidária. Alguns desses vereadores conseguiram recuperar seus mandatos, enquanto outros permaneceram excluídos da Casa de Leis.
Por fraude à cota de gênero, primeiro Santana Gomes e Bruno Diniz, ambos do PRTB, tiveram suas chapas cassadas, resultando em uma nova recontagem de votos. Subsequentemente, as vagas foram ocupadas por Paulo Magalhães (UB) e Márcio Carvalho dos Santos (Cidadania). No entanto, este último também foi cassado três meses depois pelo mesmo motivo. Juntamente com ele, o vereador Marlon Teixeira também perdeu seu mandato.
Os substitutos desses vereadores foram Welton Lemos e Igor Franco, respectivamente, representando os partidos Podemos e Solidariedade, este último incorporando o Pros, onde Franco foi o mais votado em 2020.
Nos últimos dois meses, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou as cassações das chapas do PTB e PTC devido ao descumprimento das cotas de candidaturas femininas. Como resultado, Paulo Henrique da Farmácia e Léo José perderam seus mandatos, sendo substituídos por Markim Goyá (Patriota) e Bill Guerra (Solidariedade), respectivamente.
Apesar das cassações por fraude à cota de gênero terem aumentado no período recente, o professor de direito eleitoral, Alexandre Azevedo, em entrevista ao Jornal Opção, lembra que a lei existe há alguns anos.
“A Lei é de 97 e previa uma reserva de vagas para as mulheres. Isso muda em 2010, quando passa a ser obrigatório, não apenas uma reserva, mas um dever dos partidos políticos em preencherem o mínimo de 30% de candidaturas femininas. Embora a legislação não fale candidatura feminina, ela fala 30% de um gênero e 70% de outro, na prática a gente sabe que essa reserva é para as candidaturas femininas mesmo”, explica.

Ainda conforme o especialista, essa obrigatoriedade não estava sendo seguida, o que fez com que a Justiça Eleitoral cassasse chapas cada vez mais.
“Os partidos lançavam candidaturas de mulheres sem o menor comprometimento com o eleitorado, e até mesmo com essas mulheres. Se configurada a fraude, se anula todos os votos que os candidatos daquele partido político teve, de forma que tem que se fazer uma retotalização dos votos. Anulando os votos, feito uma nova totalização, novos deputados ou vereadores podem ser eleitos”, destacou.
Para a cientista política Ludmila Rosa, o cenário começou a mudar assim que Ministério Público Eleitoral (MPE) e o Judiciário Eleitoral se tornaram mais convictos desta lei.
“Não adiantava nada a gente ter uma lei que o Ministério Público e, sobretudo os tribunais, sempre teriam uma postura de contemporizar em favor dos partidos políticos. Eles alegam a dificuldade de convencer mulheres, de atrair, de permanecer com elas na chapa. Argumentos que caem por terra, se de fato considerassem o teor da lei e, sobretudo, a exigência legal que é dada a todos os partidos políticos de que as mulheres precisam ser, não apenas convidadas para participar do pleito eleitoral, mas serem convidadas para participar do cotidiano e da vida partidária”, analisa.
A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) também pode ter a sua “dança das cadeiras”. Corre um processo no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) para apurar supostas fraudes nas cotas de gênero pelos partios pP, PSDB e PL. Se confirmadas as irregularidades, os deputados Gustavo Sebba (PSDB), José Machado (PSDB), Alessandro Moreira (pP), Jamil Calife (pP), Vivian Naves (pP), Delegado Eduardo Prado (PL), Major Araújo (PL) e Paulo Cezar Martins (PL) podem ser cassados.
No entanto, é importante ressaltar que o processo ainda não foi julgado pelo TRE-GO. Segundo o professor Alexandre Azevedo, é natural que leve algum tempo para a Corte analisar os casos.
“Os candidatos eleitos precisam ser intimados, devem apresentar sua defesa, também requerer produção de provas e tudo isso demora. Na hora da defesa, podem surgir situações de demora no julgamento, mas isso deve ser resolvido rapidamente. Acredito que esses processos já devem estar se encaminhando, pelo menos para um primeiro julgamento ainda em 2024”, pontuou.
À época em que a denúncia foi feita, o Jornal Opção tentou entrar em contato com a defesa dos dois parlamentares do PSDB, mas não houve resposta. Os deputados podem ser cassados por conta de uma situação envolvendo Júnior Pinheiro.
Segundo a acusação, a candidata se declarou como mulher dentro da cota de gênero para as eleições estaduais de 2022. Só que em outros espaços, como redes sociais e até na campanha, ela estaria usando termos e pronomes masculinos. Anteriormente, o partido informou que cumpre o percentual de 30% de candidaturas femininas, mesmo sem incluir Júnior Pinheiro.
Já o advogado de Naves, Wandir de Oliveira, negou que houve irregularidades nas candidaturas femininas apresentadas. “O PP foi o partido que mais lançou candidatas e foi o partido que teve a maior votação feminina entre todas as chapas de Goiás. (…) Se em algum momento, uma candidata ela desanimou da campanha, não viu perspectiva de vitória, isso não significa fraude à cota de gênero”, explica.
Oliveira também ressalta que uma das testemunhas do caso teria mentido a respeito do caso. “Uma servidora pública do Governo do Distrito Federal que pediu licença para poder se candidatar, uma vez que ela tem domicílio eleitoral no entorno de Brasília. Na sessão, ela afirma categoricamente que não foi candidata e que nem sabia que era candidata, mesmo com a documentação assinada por ela”, relata.
Pelo lado do PL, o advogado Leonardo Batista destaca que a situação se resume em duas candidatas que foram indeferidas por problemas envolvendo a documentação. Entretanto, isso não seria culpa da chapa, mas sim da assessoria jurídica das duas. Além de ressaltar que a sigla buscou todas medidas possíveis para mostrar que não houve tentativa de fraude.
“Quando tomamos conhecimento dos fatos, nós optamos em excluir cinco candidatos masculinos para demonstrar que não houve fraude. Mostrando que elas não foram registradas apenas para fazer conta da cota de gênero. Entretanto, a juíza do caso na época disse que não era caso de exclusão e que eles deveriam permanecer na chapa”, afirma o advogado. Batista destaca que o PL não detectou fraude, por isso ele acredita que não haverá a cassação da chapa.
Para, Alexandre Azevedo, a crescente interferência da Justiça no processo apenas corrobora para a democracia, uma vez que a prerrogativa da Corte é justamente garantir a lisura do pleito eleitoral.
“A Justiça Eleitoral tem como missão garantir que o resultado das urnas reflita a vontade popular. A anulação de votos é feita de forma bastante pontual e apenas quando há fraude, quando há ilícito eleitoral grave, como é a fraude na cota de gênero. Então, na verdade, a missão agora, para evitar esse tipo de coisa, é dos partidos políticos, de lançarem candidaturas femininas verdadeiras, de mulheres que queiram se candidatar e investir com efeito nelas. Não é escolher mulheres de qualquer modo, sem qualquer critério, e no dia da eleição, essas mulheres têm votação zerada, ou votação inexpressível, ou então que não tenha sequer participação no horário eleitoral gratuito, nas carreatas, passeatas, comícios dos partidos, essas mulheres sequer aparecem. Então, na verdade, compete aos partidos tomarem esse cuidado”, justificou.

Na opinião de Ludmila Rosa, é preciso mais comprometimento dos partidos políticos no processo eleitoral, até para desmitificar essa ideia de “assenhoramento” do Judiciário sobre os demais poderes.
“Acredito que só há essa ‘invasão de competência ou de atribuições constitucionais’, porque os demais poderes não têm feito o seu papel legal e constitucional porque, veja, o processo eleitoral é a soberana decisão do povo, mas a partir do momento que a classe política, ou as pessoas que estejam envolvidas de alguma maneira no processo eleitoral, desrespeitam a lei, ou a Constituição, é óbvio que o Poder Judiciário será provocado Então, acredito que essa desmoralização da classe política como um todo, também seja que a gente veja um protagonismo maior do Ministério Público, do Judiciário, em questões que poderiam dizer respeito apenas à política efetivamente”, argumenta.
Na contramão disso tudo, os partidos políticos estudam uma anistia das próprias siglas, inclusive para fraude na lei de cota de gênero. De acordo com a cientista política, trata-se de uma irresponsabilidade.
“É o mesmo que eu ter o poder de anistiar algo que eu mesma cometi. Ou seja, na prática, sempre que eu estiver numa situação difícil ou em conflito com a lei, eu posso legislar por causa própria e fazer algo que me proteja. Então, o que a gente está vendo é isso, partidos políticos, que são os grandes algozes do cumprimento da lei eleitoral, se unindo, da direita à esquerda, é bom lembrar, nesse compromisso de, mais uma vez, desqualificar a aplicação da lei e fazer com que todo esse olhar mais apurado da lei de cota de gênero caia por terra”, finalizou.