Problema não é de demanda de eleitores simpáticos a outro nome, mas de uma oferta competitiva que agregue as preferências, esclarece o cientista político Robert Bonifácio

Presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e ex-presidente Lula | Fotos: Reprodução

Desconsiderando datas comemorativas, recessos e outros períodos que devem ser descontados nessa estimativa, 65 semanas é a quantidade tempo que falta para 2 de junho de 2022, em que será realizado o primeiro turno das novas eleições presidenciais. 65 semanas, além de tudo, é o período em que os candidatos já previstos, como o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que com certeza buscará se reeleger, e o ex-presidente Lula (PT), seu possível arquirrival: traçar suas estratégias, estabelecer suas conexões políticas e, de uma forma ou de outra, convencer seu eleitorado do porquê devem ser eles a estarem mais uma vez no comando do País.

Sessenta e cinco semanas também é o tempo para que novos candidatos procurem seu espaço em meio à grande polarização que permeia o cenário eleitoral desde 2014. Seria a chamada terceira via, termo que se refere a uma ideia de moderação entre a chamada “extrema-direita”, representada por Bolsonaro e a esquerda, do PT.

Para o cientista político e professor associado da Universidade Federal de Goiás (UFG) Pedro Mundim, a definição desse termo varia segundo cada corrente ou pesquisador. No entanto, para ele, seria considerada uma terceira via quem conseguissem concorrer com Lula e Bolsonaro de forma competitiva.

Apesar de grande parte das pesquisas eleitorais, como a do Ipec – instituto liderado por executivos do Ibope Inteligência – mostrar que cerca de 70% das intenções de voto ainda estão centradas em Lula e Bolsonaro, partidos, empresários e demais personalidades e entidades se mostram determinados na busca de um novo representante.

Há espaço para outro competidor?
Na avaliação do cientista político e professor adjunto da Universidade Federal de Goiás (UFG) Robert Bonifácio, o maior problema em relação ao engate de uma terceira via não é relacionado à demanda, ou seja, “eleitores simpáticos a uma terceira via”. O problema, na verdade, “está na oferta de um nome competitivo que agregue as preferências”.

Dada a margem apurada pelas pesquisas eleitorais que sondam o cenário de 2022, com a alta porcentagem de intenções de votos que se concentra em Lula e Bolsonaro, Pedro Mundim acredita que o espaço destinado a uma terceira via acaba muito pequeno.

O Partido Social Democrático (PSD), por exemplo, se mostra grande interessado em encabeçar essa alternativa. No começo de junho, o presidente estadual da sigla, Vilmar Rocha, chegou a conversar, no Palácio do Jaburu, em Brasília, com o atual vice-presidente Hamilton Mourão. Na ocasião, Vilmar falou sobre outros encontros que têm sido feitos junto a lideranças nacionais, com o objetivo de pensar e discutir o futuro do País, em face as eleições presidenciais de 2022. “Estou articulando o fortalecimento da ideia de uma candidatura alternativa à polarização entre o Bolsonaro e o Lula. Um possível nome daquilo que chamo de ‘centro democrático popular e reformista”, afirmou ao Jornal Opção, logo após o encontro.

Ainda nesta sexta-feira, 2, o presidente nacional do partido, Gilberto Kassab, chegou a defender a candidatura do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, à Presidência da República, em entrevista à Rádio Bandeirantes. Para Kassab, Pacheco, hoje filiado ao DEM, tem um perfil de renovação.  “Tem uma corrente forte de analistas de pesquisas que dizem que o brasileiro vai querer, sim, fugir para um modelo de candidato que tenha experiência, que tenha conteúdo e que tenha o jeito pacificador”, declarou Gilberto, no programa.

Quem sai na frente?

Da esquerda para direita, Ciro Gomes (PDT), o apresentador Datena (PSL), Luciano Huck e Luiz Henrique Mandetta (DEM) | Fotos: Reprodução

A referida pesquisa do Ipec, por exemplo, ainda coloca na corrida eleitoral, logo atrás dos dois primeiros, Ciro Gomes (PDT), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM). Contudo, no momento, de acordo com o levantamento, todos se encontram com menos de 10% de intenção de votos, estando com 7%, 5%, e 3%, respectivamente.

Para Robert Bonifácio, quem leva maior vantagem nessa terceira via, assim como dizem as sondagens mais recentes, é Ciro Gomes. “No que se refere à estratégia eleitoral, [Ciro] tem feito bem em ajustar o seu posicionamento político, opondo-se cada vez mais explicitamente à Lula e mostrando-se simpático a algumas bandeiras de direita”, avalia Robert.

Tanto para Robert, quanto para Pedro, Ciro sabe que, com o retorno de Lula para uma condição de elegível, não conseguirá muito espaço na centro-esquerda e esquerda. Assim, o que restam são os centristas e direitistas moderados. “A questão é saber se isso cola ou não entre esse eleitorado, uma vez que sua trajetória política é marcadamente esquerdista”, pontua Robert Bonifácio.

Mundim ainda explica: para que Ciro consiga efetivar sua estratégia, precisa conseguir ir para o segundo turno com Lula, já que “eleitores apaixonados de Bolsonaro” nunca vão votar no petista. “Em um eventual segundo turno entre Lula e Ciro, o que este vai fazer é estender a mão para essa galera [bolsonarista] sem criticar, assim como ele está fazendo agora, com o discurso que eles foram enganados, essa coisa toda. Essa é a estratégia que ele encontrou”, acrescenta Pedro.

Já Luiz Henrique Mandetta (DEM) teve seu ápice de popularidade quando saiu do Ministério da Saúde, na metade de abril de 2020. Apesar de as pesquisas de intenção de votos não esquecerem seu nome, para Robert, a baixa porcentagem é justificada pela dificuldade que o ex-ministro tem de se manter nos holofotes.  

Sergio Moro e Luciano Huck, no entanto, apesar de não serem filiados a partidos políticos, chegaram a ser “lançados” por empresários para darem vida à suposta terceira via que concorreria com Lula e Bolsonaro. Entretanto, o cientista político Robert acredita que ambos realmente “jogaram a toalha”. Em abril, segundo reportagem da revista Veja, Moro chegou a comunicar a seu empregador, a consultoria Alvarez & Marsal, que não se candidataria, uma vez que isso seria uma “carta totalmente fora do baralho”. No entanto, isso não impediu um grupo de empresários paranaenses de preparar uma campanha em prol dessa candidatura e espalhar outdoors por várias cidades brasileiras.

Robert acredita que o ex-juiz Sérgio Moro, “outrora cidadão com maior popularidade do país, tem sido afetado por várias decisões judiciais que o colocaram como parcial nas decisões sobre a [Operação] Lava Jato”, aspecto que pode comprometer sua popularidade em uma eventual candidatura.

Luciano Huck, por outro lado, “experimentava uma promissora candidatura a presidente ou a governador do Rio de Janeiro, mas parece que preferiu ficar na sua bolha de segurança e tornar-se ainda mais milionário com um novo contrato fechado com a Rede Globo”, opina o cientista político.

Ainda no cenário de candidaturas vindas do “show business”, com um pouco mais de consistência que Luciano Huck, que nem filiado a um partido está, tem-se José Luiz Datena, apresentador do programa Brasil Urgente, na Rede Bandeirantes. Após sua filiação ao PSL, recentemente, a sigla chegou a anunciar que o jornalista como possível candidato à presidente. No entanto, o instituto de pesquisas Ipespe mostrou que, na hipótese de ser lançado a senador por São Paulo, sai em vantagem com 23% das intenções de voto. Para saber as reais intenções do jornalista com as opções de candidatura, contudo, será necessário esperar passos mais concretos, uma vez que mesmo após sinalizações, recuou tanto no pleito de 2016, quanto nos de 2018 e 2020.

“Não é a primeira vez que Datena flerta com uma possível candidatura e tem sido sempre ‘fogo de palha’. Não sei se ele de fato encararia uma eleição presidencial, porque ele só tem a perder. Acho que ele é muito bem remunerado pelo trabalho que ele faz, não tem responsabilidade substantiva a não ser a que é inerente a qualquer tipo de trabalho jornalístico, mas é completamente diferente de ser presidente da República”, afirmou Pedro.

Cientista político e professor associado da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Mundim | Foto: Arquivo pessoal

Além disso, para Pedro Mundim, cientista político, mesmo que Datena chegue a se lançar à Presidência, só se tornará uma terceira via caso se torne, de fato, competitivo contra os dois grandes polos da eleição. Mesmo que o jornalista venha, de fato, a se tornar essa terceira via, o professor não acredita que possa chegar de fato a tirar votos de Bolsonaro. “Da base bolsonarista apaixonada, ninguém tasca, ninguém tira”, brincou o professor.

A vantagem que Datena e Huck apresentariam frente a demais candidatos advém exatamente de suas respectivas profissões, a visibilidade. Algo que ambos já têm de forma consolidada há décadas, pode ser uma tarefa difícil e desafiadora a grande parte dos candidatos em início de campanha.

“Esses candidatos que vem do show business não teriam esse problema de partida. Contudo, eu acredito que uma parte boa do eleitorado entenda a diferença entre ser uma pessoa da televisão e uma pessoa que tenha condições de ocupar um cargo do Executivo e de ser um bom presidente, governador ou prefeito. São duas coisas completamente diferentes, mas nós nunca sabemos de fato o potencial dessas pessoas até que elas realmente se lancem numa corrida eleitoral”, acrescenta Pedro Mundim.

Jogo de estratégias
Em meio às acirradas perspectivas, quem se arrisca a se candidatar como uma alternativa à polarização em 2022 precisará “suar a camisa” para que sua porcentagem de votos tenha alguma significância na disputa pelo pleito. Para que isso seja trabalhado, o cientista político Robert Bonifácio ressalta como fundamental que os candidatos priorizem uma composição multipartidária e trabalhem na construção de um discurso que mire o futuro, sem discussões profundas sobre o passado.

Cientista político e professor adjunto da Universidade Federal de Goiás (UFG), Robert Bonifácio | Foto: UFG

“Essa composição precisa estar mais ou menos bem costurada em todo país, com um ou dois nomes, que caminhariam juntos em 2022. Também é preciso já preparar o terreno e se colocar no debate nacional, ampliando visibilidade e impondo custos a composições político-partidárias para além desses nomes e os já consolidados atual e ex-presidentes. Em 2022, haverá um cenário de recém-retorno a uma vida sem privações sanitárias, de um Brasil empobrecido e mais desigual, e de candidaturas coladas em escândalos de corrupção. A parcela do eleitorado que se mostra reativa a Lula e Bolsonaro ou deseja ou pode se encantar com um candidato que, pessoalmente e a partir de sua plataforma política, indique o rumo de um novo Brasil, que supere o passado e pavimente o futuro”, explica Robert, ao ressaltar que, quando se trata do campo do passado, Lula e Bolsonaro acabam indestrutíveis.

A maior possibilidade de uma terceira via emergir, para o professor e cientista político Pedro Mundim, se dará com a disputa deste candidato em segundo turno com Lula, já que, no caso da disputa com Bolsonaro, sua base se manterá fiel na reeleição do atual presidente. “Se essas pessoas continuam com eles depois de 500 mil mortos na pandemia, acho que continuarão até o fim”, disse.

O cenário, no entanto, é incerto. Ao longo de 65 semanas, muito pode ocorrer. Escândalos podem se tornar novas manchetes em jornais e a popularidade daqueles que já demonstram interesse pelo pleito pode tanto melhorar, quanto despencar.

Para Pedro, o desenrolar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado Federal para investigar omissões do governo na gestão do combate à pandemia, as manifestações contra Bolsonaro e até o próprio comportamento “destemperado” do presidente da República, que tende a piorar quando a situação está crítica, são aspectos que podem fazer com que Jair Bolsonaro chegue cada vez mais enfraquecido nas eleições de 2022.

“A partir disso, tudo pode acontecer, inclusive o Lula vencer no primeiro turno. No entanto, em um cenário de muita incerteza como este, o que estou falando pode cair por terra nas próximas semanas. Tudo vai depender do que vai ocorrer até o próximo ano”, conclui o cientista político.