Escândalos na pandemia interferem na candidatura de Bolsonaro em 2022, dizem especialistas
04 julho 2021 às 17h33
COMPARTILHAR
“Ele [Bolsonaro] tende a chegar como um candidato a ser alvejado por seus adversários e ele sabe”, pontuou o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Guilherme Carvalho
Com a proximidade das eleições de 2022, todos acontecimentos que envolvem os potenciais protagonistas dessa disputa, que se avizinha, serão decisivos na eleição do próximo presidente da República.
Candidatos já previstos, como o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que mira a reeleição, e o ex-presidente Lula, que tem o objetivo de retornar ao poder, que concentram grande parte das intenções de voto, em tese precisam aproveitar as próximas 65 semanas para que a narrativa dos fatos esteja a seu favor.
Para especialistas, no entanto, especialmente devido ao contexto pandêmico, a luta que Bolsonaro precisará empenhar nesse trajeto é ainda maior que a de Lula, uma vez que, além do descontrole da quantidade de casos de contaminação e mortos no país, escândalos sobre a vacinação contra o coronavírus, que já começou em atraso, não se acanham em cada vez mais aparecer.
“Acredito que os desdobramentos da pandemia como um todo tendem a afetar a candidatura dele porque querendo ou não isso gera propaganda e marketing políticos para os adversários, que tem muita coisa para utilizar contra Bolsonaro. Coisas que em momentos de estabilidade econômica e política valem muito pouco, mas nesse momento como não há nenhum dos dois, tendem a valer muito. Ele tende a chegar como um candidato a ser alvejado por seus adversários e ele sabe”, pontuou o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Guilherme Carvalho.
Além da Pfizer, que, sem resposta, enviou 81 e-mails ao Governo brasileiro em busca de um acordo para a compra de vacinas que chegariam no país ainda em 2020, o processo de compra da vacina indiana Covaxin se tornou alvo de investigação da Procuradoria-Geral da República (PGR). O objetivo é apurar supostas irregularidades no contrato de compra dos imunizantes. Após revelações sobre o caso, o documento chegou a ser suspenso por recomendação da Controladoria Geral da União (CGU) e a compra passou a estar na mira da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia.
A própria CPI da Pandemia, para o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Mundim, tem sido um “veículo de marketing político contra o Governo Federal”, uma vez que, ao apurar a gestão governamental do combate à pandemia no Brasil, muitos desdobramentos negativos à popularidade de Bolsonaro já foram à tona. Além dos já citados, a última novidade foi a suspeita de corrupção na compra de um lote com 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford.
Quem contou à CPI da Covid acerca do esquema foi o empresário e policial Luiz Paulo Dominguetti Pereira, durante depoimento prestado na última semana de junho. Dominguetti se apresenta como representante da Davati Medical Supply – empresa que atua como intermediaria na compra de vacinas – e, na ocasião, revelou ter recebido oferta de propina pelas doses do imunizante contra o coronavírus. De acordo com o empresário, a proposta foi feita durante encontro com o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, ainda em fevereiro.
“Ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não compusesse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo. […] Acrescentar 1 dólar [por dose]. Dariam 200 milhões de doses de propina que eles queriam, com R$ 1 bilhão”, afirmou Dominguetti.
Esse escândalo de possível corrupção do governo, segundo o cientista político Guilherme Carvalho, pode ganhar reverberações ainda maiores, já que “enseja diversas ações a serem tomadas”, inclusive de órgãos de controle e vigilância, como a própria PGR. “Do ponto de vista da opinião pública, acredito que isso vai enfraquecer essa base de pessoas que ainda estavam com o presidente apenas e unicamente pelo fator do combate a corrupção”, justifica Guilherme.
Para ele, essa bandeira que foi tão defendida por Bolsonaro durante sua campanha eleitoral e seus primeiros anos de governo se tornou cada vez mais fluída com o passar do tempo. Guilherme explica que o estopim dessa mudança de discurso está centrada principalmente, na saída o ex-ministro Sérgio Moro do Ministério da Justiça, sob fortes alegações de tentativas de intervenção na ordem do combate a corrupção. “Isso lançou certa neblina no governo Bolsonaro e de lá para cá os discursos estão menos focados na questão de moralidade”, acrescentou o cientista político.
Com toda essa pressão nas costas, a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2022, para o professor Pedro Mundim, será muito difícil e se dará em um contexto completamente diferente do que ele protagonizou em 2018. Com o objetivo de alcançar seu segundo mandato, Jair Bolsonaro carrega consigo um legado como presidente para defender. “Até onde as informações que temos apontam, o legado não é muito positivo. O desemprego é alto, e do ponto e vista econômico, por mais que tenha uma bravata muito boa, não é um governo que teve desempenho satisfatório. Também não podemos esquecer que estamos passando por uma pandemia e vai ter uma quantidade enorme de mortos nas costas dele, e por mais que ele não possa ser acusado de todas as mortes, já que é o vírus que mata e não necessariamente ele, o governo dele fez muita coisa errada durante a pandemia. Ele vai ter que se defender disso o tempo todo”, analisou Pedro.
Desdobramentos e posteriores perspectivas
Um dos desdobramentos que os escândalos que envolvem imunizantes contra a Covid-19 e toda a situação do país frente a pandemia desencadeou foi o super pedido de impeachment, protocolado na última semana de junho de 2021. O documento tem cerca de 46 assinaturas e imputa ao presidente cerca de 23 crimes previstos na lei 1.079/50, também conhecida como Lei do Impeachment. Entre os signatários do pedido, estão representantes de 11 partidos de oposição ao governo federal, além de três nomes de ex-apoiadores do presidente da República: os deputados Joice Hasselmann, Alexandre Frota e Kim Kataguiri.
Entre os partidos de oposição que se manifestaram em prol do super pedido estão o Cidadania; Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido da Causa Operária (PCO), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o Rede Sustentabilidade e o Unidade Popular (UP).
O superpedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro se juntou aos outros 123 pedidos que já foram apresentados no Congresso Nacional e que não tiveram andamento. De antemão, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já afirmou que também não acatará esse pedido. Ao jornal Valor Econômico, o presidente da Casa Legislativa chegou a caracterizar o pedido como “sem novidade nenhuma”.
Para Guilherme Carvalho, que é cientista político, o super pedido de impeachment se torna mais simbólico que os demais devido ao momento e as circunstâncias de sua apresentação. “[O pedido] reúne adversários históricos. Ex-aliados do Bolsonaro e adversários tradicionais dele, todos se juntaram. Esse é o momento de comprar a moralidade pública, porque é o momento em que o adversário [Bolsonaro] está sendo nocauteado”, avaliou.
“Na ciência política, podemos dizer que esse processo é uma receita de bolo. É preciso ter: (1) más condições econômicas para que o pedido de impeachment tenha andamento na Câmara. Nós estamos em más condições econômicas, todos os indicadores revelam isso. (2) Precisa ter apoio no parlamento para o pedido, mas isso é muito obscuro nesse momento, tendo a dizer que não existe por conta do terceiro passo. (3) O terceiro é a movimentação constante e permanente de rua. Quando isso ocorre o mercado tende a ficar abalado, a pressão econômica sobre os agentes que estão no poder começa a ser retirada e passa a existir uma pressão sobre aqueles que em tese vão votar em prol do andamento do processo. No entanto, analisando o cenário geral, não está exatamente claro se o mercado prefere esperar o governo se findar ou se ele prefere tocar um processo a toque de caixa”, explicou Guilherme.
Apesar de Lira já ter descartado a possibilidade de andar com o pedido, Pedro Mundim acredita que essa decisão de engavetar ou não o requerimento será realmente tomada a partir do desenrolar dos escândalos na próxima semana. “Os estudos de intervenção de mandato mostram exatamente isso: que o que coloca muita pressão sobre o parlamento é povo na rua. Mesmo que as pesquisas de aprovação e popularidade mostrem que Bolsonaro está derretendo, sem o povo na rua e sem essa imagem visual forte, os políticos não se dão muito convencidos se vale a pena ou não passar um impeachment para frente”, opina o cientista político.
Outro ponto importante a ser considerado nesse processo, no entanto, para Mundim, seria sobre o acordo interno entre o Executivo e o Legislativo, já que pode ser de interesse do Congresso Nacional que Bolsonaro permaneça no poder pelo resto de seu mandato, e não seja “impeachmado”. Ou vice-versa. Para Pedro, todo cenário é possível. “Podemos chegar em um contexto em que talvez a turma do Lira conclua “vamos abrir esse impeachment aqui e deixar ele [Bolsonaro] ainda mais fraco pra ele comer na nossa mão”, por que não? Talvez o único empecilho para isso acontecer é eles ficarem receosos de perderem completamente o controle do processo, já que uma vez aberto, tudo pode acontecer”, afirmou o cientista.
Pedro ainda acrescenta que, no caso de uma real abertura desse processo, não acredita que poderia dar qualquer tipo de força para que Bolsonaro se reerga. “É um processo muito desgastante, ele vai ter que fazer muitas concessões, ele vai ter que negociar demais e vai ter uma visibilidade negativa fortíssima em torno do nome dele o tempo todo”, pontuou o professor da UFG.
Todo esse movimento, no entanto, para o cientista político Guilherme Carvalho, já é, de certa forma, desconfortável para Bolsonaro. “Ele é muito emocional nesse ponto de vista e reage de forma nada pragmática a esses movimentos, então tendo a acreditar que ele está muito irritado com tudo isso e está tentando intensificar o diálogo com os presidentes das duas casas para barrar quaisquer tentativas nesse sentido. No entanto, penso que os presidentes das casas são suscetíveis as pressões dos parlamentares, que são suscetíveis a pressão da população, dos movimentos de rua e do mercado como um todo. Então ele se sente seguro, mas não muito, porque a instabilidade institucional é alta e as condições para a manutenção da ordem da regra do jogo ainda está bastante fluída, especialmente por essa sucessão de fatos”, conclui Guilherme.