Eleição deste ano tem vácuo na legislação, afirma especialista

14 junho 2014 às 14h25

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Advogado diz que proibições dificultam o contato do candidato com o eleitor, o que enfraquece o processo democrático no País

Cezar Santos
Membro da Comissão de Direito Político e Eleitoral da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), o advogado especializado em direito eleitoral Dyogo Crosara tece críticas à legislação que rege as eleições brasileiras. Segundo ele, no momento o País vive um processo eleitoral curioso, porque houve várias alterações sobre propaganda eleitoral, sobre prestação de contas, sobre registro de candidatura no ano passado e até agora não se sabe se elas vão ser aplicadas nas eleições deste ano.
“A Lei 12.891, que foi a última minirreforma eleitoral, limitou a quantidade de cabos eleitorais, até para evitar que sejam contratados às vésperas da eleição, configurando na verdade compra de votos, como tem acontecido em vários lugares. Mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não se posicionou até agora se isso vai valer para a próxima disputa. Há um vácuo legislativo e quem trabalha com o direito eleitoral está muito preocupado com essa situação”, afirma o advogado.
Crosara diz que o mais grave na legislação eleitoral é que se está fechando as portas no lugar errado. Diz que as últimas leis editadas se deram para ceifar a propaganda eleitoral. Foram proibidos outdoor, showmício, camisetas, brindes, adesivos acima de 4 metros quadrados, nas próximas eleições só serão permitidos adesivos de 40 por 50 cm nos veículos. Foi proibido placa em determinados locais.
“Está se proibindo propaganda. Não é isso o mais importante para o eleitor. A legislação não pode proibir o contato do candidato com o eleitor. Quando proíbe propaganda, está proibindo o candidato chegar mais perto do eleitor. Isso é um defeito muito grave da nossa legislação, porque deveria estar proibindo é o abuso, a compra de voto, o uso da máquina”, critica.
O especialista diz que na questão do abuso de autoridade e do uso da máquina, há dispositivos que não estão regulamentados. Cita como exemplo o que pode e o que não pode nos programas sociais do governo. “Isso não está legalmente previsto de forma clara, há um espaço grande para a jurisprudência. Ao passo que a propaganda, que chega ao eleitor está ceifada. Em palestras costumo brincar que daqui a pouco o candidato vai ter de pedir licença e falar ao pé do ouvido do eleitor para pedir voto. Vai ser o único jeito.”
Dyogo Crosara diz que para a eleição de 5 de outubro causam preocupação os ajustamentos de conduta que estão sendo feitos para proibir ainda mais a propaganda: como definir o horário para carro de som rodar, número de pessoas que podem ir a determinados lugares.
Ele lembra que o eleitor brasileiro já não é tão interessado na política, o que só acontece muito perto do pleito. “Se começar a proibir demais a propaganda, ele não vai se interessar nada. E aí o único lugar que efetivamente terá propaganda para o eleitor será no rádio e na TV. Com isso, serão prejudicados os candidatos que não têm tempo no rádio e na TV, por não terem condição de comprar uma legenda de aluguel para participar de uma coligação.”
Doação de empresas para campanhas ainda vale este ano
Sobre a polêmica proibição de doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, que está em votação no Supremo Tribunal Federal (STF) — o placar já está em seis a um —, o advogado Dyogo Crosara diz que o entendimento que está ocorrendo no Supremo está correto.
“A OAB queria isso através de uma reforma política. O ideal seria que o Congresso legislasse dessa forma e vedasse a doação de pessoas jurídicas numa reforma política ampla, com vários outros importantes temas. Mas o Congresso não o fez, então veio a ação junto ao STF, que está definindo isso para as eleições futuras, a partir de 2016”, afirma Crosara.
Ele historia a questão, lembrando que desde 1997, com a lei das eleições, ficou regulamentado que as empresas, as pessoas jurídicas, podem doar recursos para campanhas, em cada eleição, até 2% do faturamento bruto no exercício anterior ao pleito. Essa é a atual disposição, que inclusive será aplicada neste ano porque o Supremo não vai terminar de julgar a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela OAB.
“O fundamento da OAB para essa ação é que o processo político brasileiro é formado essencialmente por pessoas físicas, ou seja, o eleitor pessoa física vota no candidato pessoa física. Por que, então, uma pessoa jurídica, a empresa, pode participar de forma decisiva com doações nesse processo político? O Supremo já está com maioria formada, embora o processo esteja com vista para o ministro Gilmar Mendes”, diz Dyogo Crosara.
Segundo o especialista, é muito importante proibir a doação de pessoa jurídica. Ele diz que hoje as empresas não fazem verdadeiramente doações para campanhas, e sim empréstimos. “A fatura é cobrada lá na frente, quando os candidatos assumem seus cargos.”
Ele lembra levantamento realizado nas eleições de 2010 com os dez maiores doadores, que mostrou que a cada 1 real doado, eles receberam 20 reais em obras com o poder público. “Então não é uma doação, é um empréstimo pago com juros à custa do poder público. Para que se evite isso, e que o poder econômico venha a influenciar de forma tão decisiva na eleição, é que se vai proibir as doações por parte de pessoas jurídicas.”
Sobre o risco de o crime organizado passar a financiar candidatos, como alertou o ministro Gilmar Mendes, a partir da proibição de doações por pessoa jurídica, Dyogo Crosara diz que essa preocupação se deve em relação principalmente a alguns Estados e de fato pode acontecer enquanto não houver fiscalização eficaz das contas de campanha. “Muitas vezes pessoas físicas que doam nem sequer têm CPF válido, o que acontece muito, já cansei de ver prestação de contas de candidatos com isso. Temos de ter preocupação sim.”
O advogado alerta para uma distorção, porque as questões eleitorais estão sendo discutidas no Supremo Tribunal Federal, quando deveria ser no Congresso, através de leis. E lembra que todos os principais temas que envolvem o direito brasileiro foram decididos pelo Supremo ou pelo TSE. Fidelidade partidária foi decidida por uma resolução do TSE, o casamento homoafetivo foi decidido pelo Supremo, assim como o aborto de feto anencéfalo, a fertilização in vitro e reprodução assistida e outras.
“O Congresso não legisla e aí vem uma preocupação com a eleição. Agora, em 2014, vamos escolher o pessoal que vai legislar. Vamos renovar a Câmara Federal, as Assembleias Legislativas e um terço do Senado. Por isso temos de eleger legisladores e não carreadores de emendas. Muitos deputados acham mais importante arrumar emendas para conseguir recursos para suas cidades, sua base, do que efetivamente legislar”, diz o advogado.
Crosara chama a atenção ainda para a questão da fiscalização sobre o caixa 2, o qual considera a maior praga do processo democrático. Ele alerta que não há instrumentos eficazes para essa fiscalização. “A doação lícita da pessoa jurídica não é problema, mas sim o caixa 2, que permite que pessoas e empresas nem se identifiquem para participar do processo. Então além de proibir doação de jurídicas, precisamos de medidas que criem melhores condições de fiscalização do caixa 2.”
Ele explica que a OAB apresentou minuta de projeto de lei com o objetivo também de limitar as doações de pessoas físicas e criar uma contabilidade aberta durante as campanhas, com prestação de contas praticamente diárias, publicada na internet para que se saiba com o que o candidato está gastando durante todo o período eleitoral, e não apenas numa prestação de contas final.
“Dinheiro do fundo partidário é dinheiro público, do Orçamento Geral da União, não se pode esquecer nunca disso. Por isso não se justifica prestação de contas de forma tão fechada como é hoje. Elas precisam ser públicas. Essas propostas foram encaminhadas ao Congresso Nacional, que deitou sobre elas e nenhuma foi pra frente”, reclama Dyogo Crosara.