Goiás — onde a tradição se encontra com a inovação — emerge como um centro de educação avançada no campo da inteligência artificial (IA). Em um contexto em que a tecnologia redefine constantemente os limites do possível, três renomados professores universitários compartilharam suas perspectivas sobre a IA e seus cursos, oferecendo uma visão única do papel que a nova área do conhecimento deve desempenhar no futuro do Estado.

Três instituições de ensino superior oferecem cursos voltados para o estudo, produção e desenvolvimento de inteligência artificial em Goiás. A Universidade Federal de Goiás (UFG) tem o curso mais antigo no ramo, com turmas iniciadas ainda em 2020. O Instituto Federal de Goiás (IFG) conta com uma pós-graduação Lato Sensu em IA. A Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO) abriu, neste ano, o curso de Ciência de Dados e Inteligência Artificial.

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Especialistas ouvidos pelo Jornal Opção afirmam que o país tem a oportunidade e a capacidade de se destacar na produção de conhecimento e na criação de novas tecnologias para competir no mercado internacional.

Do imaginário ao uso cotidiano

O conceito de inteligência artificial não é novo. Permeando o imaginário popular antes mesmo do desenvolvimento da Teoria Matemática da Computação, que estabeleceu os fundamentos teóricos para a computação, a IA já estava presente na ficção. Uma década antes da Teoria, em 1927, o filme ‘Metrópolis’, dirigido pelo alemão Fritz Lang, apresenta uma androide feminina chamada Maria que se comporta como uma inteligência artificial. Embora não seja uma IA no sentido contemporâneo, ela é uma máquina que imita comportamentos humanos.

O escritor americano Isaac Asimov, na década de 1940, criou as três Leis da Robótica, que contribuiram significativamente para a representação de inteligências artificiais em sua série de contos e romances. Ele explorou as implicações éticas e morais da criação de máquinas inteligentes, tema que ainda hoje é debatido por acadêmicos e pelos frequentadores da ágora moderna, a internet.

Ao longo das décadas de 1950 e 1960, a IA começou a se desenvolver como campo de pesquisa. O projeto Logic Theorist, desenvolvido por Allen Newell, J.C. Shaw e Herbert A. Simon em 1956, foi um marco, sendo o primeiro programa de computador projetado para imitar a resolução de problemas lógicos.

Nos anos 1980, as redes neurais, modeladas a partir do funcionamento do cérebro humano, ganharam destaque. No entanto, a IA enfrentou um período conhecido como “Inverno da Inteligência Artificial” nos anos 1970 e 1980, devido a expectativas infladas e falta de avanços práticos.

O final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 marcaram o ressurgimento da IA, impulsionado por avanços no aprendizado de máquina (machine learning). Algoritmos como Support Vector Machines e Decision Trees abriram caminho para aplicações práticas em reconhecimento de padrões e tomada de decisões.

Hoje, a inteligência artificial é uma disciplina interdisciplinar que abrange áreas como ciência da computação, estatística, matemática e engenharia. As técnicas de machine learning, redes neurais e processamento de linguagem natural são áreas em constante evolução, impulsionadas por grandes conjuntos de dados e avanços em poder computacional.

Mas afinal, como se define uma inteligência artificial?

O professor Pós-Doc da UFG e cofundador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Celso Camilo, explica que nada mais é do que um software, com uma a diferença que “o programador não vai definir todos os passos que esse software vai executar”. “Ele vai treinar esse modelo a partir de um banco de dados e executa ações não mapeadas pelos humanos, mas que foram aprendidos a partir daquela base”, conta.

Professor da UFG Celso Camilo | Foto: Reprodução

A capacidade de aprendizado, chamado também de machine learning (aprendizado de máquina, na tradução livre para o português), pode se tornar tão complexo, conta o especialista, que um ser humano pode olhar para aquele modelo e não conseguir explicá-lo. Isso, no entanto, não quer dizer que a IA tenha se tornado autônoma. “A IA vai desenvolver sua habilidade e conhecimento somente a partir daqueles dados. Hoje ela não tem condições de se auto estabelecer para treinamento ou coisa parecida”, garante.

Ele explica ainda que a autonomia vista nos filmes de ficção científica que a máquina aprende sozinha não existe, mas ela é capaz de corrigir outros modelos de IA. Um dos modelos mais populares, as IA generativas, se autodefine como “uma capacidade de máquinas e programas de computador imitarem processos cognitivos humanos, como aprendizado, raciocínio, resolução de problemas e reconhecimento de padrões”.

As técnicas mais comuns para sistemas de IA são:

  • Aprendizado de Máquina (Machine Learning): Algoritmos que permitem que o sistema aprenda a partir de dados e melhore seu desempenho ao longo do tempo.
  • Redes Neurais: Modelos inspirados no funcionamento do cérebro humano, utilizados para tarefas como reconhecimento de padrões e processamento de linguagem natural.
  • Processamento de Linguagem Natural (PLN): Habilidades que permitem que máquinas compreendam, interpretem e gerem linguagem humana.

Aplicações e mercado de trabalho

Coordenador do recém criado curso de Ciências de Dados e Inteligência Artificial da Pontíficia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Vicente Camargo, aponta que a aplicação da tecnologia é variada e praticamente ilimitada. “O egresso poderá atuar em empresas de tecnologia para desempenhar o papel de cientista de dados ou engenheiro de inteligência artificial, desenvolvendo soluções inovadoras e aplicando técnicas avançadas de análise de dados para melhorar produtos, processos e serviços”, explica.

Ele cita, por exemplo, o uso no mercado financeiro, onde os modelos de IA aplicam modelo estatísticos e algoritmos específicos para análise de mercado e previsão de risco. Há também o uso dos modelos na saúde e medicina com “papel de analista de dados de saúde ou cientista de dados médicos”.

“A IA chegou para ficar no mundo tecnológico, pois apresenta recursos que
facilitam o trabalho de diversas atividades empresariais e, acima de tudo, com respostas rápidas e muito precisas para atender as decisões gerenciais”.

Vicente Camargo, coordenador do curso de IA da Puc

Receio comum durante o desenvolvimento de novas tecnologias, os especialistas apontam que num primeiro momento, as IA´s não devem gerar desemprego, mas que para o futuro, diversas profissões devem ser extintas. O professor da UFG estima que nas próximas duas décadas haverá um ganho significativo de produtividade com a descoberta do potencial nas diversas áreas de aplicação da tecnologia. “Com o avanço do uso e da própria tecnologia, chegará um momento que o humano estará apenas validando o que a IA produzir”, diz.

Para combater esse ‘problema’, ele diz que a estratégia é o investimento em educação para que a população saiba interpretar os dados e, principalmente, tenham qualificação para ocupar vagas de trabalho que exigem mais qualificação. “A própria economia vai ter que equacionar a forma como utilizar o que é produzido pela IA, hoje temos uma economia baseada na renda e consumo, por exemplo. Se não houver profissionais qualificados para ocupar postos de trabalho, também não haverá consumo. A discussão não é apenas tecnológica, mas também social, ética e cultural”, aponta.

Vantagens e desvantagens da IA

O professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, Fernando Osório, diz que “toda tecnologia sempre oferece riscos, se for mal utilizada; assim como ocorre com as armas ou a energia nuclear, por exemplo”.

Entre os principais riscos, o especialista cita a falsificação de informações. Com ela, pode-se gerar fake news e os chamados deepfakes (imagens criadas por Inteligência Artificial que reproduzem aparência, expressões e até a voz de uma pessoa); manipular a sociedade; utilizar para fins militares e até mesmo para a morte de pessoas.

Confiar cegamente na Inteligência Artificial, só porque é uma máquina mais sofisticada, é algo muito perigoso, destaca o professor. Apesar disso, Osório ressalta que máquinas não têm consciência nem vontade própria, apenas seguem os comandos dados pelos humanos. “Se uma Inteligência Artificial ou um robô fizerem ações ruins, é porque alguém teve a intenção de programá-los para fazerem isso.”

Regulamentação

Pressionado, especialmente devido ao uso de ferramentas de IA durante eleições, o Congresso Nacional discute formas de regulamentar a tecnologia. O processo de governança da ferramenta, no entanto, não é tão simples. Ela envolve discussões a nível global, regional e nacional. ALém disso, sua rápida capacidade de mudança e evolução dificulta a regulação jurídica.

Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 21/2020 , que cria o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) pelo poder público, empresas, entidades diversas e pessoas físicas. O texto – em tramitação – estabelece princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a IA.

Entre outros pontos, a proposta estabelece que o uso da IA terá como fundamento o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, à igualdade, à não discriminação, à pluralidade, à livre iniciativa e à privacidade de dados. Além disso, a IA terá como princípio a garantia de transparência sobre o seu uso e funcionamento.

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