Com Inteligência Artificial, Goiás tem oportunidade e capacidade de competir no cenário internacional, dizem especialistas

28 janeiro 2024 às 00h01

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Goiás — onde a tradição se encontra com a inovação — emerge como um centro de educação avançada no campo da inteligência artificial (IA). Em um contexto em que a tecnologia redefine constantemente os limites do possível, três renomados professores universitários compartilharam suas perspectivas sobre a IA e seus cursos, oferecendo uma visão única do papel que a nova área do conhecimento deve desempenhar no futuro do Estado.
Três instituições de ensino superior oferecem cursos voltados para o estudo, produção e desenvolvimento de inteligência artificial em Goiás. A Universidade Federal de Goiás (UFG) tem o curso mais antigo no ramo, com turmas iniciadas ainda em 2020. O Instituto Federal de Goiás (IFG) conta com uma pós-graduação Lato Sensu em IA. A Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO) abriu, neste ano, o curso de Ciência de Dados e Inteligência Artificial.
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Especialistas ouvidos pelo Jornal Opção afirmam que o país tem a oportunidade e a capacidade de se destacar na produção de conhecimento e na criação de novas tecnologias para competir no mercado internacional.
Do imaginário ao uso cotidiano
O conceito de inteligência artificial não é novo. Permeando o imaginário popular antes mesmo do desenvolvimento da Teoria Matemática da Computação, que estabeleceu os fundamentos teóricos para a computação, a IA já estava presente na ficção. Uma década antes da Teoria, em 1927, o filme ‘Metrópolis’, dirigido pelo alemão Fritz Lang, apresenta uma androide feminina chamada Maria que se comporta como uma inteligência artificial. Embora não seja uma IA no sentido contemporâneo, ela é uma máquina que imita comportamentos humanos.
O escritor americano Isaac Asimov, na década de 1940, criou as três Leis da Robótica, que contribuiram significativamente para a representação de inteligências artificiais em sua série de contos e romances. Ele explorou as implicações éticas e morais da criação de máquinas inteligentes, tema que ainda hoje é debatido por acadêmicos e pelos frequentadores da ágora moderna, a internet.
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, a IA começou a se desenvolver como campo de pesquisa. O projeto Logic Theorist, desenvolvido por Allen Newell, J.C. Shaw e Herbert A. Simon em 1956, foi um marco, sendo o primeiro programa de computador projetado para imitar a resolução de problemas lógicos.
Nos anos 1980, as redes neurais, modeladas a partir do funcionamento do cérebro humano, ganharam destaque. No entanto, a IA enfrentou um período conhecido como “Inverno da Inteligência Artificial” nos anos 1970 e 1980, devido a expectativas infladas e falta de avanços práticos.
O final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 marcaram o ressurgimento da IA, impulsionado por avanços no aprendizado de máquina (machine learning). Algoritmos como Support Vector Machines e Decision Trees abriram caminho para aplicações práticas em reconhecimento de padrões e tomada de decisões.
Hoje, a inteligência artificial é uma disciplina interdisciplinar que abrange áreas como ciência da computação, estatística, matemática e engenharia. As técnicas de machine learning, redes neurais e processamento de linguagem natural são áreas em constante evolução, impulsionadas por grandes conjuntos de dados e avanços em poder computacional.
Mas afinal, como se define uma inteligência artificial?
O professor Pós-Doc da UFG e cofundador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Celso Camilo, explica que nada mais é do que um software, com uma a diferença que “o programador não vai definir todos os passos que esse software vai executar”. “Ele vai treinar esse modelo a partir de um banco de dados e executa ações não mapeadas pelos humanos, mas que foram aprendidos a partir daquela base”, conta.

A capacidade de aprendizado, chamado também de machine learning (aprendizado de máquina, na tradução livre para o português), pode se tornar tão complexo, conta o especialista, que um ser humano pode olhar para aquele modelo e não conseguir explicá-lo. Isso, no entanto, não quer dizer que a IA tenha se tornado autônoma. “A IA vai desenvolver sua habilidade e conhecimento somente a partir daqueles dados. Hoje ela não tem condições de se auto estabelecer para treinamento ou coisa parecida”, garante.
Ele explica ainda que a autonomia vista nos filmes de ficção científica que a máquina aprende sozinha não existe, mas ela é capaz de corrigir outros modelos de IA. Um dos modelos mais populares, as IA generativas, se autodefine como “uma capacidade de máquinas e programas de computador imitarem processos cognitivos humanos, como aprendizado, raciocínio, resolução de problemas e reconhecimento de padrões”.
As técnicas mais comuns para sistemas de IA são:
- Aprendizado de Máquina (Machine Learning): Algoritmos que permitem que o sistema aprenda a partir de dados e melhore seu desempenho ao longo do tempo.
- Redes Neurais: Modelos inspirados no funcionamento do cérebro humano, utilizados para tarefas como reconhecimento de padrões e processamento de linguagem natural.
- Processamento de Linguagem Natural (PLN): Habilidades que permitem que máquinas compreendam, interpretem e gerem linguagem humana.
Aplicações e mercado de trabalho
Coordenador do recém criado curso de Ciências de Dados e Inteligência Artificial da Pontíficia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Vicente Camargo, aponta que a aplicação da tecnologia é variada e praticamente ilimitada. “O egresso poderá atuar em empresas de tecnologia para desempenhar o papel de cientista de dados ou engenheiro de inteligência artificial, desenvolvendo soluções inovadoras e aplicando técnicas avançadas de análise de dados para melhorar produtos, processos e serviços”, explica.
Ele cita, por exemplo, o uso no mercado financeiro, onde os modelos de IA aplicam modelo estatísticos e algoritmos específicos para análise de mercado e previsão de risco. Há também o uso dos modelos na saúde e medicina com “papel de analista de dados de saúde ou cientista de dados médicos”.
“A IA chegou para ficar no mundo tecnológico, pois apresenta recursos que
Vicente Camargo, coordenador do curso de IA da Puc
facilitam o trabalho de diversas atividades empresariais e, acima de tudo, com respostas rápidas e muito precisas para atender as decisões gerenciais”.
Receio comum durante o desenvolvimento de novas tecnologias, os especialistas apontam que num primeiro momento, as IA´s não devem gerar desemprego, mas que para o futuro, diversas profissões devem ser extintas. O professor da UFG estima que nas próximas duas décadas haverá um ganho significativo de produtividade com a descoberta do potencial nas diversas áreas de aplicação da tecnologia. “Com o avanço do uso e da própria tecnologia, chegará um momento que o humano estará apenas validando o que a IA produzir”, diz.
Para combater esse ‘problema’, ele diz que a estratégia é o investimento em educação para que a população saiba interpretar os dados e, principalmente, tenham qualificação para ocupar vagas de trabalho que exigem mais qualificação. “A própria economia vai ter que equacionar a forma como utilizar o que é produzido pela IA, hoje temos uma economia baseada na renda e consumo, por exemplo. Se não houver profissionais qualificados para ocupar postos de trabalho, também não haverá consumo. A discussão não é apenas tecnológica, mas também social, ética e cultural”, aponta.
Vantagens e desvantagens da IA
O professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, Fernando Osório, diz que “toda tecnologia sempre oferece riscos, se for mal utilizada; assim como ocorre com as armas ou a energia nuclear, por exemplo”.
Entre os principais riscos, o especialista cita a falsificação de informações. Com ela, pode-se gerar fake news e os chamados deepfakes (imagens criadas por Inteligência Artificial que reproduzem aparência, expressões e até a voz de uma pessoa); manipular a sociedade; utilizar para fins militares e até mesmo para a morte de pessoas.
Confiar cegamente na Inteligência Artificial, só porque é uma máquina mais sofisticada, é algo muito perigoso, destaca o professor. Apesar disso, Osório ressalta que máquinas não têm consciência nem vontade própria, apenas seguem os comandos dados pelos humanos. “Se uma Inteligência Artificial ou um robô fizerem ações ruins, é porque alguém teve a intenção de programá-los para fazerem isso.”
Regulamentação
Pressionado, especialmente devido ao uso de ferramentas de IA durante eleições, o Congresso Nacional discute formas de regulamentar a tecnologia. O processo de governança da ferramenta, no entanto, não é tão simples. Ela envolve discussões a nível global, regional e nacional. ALém disso, sua rápida capacidade de mudança e evolução dificulta a regulação jurídica.
Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 21/2020 , que cria o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) pelo poder público, empresas, entidades diversas e pessoas físicas. O texto – em tramitação – estabelece princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a IA.
Entre outros pontos, a proposta estabelece que o uso da IA terá como fundamento o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, à igualdade, à não discriminação, à pluralidade, à livre iniciativa e à privacidade de dados. Além disso, a IA terá como princípio a garantia de transparência sobre o seu uso e funcionamento.
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