Bancada ruralista quer flexibilização de normas ambientais
25 março 2014 às 15h02
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Frente Parlamentar Agropecuária espera que o governo suavize regras da implantação do novo regulamento ambiental sancionada em 2012. Uma das medidas seria um cadastro para cada matrícula de imóveis rurais
Frederico Vitor
A bancada ruralista no Congresso Nacional quer a flexibilização das regras do Código Florestal por parte do governo. O desejo dos produtores rurais é de que seja feito cadastro para cada matrícula de um imóvel rural, em vez da única inscrição pela área total da propriedade. Caso haja concordância do Executivo federal, as medidas podem favorecer proprietários que desmataram. Apesar de a nova norma ambiental ter sido sancionada em 2012, um conjunto de regulamentos está em fase de definição para pôr em prática as medidas previstas na legislação.
Falta a finalização de uma instrução normativa sobre o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), no qual todos os proprietários rurais terão que se cadastrar. Há um decreto sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA) que prevê que produtores restaurem áreas já desmatadas. Porém, a tônica das discussões é sobre os cadastros. É comum que imóveis rurais grandes estejam divididos em áreas menores com diferentes registros. Se o Sicar aceitar o cadastro por matrícula o proprietário será beneficiado.
Ocorre que imóveis rurais de até quatro módulos fiscais têm obrigação menor em relação à recuperação florestal. Se um produtor rural, por exemplo, tem 80 hectares, mas com quatro matrículas distintas, neste caso cai para 20 hectares cada. As condições de reserva legal e de Área de Proteção Permanente (APP) se diferenciam neste modo. Diminuem assim as exigências ambientais para o produtor rural. O setor ambientalista, todavia, é contrário a esta sistemática cadastral defendida pelos produtores. A alegação é que as concessões dadas aos pequenos proprietários rurais poderão se estender aos médios e grandes, burlando assim o pacto ambiental e comprometendo as reservas de mata nativa.
Sem consenso
O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), que exerce papel de destaque na bancada ruralista no Congresso, afirma que a questão dos cadastros vai depender de como as discussões serão levadas em torno do tema. “A matéria em si não está acordada e não há consenso. O governo fará pressão e vamos minimizar as despesas para o produtor rural”, diz. Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), José Mário Schreiner, do ponto de vista social é altamente justo e necessário um cadastro por matrícula. “É claro que se for olhado no ponto de vista técnico, se nota uma ‘escadinha’: o rio, a margem e o tipo de solo são os mesmos. A ideia foi essa, preservar apenas os pequenos e microprodutores.”
O Código Florestal Brasileiro (lei federal 12.651 de 25 de maio de 2012) regulamenta a forma como a terra pode ser explorada, estabelecendo onde a vegetação nativa tem de ser mantida. O código tem duas formas principais de proteger a mata: reserva legal e as APPs. A primeira prevê que uma parcela de cada propriedade deve ser preservada. Atualmente, propriedades em áreas de florestas na Amazônia legal devem ter 80% da mata nativa conservada. Em zonas de cerrado na Amazônia legal a preservação é de 35%. E nas demais vegetações, como o cerrado é de 20%.
Para as APPs, é previsto que locais frágeis, como beiras de rios, topos de morros e encostas, não podem ser desmatados, para evitar erosão, deslizamentos, destruição de nascentes, entre outros problemas. Na beira de rios, a faixa de 30 metros de mata deve ser conservada.
A principal discussão era sobre a recomposição das margens dos rios. Ficou definido que em leitos com até 10 metros de largura, o proprietário deverá recompor uma faixa de, no mínimo, 15 metros. As pequenas propriedades, com até quatro módulos fiscais, têm uma regra especial: a soma de recomposição das APPs — margens de rio ou topos de morro são limitadas ao porcentual da reserva legal da propriedade.
Desmatamento zero
Com a aprovação do Código Florestal, um novo debate ascendeu entre o governo federal, bancada ruralista e os ambientalistas. A moratória da soja, um pacto entre organizações da sociedade civil e beneficiadores e exportadores do grão, no qual a indústria se comprometia a não comprar soja do bioma Amazônia que tivesse origem em qualquer desmatamento, legal ou não, pode terminar em dezembro deste ano.
Ocorre que os produtores rurais querem que as novas regras do Código Florestal substitua a moratória da soja. Os ambientalistas são contra o término do pacto e argumentam que a moratória da soja protege mais a floresta do que as regras do código. A nova norma ambiental permite o desmatamento de 20% da área destinada à agricultura. Com a moratória da soja a derrubada de matas para dar espaço às lavouras era zero.
“Produtor rural brasileiro contribui para a preservação ambiental”
O Brasil é o único país no mundo que exige reservas legais em propriedades rurais. Esta cultura nasceu na década de 30, quando o País começou a se industrializar. Na época foi instituído, por decreto, reservar parte das matas para suprir de lenha as caldeiras. Em 1934 foi sancionado o Código Florestal, o embrião do que viria a constituir, décadas depois, a atual legislação ambiental brasileira.
Hoje, cerca de 70% da vegetação nativa é preservada em áreas de plantio. De acordo com José Mário Schreiner, a condição do País de ser pioneiro em preservação demonstra a capacidade brasileira de conciliar a produção agrícola com preservação. “Não precisamos de ingerência externa para nos dizer o que deve e o que não se deve fazer. A aprovação do Código Florestal é uma prova de que o Brasil sabe conduzir bem suas leis ambientais.”
Outro problema sanado com a criação do Código Florestal foi a insegurança jurídica à qual os ruralistas ficavam expostos. Antes do novo regulamento ambiental havia o complexo emaranhado de decretos e leis que deixavam os produtores vulneráveis à legislação e totalmente a mercê de fiscais ambientais e do Ministério Público. “O reestabelecimento da ordem jurídica com o Código Florestal nos deu tranquilidade para gerarmos riquezas e contribuirmos para o superávit da balança comercial do Brasil.”
Sobre a flexibilização do Código Florestal, o presidente da Faeg afirma que a forma com que o projeto foi aprovado, com votação expressiva no Congresso, demonstrou que houve um amplo convencimento entre os ambientalistas, ruralistas e a sociedade em geral. Para ele, a questão ambiental no Brasil deixou de ser uma reserva de mercado para pessoas que se diziam ambientalista, mas que não conheciam a fundo a realidade da preservação de matas nativas em áreas agricultáveis.
2014 terá redução expressiva da safra goiana
Após os períodos de seca no início deste ano, os levantamentos das safras brasileira e goiana de grãos começam a evidenciar perdas na produção. De acordo com estatística agropecuária, publicada recentemente, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Faeg, as estimativas de produção para 2014 são menores do que o esperado inicialmente. Possivelmente, os recordes de produção previstos no começo da safra não serão alcançados.
Dentre os principais produtos afetados, como arroz, feijão e milho, a soja foi a mais comprometida. Isto se dá por esta cultura representar a maior parte da área plantada em Goiás, principalmente nas regiões mais afetadas pela falta de chuvas. A expectativa inicial era que Goiás produzisse 9,5 milhões de toneladas do grão, sendo que o último levantamento da Conab apresentou reduções nestes números, ficando com uma produção de 8,5 milhões de toneladas, número que ainda pode sofrer reduções, segundo as estimativas da Faeg. “Acredito que na área da soja poderemos chegar até ter 20% de perda. Vamos perder algo em torno de 2,3 bilhões de toneladas. Em reais é um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões”, afirma José Mário Schreiner.
No caso do milho, as perdas pela seca não foram tão acentuadas. Isso ocorre principalmente pelo fato de as áreas de milho verão estarem localizadas nas regiões onde a falta de chuva foi menos intensa. Em geral a área de milho teve uma forte redução nesta safra de verão, ficando 24% menor que na safra passada, e aliada à redução esperada também na produtividade, a produção deve ser 26% menor que no ano passado. Já o feijão, os resultados da primeira safra foram positivos, com um crescimento de 34% na produção em relação ao ano passado.
De acordo com dados da Faeg, no ano passado, foram obtidos 8,9 milhões de toneladas de soja, 5 milhões de toneladas de milho, 900 mil toneladas de sorgo, 148 mil toneladas de arroz — entre sequeiro e irrigado —, 289 mil toneladas de feijão, 204 mil toneladas de algodão e 19 mil toneladas de trigo. Um total de mais de 18 milhões de toneladas de grãos colhidas em 4,6 milhões de hectares em Goiás. Com a escassez no campo é inevitável a piora do processo inflacionário, dado os prejuízos na cadeia produtiva que refletirá diretamente no preço da sexta básica. “Se há uma coisa que prejudica principalmente as pessoas de baixa renda é o processo inflacionário.”