É urgente a necessidade de repactuar as obrigações dos governos para minimizar os efeitos da violência nas cidades brasileiras

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Afonso Lopes

O número de homicídios praticados em todo o Brasil bate recordes há anos. Neste século, por exemplo, jamais se observou uma só redução no número de brasileiros e brasileiras assassinados no país ano após ano. Hoje, o Brasil é o sétimo país onde mais se mata no planeta. Por que isso está acontecendo? Por que viver no Brasil se tornou mais perigoso do que em países conflitados internamente ou com os vizinhos?

As causas, obviamente, são inúmeras, e as academias estão a debater o tema há anos sem que se chegue a denominadores comuns. Há unanimidade quando se aponta para quase uma dezena de fontes negativas dos problemas da violência urbana. Vão desde as condições estruturais, como as questões culturais, educacionais, de infraestrutura urbana, de segregação socioeconômica, de concentração das riquezas, até pontos conjunturais, como a possível permissividade das leis, a impunidade nas execuções penais, o baixo investimento nos equipamentos básicos de segurança, como profissionais, armamentos e instalações públicas.

Violência cresce

Não há dúvida de que, pelo conjunto, extensão e abrangência das causas, a violência cotidiana nas cidades brasileiras tende a crescer, e não a diminuir. Prin­cipalmente na ponta final dessas deficiências, que é a segurança do cidadão em sua casa ou nas ruas. E vai-se, assim, ampliar os recordes de assassinatos ano após ano como tem acontecido há décadas em todo o Brasil. Em 2014, as autoridades do setor calculam que nada menos que 56 mil cidadãos e cidadãs vão ser mortas no país. Embora números, por si só, não assustem, é um quadro aterrorizante, e alguma coisa precisa ser feita emergencialmente.

Olhando para as consequências diretas da deficiência nas causas estruturais e conjunturais, salta aos olhos, embora isso nem sempre seja de fácil e imediata percepção, que o Brasil precisa repactuar o combate à violência sob pena de continuar delegando aos Estados e cidades o insano e improdutivo trabalho de secar gelo, como se está fazendo há décadas.
Não é necessário fazer qualquer estudo científico para constatar aquilo que está em todos os comandos das estruturas de seguranças públicas estaduais: a maior causa de assassinatos no Brasil são as drogas, especialmente a cocaína e o crack. Em Goiás, mais da metade do número de assassinatos envolve usuários ou traficantes. É assim aqui, no Distrito Federal, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco. Enfim, em todos os Estados. Todos, sem qualquer exceção. E esse é um problema originário em nível de combate federal, e não Estadual.

Crime federal

Não há uma só plantação de coca no Brasil. Nada. Nem um só pé de coca. Então, obviamente, cada grama ou pedra de crack existente em qualquer lugar deste país é resultado de uma ação de tráfico internacional. E não cabe aos Estados brasileiros, através de suas forças policiais, combater o tráfico internacional. Cabe, sim, a tarefa de enxugar gelo, correr atrás de pequenos e violentos traficantes, cada vez mais numerosos diante da oferta generosa que os grandes traficantes trazem para o país diariamente, 24 horas por dia, sete dias por semana.

As prisões estaduais estão lotadas de pequenos e médios traficantes. Há um ou outro traficante internacional, mas é exceção. Essa é a primeira consequência da ação dos Estados na tarefa de enxugar gelo. Existem inúmeras outras. Em São Paulo, a prefeitura não sabe mais o que fazer com setores inteiros que estão povoados de viciados em crack, as chamadas cracolândias. E essas cracolândias já deixaram de ser privilégio às avessas dos paulistanos há anos. Aqui mesmo, em Goiânia, uma capital de porte médio, existem setores assim. Se os Estados se esforçam nas ações policiais e penitenciárias, as cidades tentam minimizar os gravíssimos problemas gerados pelo vício em escala final.

As consequências imediatas do tráfico internacional nas cidades brasileiras estão nas manchetes dos jornais e nos noticiários das rádios e TVs diariamente: assaltos, assassinatos, guerra entre policiais e traficantes. E da forma como está essa é uma guerra previamente perdida. Os recordes de assassinatos no Brasil vão continuar sendo sistematicamente batidos todos os anos.

É óbvio que não há como eliminar o tráfico internacional de cocaína/crack no Brasil com o formato atual de combate. O mundo todo ainda se pergunta como agir melhor para minimizar os efeitos das drogas nas sociedades, mas é certo que o modelo originado na década de 1920 nos Estados Unidos se revelou falido. Até por lá já se questiona o que se pode fazer para resolver esse gravíssimo problema.

Mas a questão brasileira é muito mais urgente. Antes de se discutir um novo modelo, é necessário estancar a hemorragia. Mais da metade, repita-se, do número de assassinatos no país tem como causa a cocaína/crack. O governo federal não pode se manter quase totalmente omisso como está há décadas nas questões comezinhas da insegurança pública nas cidades brasileiras. Os Estados devem, sim, ampliar suas ações e estruturas de segurança locais. As cidades devem, igualmente, ampliar o sistema de atendimento à ponta final do tráfico de drogas. Mas cabe única e exclusivamente ao governo federal investir maciçamente contra a causa inicial de mais da metade violência cotidiana no Brasil: o tráfico internacional. Chega de omissão.