Com a chacina na Baixada Santista se desdobrando ao vivo, diante de nossos celulares, o tema da violência policial volta à tona apenas 15 dias depois da publicação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. É um momento oportuno para discutir o problema da violência policial sob a luz dos dados. Em Goiás, o cenário não é positivo. 

Enquanto a média nacional é de 3,2 mortes decorrentes de intervenções policiais a cada 100 mil habitantes, a taxa goiana é de 7,6. Em números absolutos, as únicas polícias que mataram mais do que as de Goiás foram as do Rio de Janeiro e Bahia. Isto é, tendo apenas 3,2% da população brasileira, Goiás foi responsável por 8,3% de todas as mortes em intervenções policiais do Brasil em 2022. 

A defesa do “direito” dos policiais matarem vem da sugestão de que a única alternativa seria ceder ao império do crime. A ideia é que, caso a polícia não mate os bandidos, os bandidos matarão ainda mais os cidadãos comuns – e, se inocentes morrerem nessa supressão do crime, este seria um sacrifício necessário. O que os dados dizem a respeito? A polícia goiana, matando quase três vezes mais do que a média brasileira, deixa os bandidos menos perigosos?

Não. Goiás está ligeiramente acima da taxa média nacional de Mortes Violentas Intencionais. A cada 100 mil pessoas, 25,2 morrem violentamente (a média brasileira é de 23,4). Mas, quando se considera a proporção de mortes decorrentes de intervenções policiais em relação às mortes violentas intencionais, chegamos à segunda maior taxa do Brasil, atrás apenas do Amapá. Intervenções da polícia goiana causam 30,2% de todas as mortes violentas no estado.

Outra justificativa comum para as mortes envolvendo policiais é a da autodefesa. Os policiais estariam sendo recebidos à bala em suas abordagens e apenas revidando na mesma medida. Como os bandidos estão se saindo nessas tentativas de matar os policiais? Muito mal. No ano de 2022, foram seis policiais goianos mortos. O número chama a atenção pela discrepância entre a letalidade e a vitimização policial.

Vale lembrar que os dados foram fornecidos pelas próprias corporações. Em Goiás, a qualidade da informação não é boa – apenas os estados de Goiás, Acre, Bahia, Rio de Janeiro e Rondônia deixam de informar se as mortes ocorreram pela atuação de policiais em serviço ou de folga.

Política pública

Sobre a chacina em progresso na Baixada Santista, que já acumula 16 corpos, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se disse “extremamente satisfeito com a ação da polícia”. Grande parte da sociedade concorda com o governador, que faz um aceno ao eleitorado de Jair Bolsonaro (PL) com sua anuência à matança. 

Há manifestações contrárias ao padrão absolutamente abusivo e desprofissionalizado de uso da força e algum desgaste para o governador. Mas sempre impressiona perceber que, politicamente, a questão é uma aposta. Pode-se apostar no eleitorado farto da violência da bandidagem, como se a violência da polícia fosse sua contraparte. Isso envolve ignorar que a receita para a segurança pública é conhecida e não passa por executar pessoas, mas pelo setor de inteligência das polícias.

É a ignorância como política pública. Não é aceitável que um policial seja assassinado pela bandidagem e não é aceitável que a polícia mate e torture dezenas de pessoas em resposta. Como disse Josias de Souza em sua coluna no Canal Uol: “Quando policiais se nivelam aos bandidos, a Segurança Pública vira um torneio de facínoras”. Ainda assim, Tarcísio ignora voluntariamente os dados para apostar em um eleitorado sedento por sangue, que busca nas ações da bandidagem um pretexto para ser selvagem, mesmo que isso não mude coisa alguma. 

O fato

No dia 27 de julho, o assassinato do soldado da Rota Patrick Reis no município de Guarujá deu início a uma série de incursões da polícia nas comunidades da Baixada Santista. Até o momento, 16 pessoas foram mortas pela Polícia Militar (PM), que atua na Operação Escudo, uma ação “com objetivo de sufocar o tráfico de drogas e desarticular o crime organizado”, segundo a PM de São Paulo.

A ouvidoria da polícia, que recebeu denúncias de excessos, foi acusada pelos próprios policiais de atuar contra a corporação. Dez equipes da PM não relataram o uso das câmeras em ações que resultaram em mortes na Operação Escudo em seus boletins de ocorrência. Apenas uma equipe com quatro policiais relatou o uso do equipamento no uniforme. Único caso gravado ocorreu no dia 30 de julho e terminou com a morte de Rogério de Andrade de Jesus, no Guarujá.